Um médico saiu para falar comigo alguns minutos depois. Seu rosto estava sério.
"Sua mãe perdeu muito sangue," ele disse, direto ao ponto. "Ela tem um tipo sanguíneo raro, O negativo. Nossas reservas estão baixas. Precisamos de doadores, e rápido."
O mesmo cenário. A mesma sentença terrível da minha vida passada.
Naquela época, eu liguei para Pedro, chorando, implorando. Ele me disse para esperar, que ele iria resolver. Ele nunca resolveu. Ele e Clara apareceram horas depois, quando já era tarde demais, com expressões de falsa preocupação, culpando o trânsito, o telefone sem bateria, qualquer desculpa que Clara sussurrava em seu ouvido.
Desta vez, eu não ia esperar por um salvador que nunca viria.
Peguei meu celular. Meu polegar pairou sobre o contato de Pedro por um segundo, uma faísca de um velho hábito, mas eu a ignorei. Em vez disso, abri as redes sociais e os grupos de ajuda da comunidade local.
Com os dedos voando sobre a tela, escrevi uma postagem clara e concisa.
"URGENTE: Minha mãe, Sra. Mendes, sofreu um acidente grave e precisa de transfusão de sangue O negativo no Hospital Central. Por favor, se você puder doar, entre em contato comigo. Qualquer ajuda é uma chance de salvar a vida dela."
Publiquei em três grupos diferentes e no meu próprio perfil, marcando a localização do hospital. Eu sabia que era uma tentativa desesperada, mas era melhor do que ficar sentada esperando por um milagre ou, pior, por Pedro.
Mesmo assim, uma parte de mim, uma parte tola e teimosa, precisava ouvir a crueldade dele de novo, para apagar de vez qualquer resquício de esperança familiar. Disquei o número dele.
"O que foi, Sofia? Eu não disse para não me ligar?" ele atendeu, sua voz ainda mais irritada.
"Mãe está na sala de cirurgia," eu disse, mantendo minha voz firme, sem um pingo de súplica. "Ela precisa de sangue O negativo. O hospital não tem o suficiente."
Houve um suspiro de exasperação do outro lado da linha.
"Pelo amor de Deus, Sofia! Você não se cansa desse teatro? Que tipo de pessoa inventa uma história dessas para estragar o aniversário da irmã?"
"Não é uma invenção, Pedro. Você pode ligar para o Hospital Central se não acredita em mim."
"E ouvir você subornar uma enfermeira para mentir por você? Não, obrigado," ele retrucou. "Clara está aqui, chorando, achando que a culpa é dela. Você está feliz agora? Conseguiu o que queria?"
Eu podia ouvir a voz chorosa e fabricada de Clara ao fundo. "Pedro, não briga com ela... Talvez seja verdade... Eu não deveria ter uma festa..."
"Não, meu amor, a culpa não é sua," a voz de Pedro se tornou suave e protetora, uma gentileza que ele nunca mais usou comigo. "É a Sofia que é assim. Sempre ciumenta, sempre querendo ser o centro das atenções."
Ele voltou a falar comigo, a dureza retornando à sua voz.
"Escuta aqui, Sofia. Para com essa palhaçada. Se você aparecer aqui e pedir desculpas para a Clara agora, talvez a gente possa esquecer isso."
A raiva subiu pela minha garganta, quente e amarga. Eu queria gritar, xingá-lo, dizer a ele o monstro que ele era. Mas não adiantaria. Ele estava cego, surdo, completamente enfeitiçado por Clara.
Naquele momento, uma enfermeira se aproximou de mim, com uma prancheta na mão. "Senhorita Mendes? O Dr. Ferreira precisa falar com o parente mais próximo. A situação é crítica."
Meu coração parou. Entreguei o telefone para a enfermeira.
"Por favor," eu disse, com a voz trêmula, "diga a ele. Diga ao meu irmão o que está acontecendo."
A enfermeira, vendo o desespero nos meus olhos, pegou o telefone.
"Senhor, aqui é a enfermeira-chefe da ala cirúrgica. Sua mãe, a Sra. Mendes, está em estado grave. A perda de sangue é severa e precisamos de doadores de O negativo imediatamente. A vida dela está em risco."
Houve um silêncio do outro lado da linha. Por um momento, um pingo de esperança surgiu em mim. Talvez ouvir uma autoridade o fizesse acordar.
A esperança foi esmagada pela risada incrédula de Pedro.
"Bela tentativa, Sofia. Contratou até uma atriz? Quanto você pagou a ela? Olha, eu não tenho tempo para seus joguinhos."
Antes que a enfermeira pudesse responder, chocada, ele continuou: "Diga à Sofia para parar de me encher o saco. Estou com a minha verdadeira família agora."
Ele desligou.
A enfermeira me devolveu o telefone, seus olhos cheios de uma mistura de pena e incredulidade.
"Sinto muito," ela disse, suavemente.
Eu apenas balancei a cabeça, sentindo um frio que não vinha do ar condicionado do hospital. O último fio que me ligava ao irmão que eu um dia amei tinha acabado de se romper.
Meu celular vibrou. Era uma ligação de Clara. Atendi, colocando no viva-voz.
"Sofia?" a voz dela era um lamento choroso, cada sílaba pingando falsa preocupação. "Como você pôde? Como pôde mentir sobre uma coisa tão horrível? Pedro está tão arrasado, ele acha que você odeia a gente. Por que você está fazendo isso conosco, Sofia? Eu só queria ter um aniversário feliz..."
Ela começou a soluçar, soluços altos e performáticos que não continham uma única lágrima real. Ao fundo, ouvi Pedro: "Calma, meu bem, não chora. Ela não vai estragar nosso dia."
Eu não disse nada. Apenas desliguei a chamada.
Eu estava sozinha nisso. E, pela primeira vez, isso não me assustava. Isso me fortalecia.
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