Sufocada Pelo Amor Materno
img img Sufocada Pelo Amor Materno img Capítulo 4
5
Capítulo 5 img
Capítulo 6 img
Capítulo 7 img
Capítulo 8 img
Capítulo 9 img
Capítulo 10 img
img
  /  1
img

Capítulo 4

Helena não podia ignorar o diagnóstico de um hospital. Mas ela podia distorcê-lo.

Para o mundo exterior, ela encenou a performance da mãe preocupada. Para os parentes e amigos da família, a história era que eu, Sofia, sempre fui a "gêmea mais sensível", e o estresse da faculdade tinha sido demais para mim.

Ela nos transformou em um artigo de revista: "As Gêmeas Estilistas: Como o Sucesso e a Pressão Afetam a Juventude". A narrativa era de duas irmãs brilhantes, uma apoiando a outra em um momento de fragilidade. Éramos as "irmãs solares", um exemplo de união.

A realidade no nosso dormitório era um inverno nuclear. Eu mal falava. Passava horas na cama, olhando para o nada. A medicação me deixava grogue, mas pelo menos silenciava o ruído constante na minha cabeça.

Clara, por sua vez, parecia irritada com a minha doença. Era um inconveniente para ela. Eu não estava mais lá para fazer seu trabalho, para ser sua rede de segurança. Ela teve que começar a se virar sozinha, e ela odiava isso.

O ano letivo se arrastou até o exame final mais importante: o vestibular interno para o curso avançado de Design de Moda, que definiria toda a nossa carreira. Apenas os melhores alunos eram aceitos. Era a minha última chance de provar a mim mesma que eu ainda existia.

Eu estudei como nunca. Era a única coisa que me dava um propósito. Mergulhei nos livros, nos tecidos, nos croquis. Por algumas semanas, a velha Sofia, a garota talentosa e apaixonada, ressurgiu das cinzas.

No dia do exame, eu me sentia focada. Clara estava visivelmente ansiosa, passando a noite anterior tentando decorar conceitos que eu havia internalizado anos atrás.

Duas semanas depois, os resultados foram publicados online.

Eu abri o portal da universidade com as mãos trêmulas.

Meu nome estava no topo da lista. Nota final: 98. Aprovada com louvor.

Um suspiro de alívio e orgulho me escapou. Eu consegui. Apesar de tudo, eu consegui.

Então, procurei o nome de Clara. Rolei a lista para baixo. E para baixo. E para baixo.

O nome dela estava quase no final. Nota final: 52. Reprovada.

A diferença era um abismo. Inegável. Inquestionável.

O silêncio no quarto foi quebrado pelo toque do telefone. Era Helena. O timing era perfeito demais para ser uma coincidência.

"Já viram os resultados?", ela perguntou, sem preâmbulos.

"Sim", respondi, a voz neutra.

Houve uma pausa do outro lado da linha. Eu podia imaginá-la, processando a informação, a sua equação de "justiça" explodindo em sua mente.

"Sofia, precisamos conversar", disse ela, o tom perigosamente calmo. "Isso... isso é inaceitável."

Naquela noite, ela dirigiu as três horas até a nossa faculdade. Ela não nos levou para jantar. Ela nos levou para um café barato e anônimo na beira da estrada.

Ela colocou os resultados impressos na mesa, entre nós. O 98 e o 52 lado a lado.

"Isso é um desastre", ela disse, olhando para mim. Não para Clara. Para mim. "Como você deixou isso acontecer?"

"Eu não 'deixei' acontecer, mãe. Nós fizemos uma prova. Essas foram as nossas notas."

"Não me venha com essa atitude!", ela retrucou, a voz subindo. "Você sabia que era melhor que ela. Você deliberadamente a humilhou. O que as pessoas vão pensar? Que eu criei uma filha brilhante e uma fracassada?"

Clara começou a chorar, um choro baixo e calculado.

"Eu tentei, mamãe, eu juro que tentei..."

Helena a ignorou. Seus olhos estavam fixos em mim.

"Existe uma solução", ela disse, lentamente. "Uma solução justa."

Meu sangue gelou.

"Sofia, você vai até a coordenação do curso amanhã. Você vai dizer a eles que cometeu um erro. Que você não quer mais a vaga no curso avançado. Você vai ceder o seu lugar para a Clara."

O mundo parou. O som da cafeteira, as conversas ao fundo, tudo desapareceu. Era a proposta mais insana, mais cruel que eu já tinha ouvido. Ela não queria que eu apenas me nivelasse a Clara. Ela queria que eu me apagasse para que Clara pudesse tomar o meu lugar.

"Não", eu disse, minha voz quebrando. "De jeito nenhum. Eu não vou fazer isso."

"Você vai", ela afirmou, inclinando-se sobre a mesa.

"NÃO!", eu gritei, batendo a mão na mesa. As xícaras de café tremeram. "Você não entende? Eu estou doente! Eu tenho um diagnóstico! Um laudo! E é por sua causa! Por causa dessa sua 'justiça' doentia! Você me destruiu!"

Pela primeira vez, eu joguei a verdade na cara dela. Sem filtros, sem medo. Apenas a dor crua de dezoito anos.

A reação dela foi instantânea. Rápida como um raio, a mão dela voou pela mesa e jogou o conteúdo de sua xícara de café quente em mim.

O líquido fervente atingiu minha mão e meu pulso. A dor foi aguda, cegante. Eu gritei, mais de choque do que de dor.

Ela se levantou, o rosto contorcido de uma fúria que eu nunca tinha visto.

"Nunca mais", ela sibilou, a voz baixa e ameaçadora, "nunca mais ouse me culpar pela sua fraqueza."

Ela se abaixou, e por um segundo aterrorizante, eu pensei que ela ia me bater. Mas em vez disso, ela pegou um guardanapo, e com uma gentileza assustadora, começou a secar minha mão.

"Oh, querida, me desculpe. Eu perdi a cabeça. Foi um acidente", ela murmurou, mas seus olhos diziam o contrário. Eles estavam frios, vitoriosos.

A pele da minha mão já estava vermelha e começando a formar bolhas. A dor era excruciante.

Clara, que assistiu a tudo em silêncio, finalmente falou. Mas não para me defender.

Ela olhou para a minha mão ferida, depois para mim, e um pequeno sorriso presunçoso brincou em seus lábios.

"Viu o que você fez?", ela disse, sua voz com um tom de falsa mágoa. "Você sempre deixa a mamãe nervosa."

Naquele momento, algo dentro de mim se partiu para sempre. A última gota de esperança, o último vestígio de amor ou dever filial, evaporou. Eu olhei para o rosto da minha mãe, para o rosto da minha irmã, e não vi família. Vi meus carrascos.

Eu me levantei, a dor na minha mão um eco distante da dor na minha alma. Não disse uma palavra. Apenas me virei e saí do café.

Andei sem rumo pela noite, a mão latejando. Eu não voltei para o dormitório. Eu não podia. Eu sabia que se eu voltasse, eu morreria. Talvez não fisicamente, mas minha alma seria extinta.

Peguei meu celular, ignorei as dezenas de chamadas perdidas de Helena e disquei um número que eu não discava há muito tempo. A voz do outro lado atendeu no segundo toque, sonolenta, mas preocupada.

"Sofia? Filha? O que aconteceu? São duas da manhã."

E pela primeira vez em anos, eu deixei as lágrimas virem.

"Pai...", eu solucei. "Pai, você pode vir me buscar?"

                         

COPYRIGHT(©) 2022