Todos os olhares se viraram para mim. Cem pares de olhos cheios de choque, depois de desconfiança, e finalmente, de ódio. Eu estava parado ali, no lugar errado, na hora errada, exatamente como eles queriam.
Dona Ana desabou no chão, um soluço gutural escapando de seus lábios. "Meu Deus! Meu filho! O que você fez?!" ela gritou para o céu, reforçando a acusação.
Ricardo correu para o corpo, ajoelhou-se e gritou: "Ela não está respirando! Chamem uma ambulância!"
O pânico tomou conta dos convidados. As pessoas começaram a gritar, a chorar. Alguns pegaram seus celulares, não para ligar para a emergência, mas para filmar. Filmar a mim, o monstro.
"Assassino!" alguém gritou no meio da multidão.
A palavra se espalhou como fogo.
"Assassino!"
"Ele matou a própria filha!"
"Monstro!"
Eu permaneci em silêncio, o rosto uma máscara de indiferença. Eu precisava que a raiva deles crescesse. Precisava que o espetáculo atingisse seu clímax.
Meu pai, um homem que sempre me ensinou sobre honra e justiça, abriu caminho pela multidão. Seus olhos, que antes me olhavam com orgulho, agora queimavam de dor e traição.
"Lucas... me diga que não é verdade," ele implorou, a voz falhando. "Me diga que você não fez isso."
Eu olhei para o meu pai, o homem que eu mais respeitava no mundo. E então, eu menti.
"Eu fiz," eu disse, a voz fria e sem emoção. "Ela não parava de chorar. Eu perdi a cabeça."
A cor sumiu do rosto do meu pai. Ele cambaleou para trás, como se eu o tivesse socado. A dor em seus olhos era uma ferida aberta. Aquilo doeu mais do que qualquer acusação.
Minha confissão jogou gasolina na fogueira. A multidão, antes hesitante, agora tinha certeza da minha culpa. Um homem mais exaltado avançou e me deu um soco no rosto. Eu caí. Outros se juntaram, chutando e cuspindo em mim.
"Parem!" meu pai gritou, tentando me proteger, mas ele foi empurrado para o lado.
Eu aceitei os golpes. Cada chute, cada insulto, era parte do plano. Eu precisava ser a vítima, o vilão condenado por todos, para que a reviravavolta fosse ainda mais chocante.
Então, Isabella deu o golpe de mestre.
"Eu tenho a prova!" ela gritou, correndo para dentro de casa. Momentos depois, a grande tela que estava passando um slideshow de fotos de Sofia mudou. Agora, mostrava um vídeo.
Era uma gravação de uma câmera de segurança que eu mesmo instalei. A imagem era granulada, mas clara o suficiente. Mostrava a varanda. Mostrava a menina subindo na cadeira. E mostrava a minha figura, borrada, se aproximando por trás e a empurrando.
A multidão ofegou em uníssono. Era a prova irrefutável. A condenação final.
O vídeo continuou a rodar. A câmera captou o som. A voz da menina, pequena e assustada, segundos antes de cair.
"Papai, não..."
O som quebrou o coração de todos na festa. Minha mãe, Dona Ana, que já estava chorando, agora uivava de dor. Meu pai olhou para mim, não mais com dor, mas com um desprezo absoluto. Ele se virou e se afastou, me abandonando.
Eu estava sozinho. Condenado. Destruído. Exatamente como na minha vida passada.
"Veja o que você fez!" Isabella gritou, o rosto distorcido pela falsa dor. "Você tirou tudo de mim!"
"Eu não tirei nada de você," eu disse, levantando-me com dificuldade, o gosto de sangue na boca. Eu sorri para ela, um sorriso ensanguentado e desafiador. "Na verdade, eu estou apenas começando."
Minha atitude a deixou perplexa. A multidão, furiosa com minha falta de remorso, avançou novamente.
Foi quando as sirenes soaram, mais altas e mais próximas desta vez. Vários carros de polícia pararam bruscamente na frente da casa.
Desta confusão, um homem saiu. Alto, de ombros largos, vestindo um terno impecável que não combinava com o caos ao redor. Ele caminhou com uma autoridade calma, os olhos varrendo a cena.
Era o Inspetor Silva.
Um dos policiais mais respeitados e íntegros da cidade. Um homem que eu conhecia do meu tempo como promotor. Um homem que não podia ser comprado ou intimidado.
Ele era a peça final do meu tabuleiro.
Silva olhou para o corpo no chão, para a multidão enfurecida, para Isabella e Dona Ana chorando, e finalmente, para mim, coberto de sangue e terra.
Seus olhos não mostravam pena nem condenação. Apenas uma curiosidade fria e profissional.
"Lucas," ele disse, a voz calma, mas que cortou o barulho da multidão. "Você tem muito a explicar."
O palco estava montado. Os atores estavam em posição. O segundo ato estava prestes a começar.