Eu andava de um lado para o outro na cela, a cabeça doendo. Será que elas mudaram o plano? Ou será que havia algo que eu não sabia na primeira vez? A incerteza era uma tortura.
Minha libertação veio alguns dias depois. Isabella, sob a orientação de seus advogados e provavelmente de Ricardo, retirou a queixa. A narrativa pública era a de uma esposa compreensiva perdoando um marido sobrecarregado. Era uma armadilha, eu sabia. Eles queriam que eu voltasse para casa, para o ambiente que eles controlavam.
Eu fingi aceitar. Fingi arrependimento. Abracei Isabella na frente dos advogados, sussurrando promessas de mudança. Ela sorriu, um sorriso vitorioso. Mal sabia ela que eu estava jogando um jogo muito mais longo.
Assim que saí, minha primeira parada não foi em casa. Foi em um café discreto no centro da cidade, para me encontrar com o Detetive Carlos.
Carlos era um ex-policial, baixo, careca e com olhos que viam tudo. Ele não perdia tempo com gentilezas.
"Seu palpite estava certo, Lucas," ele disse, empurrando um envelope pardo sobre a mesa. "Sua esposa, sua mãe e seu meio-irmão, Ricardo, estão juntos nisso."
Abri o envelope. Dentro, havia fotos. Isabella e Ricardo se encontrando em um hotel barato. Dona Ana sacando uma grande quantia de dinheiro de um caixa eletrônico. Registros telefônicos mostrando centenas de ligações entre os três.
"Eles têm um plano," Carlos continuou, a voz baixa. "Ricardo tem dívidas de jogo enormes. Aparentemente, seu pai deixou toda a fortuna para você, e uma cláusula no testamento diz que se você for condenado por um crime hediondo, a herança passa para o parente de sangue mais próximo. No caso, sua mãe, que então passaria tudo para o filho favorito dela, Ricardo."
Isabella ficaria com os bens do casamento. Todos ganhavam. Menos eu e Sofia.
"E a Sofia?" perguntei, o coração apertado.
"Ela é um obstáculo," disse Carlos, o rosto sério. "Se algo acontecesse com você, ela seria sua herdeira direta. Eles precisam tirá-la do caminho. O plano deles é criar uma situação em que você pareça ser o responsável pela... morte dela."
A palavra "morte" pairou no ar, fria e pesada. Então era isso. O braço liso. Eles não precisavam dos hematomas falsos se o plano era matá-la de verdade e me culpar pelo assassinato. Meu renascimento não apenas me deu uma segunda chance, mas também escalou a maldade deles.
"O aniversário da Sofia," eu disse, a realização me atingindo como um soco. "É na semana que vem. Eles vão fazer isso na festa."
"É o que parece," concordou Carlos. "Um acidente trágico. Uma queda da varanda. Com você por perto para levar a culpa."
Senti um calafrio percorrer minha espinha. A imagem da minha filha caindo...
"Isso não vai acontecer," eu disse, a voz cheia de uma determinação mortal. "Carlos, eu preciso que você faça uma coisa por mim. É arriscado e provavelmente ilegal, mas é a única maneira."
Expliquei meu plano a ele. Ele me ouviu em silêncio, os olhos fixos nos meus. Quando terminei, ele ficou quieto por um longo momento.
"Você sabe que se isso der errado, nós dois vamos para a cadeia por muito tempo," ele disse finalmente.
"Eu já estive lá," respondi. "Não tenho mais nada a perder. Mas minha filha tem tudo a ganhar."
Carlos suspirou, passou a mão pela cabeça careca e depois assentiu. "Tudo bem. Mas você me deve um bônus de risco bem gordo."
"Você terá o que quiser," prometi.
Voltei para casa naquela noite fingindo ser o marido arrependido. Ajudei Isabella a planejar a festa de aniversário de Sofia. Escolhi os balões, o bolo, o tema de princesa. Cada sorriso que eu dava para ela era uma faca que eu afiava.
Dona Ana também estava sempre por perto, a avó amorosa, ajudando nos preparativos. Ela me trazia café, perguntava como eu estava me sentindo, me dizia o quanto estava feliz por ver a família se acertando. A hipocrisia dela era tão densa que eu quase podia tocá-la.
O dia da festa chegou. O jardim estava cheio de convidados, amigos, familiares. Crianças corriam por toda parte. A música era alegre, mas para mim, soava como uma marcha fúnebre.
Eu vi Ricardo chegar. Ele me deu um abraço de urso, um tapa nas costas. "Fico feliz que vocês se acertaram, irmão. Família é tudo." Seus olhos brilhavam de ganância.
Isabella estava radiante em um vestido branco, a anfitriã perfeita. Ela segurava a mão de Sofia, levando-a para cumprimentar os convidados.
Eu me mantive à distância, observando. Meu coração batia descontroladamente. O plano de Carlos estava em andamento, mas qualquer coisa poderia dar errado.
Então, eu vi. Isabella guiou Sofia discretamente para perto da varanda do segundo andar, que dava para o jardim. Ricardo a seguiu, fingindo pegar uma bebida. Minha mãe, Dona Ana, distraiu os convidados mais próximos, chamando a atenção para o bolo.
Era o momento. O mesmo cenário da minha vida passada. A mesma armadilha.
Isabella sussurrou algo no ouvido de Sofia, apontando para um balão que estava preso no parapeito da varanda. Sofia, com a inocência de uma criança de cinco anos, começou a subir na cadeira para alcançá-lo.
Meu corpo inteiro gelou. Mesmo sabendo do plano, ver aquilo, ver minha filha em perigo, quase me fez gritar.
Isabella e Ricardo trocaram um olhar. Um pequeno empurrão, era só o que faltava. Um acidente terrível.
Foi quando aconteceu.
Um grito. Um corpo pequeno caindo. O som surdo do impacto no gramado.
O silêncio caiu sobre a festa. Todos os olhos se viraram para a cena.
E lá estava eu, parado a poucos metros do corpo, com as mãos estendidas, como se eu tivesse acabado de empurrá-la.
Exatamente como eles planejaram.