Arte Que Cura Dores
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Capítulo 1

Maria sentia o cheiro de tinta a óleo e terebintina misturado com o cheiro de remédios no ar, uma combinação que definia sua vida nos últimos seis meses.

Seu ateliê, antes um santuário de cores vibrantes e telas ambiciosas, agora era um anexo do quarto de Pedro.

Pedro, seu amor, o empresário influente e outrora indestrutível, estava deitado na cama, pálido e enfraquecido por uma doença crônica que os médicos não conseguiam diagnosticar completamente, muito menos curar.

Mas Maria tinha um segredo, uma capacidade que ela mesma mal compreendia.

Quando dormia, seus sonhos não eram apenas sonhos, eram paisagens vivas, mundos inteiros que ela podia visitar e, ao acordar, conseguia trazer pedaços deles para a tela.

E esses pedaços, essas pinturas, pareciam ter um poder de cura.

Ela se lembrava da primeira vez, quando Pedro teve uma febre terrível que não cedia. Desesperada, ela pintou a noite toda uma visão que tivera de um lago de águas calmas e luminescentes, e quando colocou a tela ao lado da cama dele, a febre baixou.

Desde então, sua arte se tornou a única missão de sua vida.

Ela se entregou a isso completamente.

"Como você está se sentindo hoje, meu amor?" , ela perguntou, limpando os pincéis com um pano sujo.

Pedro abriu os olhos lentamente e sorriu, um sorriso fraco, mas genuíno.

"Melhor, Maria. Sinto que cada quadro seu que fica neste quarto me devolve um pouco de força."

Ele olhou para a nova tela apoiada em um cavalete, ainda fresca. Retratava uma floresta com árvores cujos troncos brilhavam com uma luz interna, e o chão era coberto por flores que pareciam pulsar suavemente.

Era uma cena de seu último sonho.

Para criar aquela pintura, ela não dormiu por dois dias, forçando-se a entrar em um estado de exaustão que a deixava mais suscetível a esses sonhos vívidos.

Cada pincelada era um pedaço de sua própria energia vital transferida para a tela. Ela sentia isso, a fraqueza que a invadia depois de terminar um quadro, a tontura, a palidez que agora espelhava a de Pedro antes do tratamento começar.

Era o seu sacrifício, o preço de sua arte milagrosa.

A porta se abriu de repente, sem uma batida, e Sofia, a irmã de Pedro, entrou.

Ela usava um vestido caro e um olhar de desprezo mal disfarçado.

Sofia nunca gostou de Maria, uma artista sem nome ou fortuna que, em sua opinião, tinha se aproveitado da generosidade de seu irmão.

"Ainda brincando com suas tintas, Maria?" , disse Sofia, seu tom era cortante. "Enquanto meu irmão sofre."

"A arte de Maria o está ajudando, Sofia. Eu me sinto melhor" , disse Pedro, sua voz um pouco mais forte do que antes.

Sofia olhou para a pintura nova e bufou.

"Bobagem. São apenas rabiscos delirantes. O que você precisa é de médicos de verdade, não dessa... feitiçaria."

Maria não respondeu, apenas apertou o pano em suas mãos. Discutir com Sofia era inútil, era como gritar contra o vento. Ela só se importava com a recuperação de Pedro.

Naquela noite, depois que Sofia finalmente foi embora, Pedro segurou a mão de Maria.

"Não ligue para ela" , ele sussurrou. "Eu acredito em você. Eu acredito na sua arte."

Suas palavras eram o único bálsamo que ela precisava.

Nas semanas seguintes, Maria trabalhou incansavelmente, pintando sonho após sonho. Uma cidade flutuante, um deserto de areia prateada, um oceano sob um céu de duas luas.

Cada obra consumia mais dela, deixando-a mais magra, mais frágil.

Mas Pedro melhorava a cada dia.

Ele começou a se sentar na cama, depois a andar pelo quarto. A cor voltou ao seu rosto, e a força, à sua voz. Os médicos que o visitavam ficavam perplexos, chamando sua recuperação de um milagre inexplicável.

Um dia, Pedro se levantou da cama, vestiu um de seus ternos caros e declarou:

"Estou curado, Maria. Você me curou."

A alegria no quarto era palpável. Maria chorou, não de fraqueza, mas de alívio. Todo o seu sacrifício tinha valido a pena.

Eles comemoraram naquela noite, um jantar silencioso e íntimo. Pedro parecia o homem por quem ela se apaixonara novamente: forte, confiante, cheio de vida.

"Essas pinturas" , disse ele, olhando para as telas que enchiam o quarto. "Elas não são apenas arte, são a minha vida. Elas são incrivelmente valiosas. O mundo precisa vê-las."

Maria sentiu um arrepio de orgulho e felicidade.

"Podemos fazer uma exposição, talvez?" , ela sugeriu timidamente.

"Melhor!" , exclamou Pedro. "Vamos fazer um leilão de caridade! As pessoas pagarão fortunas por elas, e podemos doar o dinheiro para pesquisas de doenças raras. Sua arte vai salvar outras pessoas também!"

A ideia a entusiasmou. Sua arte, seu sacrifício, não apenas curaria Pedro, mas traria esperança para muitos outros. Parecia um final de conto de fadas.

A paz, no entanto, era frágil e ilusória.

Alguns dias depois, enquanto organizavam os detalhes do leilão, Maria ouviu uma conversa entre Pedro e Sofia no corredor.

"Pedro, você não pode ser tão ingênuo" , dizia Sofia, sua voz baixa e sibilante. "Você realmente acredita que esses borrões a curaram? Você tomou os remédios que o Dr. Almeida receitou, foi isso."

"Mas eu me sentia melhor toda vez que ela terminava um quadro..." , Pedro respondeu, mas havia uma pitada de incerteza em sua voz.

"Coincidência. Placebo. Ela é uma artista fracassada, Pedro. Ela viu uma oportunidade de se tornar famosa às suas custas. Essas histórias de 'sonhos mágicos' ... você não vê que ela está delirando? Ou pior, ela está mentindo para você."

Maria sentiu o chão desaparecer sob seus pés.

"As pinturas são valiosas, Sofia. Eu sinto isso" , insistiu Pedro.

"Valiosas para quem? Para um bando de gente rica e esnobe que vai comprar qualquer coisa com uma história bonita por trás? E se a história for uma farsa? E se descobrirem que ela é uma fraude? Isso vai arruinar sua reputação, Pedro. A reputação da nossa família."

Um silêncio pesado se seguiu.

Maria prendeu a respiração, esperando que Pedro a defendesse, que risse das acusações de sua irmã.

Mas o que ele disse em seguida quebrou algo dentro dela.

"O que você sugere que eu faça?"

A calma com que ele fez a pergunta foi mais aterrorizante do que qualquer grito.

A tranquilidade havia se estilhaçado. O conto de fadas estava prestes a se transformar em um pesadelo, e ela estava no centro dele, completamente despreparada para a traição que estava sendo semeada. O leilão, que antes era um sonho, agora parecia uma armadilha se fechando ao seu redor.

            
            

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