Capítulo 5 Um pequena chama de paixão

Dirigimos por um bom tempo até que ele finalmente manda parar em frente a uma casa de praia.

- Onde estamos? - pergunto, desligando o carro.

- Essa é a casa de praia do meu pai.

Desço e corro para ajudá-lo a sair. Ele ainda cambaleia.

- E ele... está em casa?

Natan balança a cabeça, negando.

- Não mais.

- Ele se importa que a gente fique aqui?

Ele me lança um olhar de tédio.

- Você faz perguntas demais, sabia? Quantos anos você tem, cinco?

Ele abre a porta. Os móveis estão todos cobertos com panos brancos e empoeirados.

Puxa o que cobre o sofá e se senta, exausto.

- Droga... como pude ter sido tão descuidado...

Ele tira a mão do ferimento e o sangue volta a escorrer.

- Preciso tirar essa bala... mas sozinho, eu não consigo.

Me aproximo, hesitante.

- Eu posso ajudar... se você quiser.

Um pequeno riso escapa dele.

- No porta-malas... tem um kit médico.

Faço que sim e corro para buscar. Volto rapidamente.

- Aqui... olha, eu...

Paro ao vê-lo sem a camisa.

- O que foi? O gato comeu sua língua?

- N-não...

Me aproximo, tentando disfarçar o olhar.

Mas não dá pra ignorar: o abdômen dele parece ter sido um campo de batalha.

Cortes, cicatrizes... histórias que eu nem quero imaginar.

- Dentro do estojo tem algo parecido com um alicate. Pega ele.

- Isso aqui?

- Isso mesmo. Agora, você vai enfiar no buraco da bala... e puxar. Não está muito fundo.

Ok, Keyti, você consegue. É só uma bala. Simples. Vai.

Falo comigo mesma enquanto tento não tremer.

Ele não demonstra dor alguma. A morfina ainda deve estar fazendo efeito.

- Achei.

- Agora puxa.

Com cuidado, retiro um pequeno pedaço de metal. Quase não acredito.

Ele tosse, fraco.

- Rápido, tenho que estancar o sangue. Você já está até pálido!

Pego uma gaze do kit e enrolo com firmeza no braço dele.

- Você devia ter me deixado morrer... sabia?

- Não fala besteira.

Ao contrário de você, meu coração é bom.

Eu não deixaria nem uma formiga morrer se pudesse evitar.

Ele me encara por um momento. Depois sorri.

- Acho que fiz uma boa escolha... não te matar.

- É... acho que você fez.

Ele baixa a cabeça, cansado.

Silêncio.

Mas um silêncio que carrega algo novo: conexão.

Mesmo que perigosa.

O celular dele começa a tocar insistentemente.

- Ei, Natan... seu celular tá tocando...

Natan?

Me aproximo, levanto sua cabeça com cuidado e a encosto no sofá.

Seus lábios estão manchados de sangue.

Ele tá sangrando pela boca.

- Natan...

Olho para o celular que ainda vibra sem parar. Na tela:

JIMI CHAMANDO

Atendo no susto.

- Oi? Oi! - minha voz sai trêmula, quase em pânico.

- Cadê o Natan? - a voz de Jimi está tensa. - Acabei de chegar e encontrei dois corpos no chão.

- Ele não tá bem! Foi atingido no braço, mas agora ele... ele apagou. Tá sangrando pela boca...

- Onde vocês estão?

- Numa casa de praia. Pelo que ele disse, é do seu pai.

Silêncio.

Em seguida, a ligação cai.

Ele desligou.

Me viro para Natan e tento acordá-lo, sacudindo-o com cuidado.

- Natan... por favor...

- Onde você disse que foi o tiro?

Dou um salto ao ouvir a voz de Jimi atrás de mim.

- A-aqui... no braço. Perto do ombro.

Ele se aproxima, analisa o ferimento.

- Quantos disparos foram?

- Acho que... dois.

- Aqui só tem um.

- Talvez o outro não tenha acertado?

Ele solta um riso seco.

- Aqueles dois que ele matou... eram alguns dos melhores atiradores que já vi. Se erraram, foi só se tavam vendados.

- Você os conhecia?

- São capangas do meu antigo "trabalho".

Droga...

Ele começa a afastar o corpo de Natan do sofá.

- O que você vai fazer?

- Você olhou se ele tinha perfuração nas costas?

- N-não...

Ao mover o corpo, uma enorme mancha de sangue aparece no encosto do sofá.

- Minha nossa... - levo a mão à boca, em choque.

- Ele vai morrer?

Jimi olha sério por um instante.

- Talvez... um dia. Mas hoje não.

Me ajuda.

Com rapidez, ele estanca o sangramento o máximo que pode e liga para alguém.

Minutos depois, um médico chega. Discreto, direto.

Cuida dos ferimentos de Natan sem fazer perguntas.

- Então, doutor... ele vai ficar bem? - pergunto com o coração acelerado.

- Vai sim - responde, simples, guardando os instrumentos.

O médico sai junto com Jimi do quarto, me deixando sozinha com Natan.

                         

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