Uma tarde, a casa estava silenciosa. A minha mãe tinha ido às compras, e o Jacob tinha levado a Vanessa a passear pelos vinhedos. Impelida por uma curiosidade mórbida, manobrei a minha cadeira de rodas pelo corredor até ao escritório do pai do Jacob, um lugar que sempre me fora proibido. A porta estava entreaberta.
Entrei. O escritório era escuro e opulento, mas não era isso que me interessava. Havia uma porta mais pequena num canto, que eu sempre pensei ser um armário. Estava destrancada. Abri-a.
O que vi fez o meu coração parar. Não era um armário. Era um pequeno estudo, um santuário. As paredes estavam cobertas de fotografias da Vanessa. Vanessa em criança, Vanessa a dançar ballet, Vanessa a rir com o Jacob. Havia cartas de amor, escritas com a caligrafia elegante do Jacob, cheias de palavras de adoração.
E depois vi o diário. Um caderno de couro preto sobre a secretária. As minhas mãos tremiam enquanto o abria.
A primeira página que li fez o meu sangue gelar.
"15 de Setembro. Seis anos. Seis anos a aturar o cheiro barato dela, o seu toque desesperado. Seis anos a ouvir o seu fado medíocre. Mas está quase a acabar. A mãe dela vai pagar. E ela, a sua preciosa filha, vai ser o meu instrumento. Vou quebrar-lhe as pernas e a alma. E depois, a Vanessa virá para mim. O meu anjo. O meu único amor."
Virei as páginas, cada palavra um golpe. Ele descrevia os nossos momentos íntimos com nojo, ridicularizava a minha "devoção patética", detalhava o seu ódio por mim e pela minha mãe, a quem ele chamava de "a prostituta de Alfama". Ele escrevia sobre como mal podia esperar para me ver aleijada, rastejando, a minha carreira destruída.
O ar tornou-se rarefeito. Senti que ia sufocar. O diário caiu das minhas mãos. O som ecoou na pequena sala. A dor era física, uma pressão esmagadora no meu peito. As minhas mãos agarraram os braços da cadeira de rodas com tanta força que as unhas se partiram. Senti que o meu corpo se estava a rasgar por dentro. Não me lembro de como voltei para o meu quarto. A dor apagou tudo.
Naquela noite, o Jacob entrou no meu quarto. Ele sentou-se na beira da minha cama, o seu rosto uma máscara de ternura.
"Como te sentes, Raelyn?" perguntou ele, tentando tocar no meu rosto.
Afastei-me como se ele fosse fogo. "Não me toques," sibilei.
Ele pareceu confuso, até um pouco magoado. "O que se passa? Tive um dia difícil. Só queria ver-te."
"Deixa-me em paz," supliquei, as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto. "Por favor, Jacob. Liberta-me."
O pânico brilhou nos seus olhos. Ele pensou que eu estava a ter um colapso nervoso por causa da minha condição.
"Shhh, está tudo bem," disse ele, a sua voz suave e manipuladora. "Eu sei que é difícil, mas vamos ultrapassar isto juntos. Quando estiveres melhor, podemos ir embora. Sabias que em alguns países os irmãos podem casar-se? Podíamos ir para a Suécia, ou para a Argentina. Ninguém nos julgaria."
O horror da sua proposta deixou-me sem palavras. Ele era um monstro. Um monstro que ainda queria manter-me na sua jaula, mesmo depois de me ter quebrado. Fiquei em silêncio, a tremer, o meu choro a única resposta. Ele interpretou o meu silêncio como aquiescência, deu-me um beijo na testa e saiu, deixando-me a afogar na minha própria escuridão.