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Dirigimos por um bom tempo até que ele finalmente manda parar em frente a uma casa de praia.
- Onde estamos? - pergunto, desligando o carro.
- Essa é a casa de praia do meu pai.
Desço e corro para ajudá-lo a sair. Ele ainda cambaleia.
- E ele... está em casa?
Natan balança a cabeça, negando.
- Não mais.
- Ele se importa que a gente fique aqui?
Ele me lança um olhar de tédio.
- Você faz perguntas demais, sabia? Quantos anos você tem, cinco?
Ele abre a porta. Os móveis estão todos cobertos com panos brancos e empoeirados.
Puxa o que cobre o sofá e se senta, exausto.
- Droga... como pude ter sido tão descuidado...
Ele tira a mão do ferimento e o sangue volta a escorrer.
- Preciso tirar essa bala... mas sozinho, eu não consigo.
Me aproximo, hesitante.
- Eu posso ajudar... se você quiser.
Um pequeno riso escapa dele.
- No porta-malas... tem um kit médico.
Faço que sim e corro para buscar. Volto rapidamente.
- Aqui... olha, eu...
Paro ao vê-lo sem a camisa.
- O que foi? O gato comeu sua língua?
- N-não...
Me aproximo, tentando disfarçar o olhar.
Mas não dá pra ignorar: o abdômen dele parece ter sido um campo de batalha.
Cortes, cicatrizes... histórias que eu nem quero imaginar.
- Dentro do estojo tem algo parecido com um alicate. Pega ele.
- Isso aqui?
- Isso mesmo. Agora, você vai enfiar no buraco da bala... e puxar. Não está muito fundo.
Ok, Keyti, você consegue. É só uma bala. Simples. Vai.
Falo comigo mesma enquanto tento não tremer.
Ele não demonstra dor alguma. A morfina ainda deve estar fazendo efeito.
- Achei.
- Agora puxa.
Com cuidado, retiro um pequeno pedaço de metal. Quase não acredito.
Ele tosse, fraco.
- Rápido, tenho que estancar o sangue. Você já está até pálido!
Pego uma gaze do kit e enrolo com firmeza no braço dele.
- Você devia ter me deixado morrer... sabia?
- Não fala besteira.
Ao contrário de você, meu coração é bom.
Eu não deixaria nem uma formiga morrer se pudesse evitar.
Ele me encara por um momento. Depois sorri.
- Acho que fiz uma boa escolha... não te matar.
- É... acho que você fez.
Ele baixa a cabeça, cansado.
Silêncio.
Mas um silêncio que carrega algo novo: conexão.
Mesmo que perigosa.
O celular dele começa a tocar insistentemente.
- Ei, Natan... seu celular tá tocando...
Natan?
Me aproximo, levanto sua cabeça com cuidado e a encosto no sofá.
Seus lábios estão manchados de sangue.
Ele tá sangrando pela boca.
- Natan...
Olho para o celular que ainda vibra sem parar. Na tela:
JIMI CHAMANDO
Atendo no susto.
- Oi? Oi! - minha voz sai trêmula, quase em pânico.
- Cadê o Natan? - a voz de Jimi está tensa. - Acabei de chegar e encontrei dois corpos no chão.
- Ele não tá bem! Foi atingido no braço, mas agora ele... ele apagou. Tá sangrando pela boca...
- Onde vocês estão?
- Numa casa de praia. Pelo que ele disse, é do seu pai.
Silêncio.
Em seguida, a ligação cai.
Ele desligou.
Me viro para Natan e tento acordá-lo, sacudindo-o com cuidado.
- Natan... por favor...
- Onde você disse que foi o tiro?
Dou um salto ao ouvir a voz de Jimi atrás de mim.
- A-aqui... no braço. Perto do ombro.
Ele se aproxima, analisa o ferimento.
- Quantos disparos foram?
- Acho que... dois.
- Aqui só tem um.
- Talvez o outro não tenha acertado?
Ele solta um riso seco.
- Aqueles dois que ele matou... eram alguns dos melhores atiradores que já vi. Se erraram, foi só se tavam vendados.
- Você os conhecia?
- São capangas do meu antigo "trabalho".
Droga...
Ele começa a afastar o corpo de Natan do sofá.
- O que você vai fazer?
- Você olhou se ele tinha perfuração nas costas?
- N-não...
Ao mover o corpo, uma enorme mancha de sangue aparece no encosto do sofá.
- Minha nossa... - levo a mão à boca, em choque.
- Ele vai morrer?
Jimi olha sério por um instante.
- Talvez... um dia. Mas hoje não.
Me ajuda.
Com rapidez, ele estanca o sangramento o máximo que pode e liga para alguém.
Minutos depois, um médico chega. Discreto, direto.
Cuida dos ferimentos de Natan sem fazer perguntas.
- Então, doutor... ele vai ficar bem? - pergunto com o coração acelerado.
- Vai sim - responde, simples, guardando os instrumentos.
O médico sai junto com Jimi do quarto, me deixando sozinha com Natan.