A decisão foi tomada num sussurro, um pacto secreto entre mim e a minha mãe. A esperança, por mais ténue que fosse, era uma âncora.
"Temos de manter isto em segredo," disse eu à minha mãe, a voz ainda fraca. "O Jacob não pode saber."
Ela assentiu, os olhos cheios de determinação. "Não te preocupes, minha filha. Eu trato de tudo."
A porta do quarto abriu-se e o Jacob entrou, seguido por dois homens de bata branca. O seu rosto ainda exibia aquela preocupação ensaiada.
"Raelyn, estes são o Dr. Silva e o Dr. Costa, os melhores especialistas do Porto," disse ele, com uma voz grave.
Os médicos examinaram os meus exames, os seus rostos sérios. O Dr. Silva falou, as suas palavras cuidadosamente escolhidas. "Senhorita Hayes, as suas lesões são... complexas. Os nervos da sua medula espinhal foram severamente danificados. A probabilidade de voltar a andar, e muito menos de se manter de pé para atuar, é praticamente nula."
Cada palavra era uma faca. Eu olhava para o Jacob, que baixou a cabeça, como se estivesse a partilhar a minha dor. Que ator brilhante.
"Faremos tudo o que for possível," disse o Jacob, a sua voz a tremer de emoção fingida. "Não olharemos a despesas. Eu estarei aqui para ti, Raelyn. Sempre."
As enfermeiras no corredor sussurravam entre si. "Que irmão dedicado. Ele não a deixou um segundo."
"Sim, um amor assim é raro hoje em dia."
Eu queria rir. Queria gritar a verdade. Mas engoli a amargura, deixando-a assentar como veneno no meu estômago. A minha única arma era o silêncio.
No dia em que tive alta, o Jacob não estava lá.
"Ele teve uma reunião de emergência na empresa, querida," disse a minha mãe, enquanto me ajudava a sentar na cadeira de rodas. A sua inocência era dolorosa. "Ele sente muito. Ele tem estado sob tanta pressão, a cuidar de ti e dos negócios da família. Devemos-lhe tanto."
Eu não disse nada. A gratidão da minha mãe era um fardo que eu não conseguia carregar.
Quando chegámos à mansão dos Gordon, o ar parecia mais pesado, mais sufocante do que nunca. O Jacob estava na sala de estar. E não estava sozinho.
Uma mulher estava ao seu lado. Alta, elegante, com a postura de uma bailarina. O seu cabelo loiro estava preso num coque perfeito. Era Vanessa Perry.
"Raelyn, esta é a Vanessa, uma amiga de infância," disse o Jacob, com um sorriso que não chegava aos olhos. "Ela veio de Lisboa para me dar apoio."
A Vanessa sorriu-me, um sorriso polido e vazio. "Ouvi falar do teu acidente. Que terrível. O Jacob tem estado tão preocupado."
A forma como ela dizia "Jacob", a forma como ele olhava para ela... não era amizade. Era uma intimidade profunda, uma história partilhada da qual eu nunca fiz parte.
Mais tarde, enquanto a minha mãe me ajudava a instalar no meu quarto, a Vanessa apareceu à porta.
"Posso entrar?" perguntou ela, a sua voz suave como seda.
Ela entrou e olhou para as minhas pernas imóveis. "É uma pena. O Jacob disse-me que eras uma fadista incrível. Lembro-me de quando éramos crianças, o Jacob sempre disse que se casaria com uma mulher que pudesse dançar com ele sob as estrelas."
O seu comentário, aparentemente inocente, era uma provocação deliberada.
Olhei-a nos olhos. "Sim, é uma pena," respondi, a minha voz fria. "Mas pelo menos agora ele não precisa de se preocupar com isso. Ele pode dançar com quem quiser."
A minha resposta pareceu surpreendê-la. Um brilho de irritação passou pelos seus olhos antes de ser substituído novamente por aquele sorriso polido.
"Descansa bem, Raelyn," disse ela, antes de se virar e sair.
Naquele momento, eu soube. O acidente não era apenas sobre vingança. Era sobre abrir caminho para ela.