Legado de Amor e Luta
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Capítulo 1

A escuridão era fria, um vazio que me engolia por inteiro, e a última coisa que senti foi a dor aguda no meu peito, não do impacto, mas da traição. As vozes do meu irmão, Pedro, e da minha irmã adotiva, Clara, ecoavam na minha cabeça, frias e cruéis.

"A culpa é toda sua, Sofia. Se você não tivesse sido tão egoísta, Clara não teria tentado se matar."

A voz de Pedro era como veneno, e eu me lembrava de olhar para ele, sem entender, enquanto Clara, que supostamente havia se jogado no rio, aparecia atrás dele, com os olhos secos e um sorriso vitorioso que ela não tentava mais esconder.

"Irmão, não seja tão duro com ela," Clara disse, com uma doçura falsa que me revirou o estômago, "ela vai pagar por tudo que fez."

Eles me empurraram para a estrada, bem na frente de um caminhão que vinha em alta velocidade. O som da buzina foi a última coisa que ouvi. Eles me mataram, culpando-me pelo falso suicídio de Clara, um plano para roubar a herança da nossa mãe e tomar o controle da empresa.

De repente, um grito agudo me puxou daquele pesadelo.

Abri os olhos, ofegante, com o coração batendo descontroladamente no peito. O suor frio escorria pela minha testa. Eu não estava morta. Eu estava no meu quarto, o mesmo quarto da minha adolescência, com os pôsteres antigos na parede e a luz do sol entrando pela janela.

Olhei para o celular na minha mesa de cabeceira. A data brilhava na tela: 15 de março.

Meu corpo inteiro gelou.

15 de março. O dia do acidente de carro da minha mãe. O dia em que tudo começou a desmoronar na minha vida passada.

O telefone tocou, o som estridente cortando o silêncio do quarto. Meu coração afundou. Eu conhecia aquela ligação. Na minha vida anterior, eu atendi, paralisada pelo pânico, e ouvi a notícia de que minha mãe tinha sofrido um acidente grave. Fiquei em choque por minutos preciosos, chorando e esperando que Pedro, meu irmão mais velho, resolvesse tudo.

Ele nunca veio. Ele estava ocupado demais comemorando o aniversário de Clara.

Desta vez, não.

Não haveria pânico. Não haveria lágrimas inúteis.

Recusei a chamada, o ícone vermelho na tela parecendo um grito de guerra. Levantei da cama em um pulo, minhas pernas firmes, meu corpo movido por uma determinação que eu não sabia que possuía. Joguei de lado o pijama e vesti a primeira roupa que encontrei, minhas mãos se movendo com uma urgência que vinha da memória da dor.

Peguei as chaves do carro e a minha bolsa, meu cérebro trabalhando em alta velocidade. Na vida passada, eu perdi tempo. Confiei na pessoa errada. Desta vez, a única pessoa em quem eu podia confiar era eu mesma.

Corri para fora de casa, o ar fresco da manhã batendo no meu rosto. Entrei no carro e dei a partida, o motor roncando como um reflexo da minha própria fúria. Eu sabia exatamente onde o acidente tinha acontecido, na curva perigosa da estrada costeira.

Enquanto dirigia, flashes da minha vida passada passavam diante dos meus olhos. A forma como Pedro sempre defendia Clara, não importava o quão absurdas fossem as mentiras dela. A forma como Clara, com sua aparência frágil e chorosa, manipulava todos ao seu redor, pintando-me como a irmã má e ciumenta. A forma como minha mãe, sempre ocupada com a empresa, tentava manter a paz, mas acabava sendo enganada pela performance de Clara.

Eles me transformaram em uma pária na minha própria casa. E no final, tiraram tudo de mim.

Chega.

Pisei no acelerador, o carro ganhando velocidade. Eu não ia deixar a história se repetir. Eu ia salvar minha mãe. Eu ia proteger o que era nosso. E eu ia fazer Pedro e Clara pagarem por cada lágrima, cada mentira, cada gota de sangue.

Ao fazer a curva, vi a cena horrível, exatamente como na minha memória. O carro da minha mãe, um sedã prateado, estava batido contra uma árvore na beira da estrada, a frente completamente destruída. Fumaça saía do capô.

Parei o carro de qualquer jeito e corri em direção aos destroços. Meu coração martelava contra as costelas, mas minhas mãos estavam firmes. A porta do motorista estava emperrada.

"Mãe! Mãe, você pode me ouvir?" gritei, batendo no vidro.

Vi minha mãe caída sobre o volante, a testa sangrando muito. Ela estava inconsciente.

Sem hesitar, tirei meu casaco, enrolei-o na mão e quebrei o vidro da janela lateral com um golpe forte. O vidro se estilhaçou. Com cuidado, destravei a porta por dentro e a abri. O cheiro de gasolina e fumaça era forte.

Com as mãos trêmulas, mas decididas, verifiquei seu pulso. Estava fraco, mas estava lá. O corte na testa dela era profundo e sangrava sem parar. Rasguei um pedaço da minha camisa e pressionei firmemente contra o ferimento, exatamente como eu tinha visto fazerem em filmes, uma ação que minha versão anterior, paralisada pelo medo, jamais teria conseguido tomar.

Enquanto mantinha a pressão, peguei meu celular com a outra mão. Minha primeira ligação não foi para Pedro. Foi para a ambulância.

"Preciso de uma ambulância na estrada costeira, curva sul, perto do velho farol. Acidente de carro, uma vítima, mulher, inconsciente, sangramento na cabeça."

Minha voz saiu clara e firme. A pessoa do outro lado me fez perguntas, e eu respondi a todas com precisão, sem gaguejar.

Depois de desligar, a ambulância já estava a caminho. Só então, um pensamento frio me ocorreu. Eu deveria ligar para Pedro. Não porque eu esperava ajuda, mas para provar, para mim mesma, o quão inúteis minhas esperanças anteriores haviam sido.

O telefone tocou uma, duas, três vezes.

Quando ele atendeu, o som de música alta e risadas vazou pela linha. A festa de aniversário de Clara.

"Sofia? O que foi agora?" sua voz era impaciente, irritada.

"A mãe sofreu um acidente. Estou na estrada costeira. É grave, Pedro."

Houve uma pausa, e então ele riu. Uma risada fria, sem humor.

"Você está brincando, né? De novo esse drama? Sofia, para com isso. Hoje é o aniversário da Clara. Não ouse estragar a festa dela com suas mentiras só para chamar atenção."

As palavras dele não me machucaram como antes. Elas apenas solidificaram o gelo no meu coração.

"Eu não estou mentindo," eu disse, com a voz baixa e perigosa.

"Claro que não está," ele zombou. "Olha, faz o que você quiser, mas não me ligue mais. Estamos ocupados."

Ele desligou na minha cara.

O som da sirene da ambulância começou a se aproximar, um farol de esperança no meio da minha raiva fria. Olhei para o rosto pálido da minha mãe.

"Não se preocupe, mãe," sussurrei, enquanto os paramédicos corriam em nossa direção. "Desta vez, eu estou aqui. Desta vez, eu vou proteger você."

Entrei na ambulância com ela, segurando sua mão, ignorando os destroços do passado e focada apenas na batalha que estava por vir.

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