Clara, por outro lado, mal tinha notas para passar para uma faculdade comunitária.
Numa noite de domingo, Helena nos chamou para uma "conversa de família" na sala de estar. A TV estava desligada. O silêncio era pesado.
"Eu estive pensando no futuro de vocês", ela começou, seu tom controlado e metódico. "É importante que vocês tenham as mesmas oportunidades."
Meu coração começou a acelerar. Eu sabia para onde isso estava indo.
"Sofia, seu portfólio é muito bom. Bom demais."
Ela fez uma pausa, me encarando.
"Clara precisa de mais ajuda. A faculdade que ela quer tem uma taxa de aceitação mais baixa. Seria... injusto se você fosse para uma universidade de elite e ela não."
Eu engoli em seco. "O que você está sugerindo, mãe?"
"Eu acho que você deveria se candidatar para a mesma faculdade que a Clara. E talvez...", ela hesitou, escolhendo as palavras como se fossem tecidos caros, "...talvez você pudesse dar alguns dos seus melhores desenhos para ela colocar no portfólio dela. Apenas para equilibrar as coisas."
O ar saiu dos meus pulmões. Não era um pedido, era uma ordem. Ela queria que eu não apenas me rebaixasse, mas que ativamente entregasse meu trabalho, minha alma, para que Clara pudesse pegar um atalho.
Pela primeira vez, uma faísca de rebelião se acendeu dentro de mim. Uma faísca pequena, mas quente.
"Não", eu disse, minha voz um sussurro trêmulo.
Helena ergueu as sobrancelhas, surpresa. Clara me olhou, chocada.
"O que você disse?"
"Eu disse não", repeti, um pouco mais alto. "É o meu trabalho. É o meu futuro. Não é justo que eu tenha que sacrificar tudo por ela."
A palavra "justo" saiu da minha boca com um gosto amargo e irônico.
O rosto de Helena se transformou. A máscara de calma racional caiu, revelando uma fúria gelada por baixo.
"Injusto?", ela sibilou. "Você quer falar sobre injustiça? Injusto é uma irmã ter tudo e a outra nada! Injusto é você se recusar a ajudar sua própria carne e sangue por puro egoísmo!"
A discussão explodiu. Eu gritei sobre meus sonhos, sobre anos de repressão. Ela gritou sobre dever, família e sua versão distorcida de justiça. Clara apenas chorava no canto, o catalisador e a vítima de todo o caos.
No auge da briga, Helena agarrou as chaves do carro.
"Vista-se. Nós vamos dar uma volta."
O tom dela não deixava espaço para discussão. O medo, um velho conhecido, voltou com força total, apagando minha pequena faísca de coragem. Em silêncio, eu a obedeci.
Ela dirigiu para fora da cidade, cada vez mais para longe das luzes e do conforto. O carro entrou em uma estrada de terra escura e deserta, cercada por um mato alto e assustador. O único som era o dos pneus no cascalho.
Ela parou o carro no meio do nada e se virou para mim. Seus olhos estavam vazios de qualquer emoção.
"Desça."
"O quê?", gaguejei, o pânico me envolvendo como um cobertor gelado.
"Eu disse para descer do carro", ela repetiu, sua voz plana. "Você quer ser tão independente? Quer tomar suas próprias decisões? Ótimo. Volte para casa a pé. Pense sobre o que é realmente 'injusto'."
Ela destravou a porta. Eu não me movi, paralisada pelo terror. Ela então saiu do carro, veio até o meu lado, abriu a porta e me puxou para fora com força.
Ela voltou para o banco do motorista, trancou as portas e simplesmente foi embora, me deixando na escuridão total, com o som do motor desaparecendo à distância.
Eu estava sozinha. Completamente sozinha. O breu era absoluto, os sons da noite pareciam amplificados. O vento uivava, os grilos cantavam um coro sinistro. Cada estalo de um galho me fazia pular. Eu abracei meu próprio corpo, tremendo de frio e de medo.
Eu não chorei. O medo era tão grande que secou minhas lágrimas. Eu só conseguia pensar em como sobreviver, em como voltar para a segurança, mesmo que essa segurança fosse a minha própria prisão.
Andei por horas. Meus pés doíam, minha garganta estava seca. Carros passavam ocasionalmente, suas luzes me cegando antes de me mergulhar de volta na escuridão. Eu não pedi ajuda. O que eu diria? "Minha mãe me abandonou no meio da estrada porque eu não quis dar meus desenhos para a minha irmã"?
Quando finalmente vi as luzes da cidade no horizonte, o sol estava começando a nascer. Cheguei em casa suja, exausta e completamente quebrada.
A porta estava destrancada. Helena estava sentada na mesa da cozinha, tomando uma xícara de café como se nada tivesse acontecido.
Ela olhou para mim, seu rosto impassível.
"Aprendeu sua lição?"
Eu não respondi. Apenas assenti, a derrota pesando em cada parte do meu corpo.
"Bom", ela disse, voltando ao seu café. "Agora vá tomar um banho. Você está imunda."
Naquela manhã, eu me sentei na frente do meu portfólio. Com as mãos ainda tremendo, selecionei cinco dos meus melhores trabalhos. Desenhos que me custaram noites de sono, que continham pedaços da minha alma.
Eu os entreguei para Clara.
Ela os pegou sem me olhar nos olhos.
"Obrigada", ela murmurou.
Eu tinha perdido. A rebelião tinha sido esmagada. Eu me resignei ao meu destino, aceitando que meu futuro não me pertencia.
Mas a história não acabou aí. Para garantir que eu não tentasse mais nada, Helena fez outra jogada. A faculdade que Clara e eu agora iríamos cursar ficava em outro estado.
"Eu terei que pagar uma taxa de matrícula extra para você, já que não somos residentes", disse Helena, como se estivesse me fazendo um favor. "Veja isso como um investimento na harmonia da família."
Não era um investimento. Era uma corrente, mais uma, me prendendo à sua vontade, garantindo que eu continuasse a ser metade de um todo, nunca inteira por mim mesma.