Sofia: O Império Retorna
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Capítulo 4

No elevador, o cheiro do vômito de Juliana impregnado na minha roupa me sufocava. Eu não conseguia respirar. Apertei o botão do térreo com a mão trêmula e me encolhi no canto, tentando não encostar em nada, como se eu mesma fosse tóxica.

Quando as portas se abriram no lobby, passei correndo pelo porteiro, que me olhou com uma expressão de choque e pena. Não parei. Corri para a chuva, deixando que a água fria lavasse meu rosto, meu cabelo, minhas roupas. Não limpava a sujeira, mas pelo menos diluía o cheiro, diluía a vergonha.

Fiquei ali, parada no meio da calçada, enquanto a água da tempestade me encharcava. Para onde eu iria? Minha vida inteira, ou pelo menos a vida que eu tinha construído nos últimos três anos, estava naquele apartamento.

Peguei meu celular, os dedos escorregadios pela água. A primeira pessoa em quem pensei foi Lucas. Meu "irmão adotivo", meu melhor amigo de infância. Nossos pais eram melhores amigos e sócios, e nós crescemos juntos. Ele era a única pessoa no mundo, além do meu pai, que sabia do meu plano de viver uma vida anônima. Mas ele estava em uma viagem de negócios na Ásia. Seria madrugada lá.

Decidi não incomodá-lo. Eu era uma adulta. Eu podia lidar com isso sozinha.

Peguei um táxi e pedi para ele me levar para o lugar mais impessoal e anônimo que consegui pensar: um dos hotéis da minha própria família, o Luxus Palace, o mais imponente de todos. Eu usaria um nome falso no check-in. Eu só precisava de um chuveiro quente e uma cama limpa.

No caminho, enquanto o carro deslizava pelas ruas molhadas da cidade, minha mente voltou para o apartamento. Para o momento antes de eu ser expulsa. Eu podia ter ido para o quarto arrumar minhas coisas. Se eu tivesse sido mais rápida, talvez não tivesse que passar por aquela humilhação final.

E então, um pensamento terrível me ocorreu.

Eu não tranquei a porta do meu quarto.

Dentro do meu armário, em uma caixa de sapatos velha no fundo, estava meu diário. Nele, eu não escrevia apenas sobre meus sentimentos por Pedro. Eu escrevia sobre tudo. Sobre minha família, sobre o Luxus Group, sobre os planos de expansão do meu pai, sobre conversas de negócios que eu ouvia casualmente em jantares de família. Informações que, nas mãos erradas, poderiam valer milhões. Nas mãos de Juliana, poderiam ser uma arma.

Meu coração disparou. Eu precisava voltar.

"Moço, pode dar a volta? Eu preciso voltar para o endereço de onde saí," eu pedi ao motorista, a voz cheia de pânico.

Ele suspirou, mas obedeceu. Cada minuto no trânsito era uma tortura.

Quando finalmente chegamos, paguei o motorista e pedi para ele esperar. Entrei no prédio, encharcada e fedendo, e peguei o elevador de serviço para evitar o porteiro. Subi até o meu andar e caminhei pé ante pé pelo corredor. A porta do apartamento estava entreaberta.

Com o coração na boca, eu me aproximei. E ouvi vozes. A voz de Pedro. E a de Juliana.

"Você tem certeza que não tem nada de valor aqui?" era Juliana. "Essa garota é estranha. Simples demais. Ninguém é tão simples assim."

"Amor, eu já te disse," a voz de Pedro era cansada, mas cheia de desprezo. "Ela não tem nada. A família dela é do interior, morta de fome. Ela é uma zé-ninguém. Eu a conheço há três anos. A maior ambição dela era comprar um sofá novo. Patético."

Eu me encolhi atrás da porta, sentindo cada palavra como um soco.

"Eu nunca entendi o que você viu nela," continuou Juliana.

Ouvi o som de um beijo.

"Honestamente? Nem eu," respondeu Pedro, e a risada dele foi a coisa mais cruel que eu já ouvi. "Ela era... fácil. Conveniente. Não me desafiava, não exigia nada. Era um lugar confortável para descansar enquanto eu planejava minha ascensão. Mas, sinceramente, ela me entediava. Sempre com aquele papo de 'amor verdadeiro' e 'sonhos simples' . Tão ingênua. Eu tinha que fingir interesse nas historinhas dela, nos planos medíocres dela. Era exaustivo."

Meu corpo inteiro ficou frio. Não era apenas a traição. Ele nunca me amou. Ele nunca nem mesmo gostou de mim. Ele me desprezava. Ele me usou, me tolerou, enquanto ria de mim pelas costas.

Lembrei-me de todas as vezes que ele chegava tarde, dizendo que estava cansado do trabalho. Lembrei-me de como os olhos dele ficavam vazios quando eu falava sobre meus próprios sonhos, por mais simples que fossem. Lembrei-me de como ele sempre criticava minhas roupas, meu jeito de falar, minhas amizades, sempre de forma sutil, disfarçado de "crítica construtiva" . Ele não estava tentando me "melhorar" . Ele estava tentando me diminuir, me manter pequena e insegura, para que eu nunca percebesse que merecia mais.

"Bem, pelo menos ela serviu para alguma coisa," disse Juliana. "Agora vamos, o cheiro dela ainda está impregnado aqui. Vamos para o nosso hotel. Quero comemorar nossa nova vida."

"Nosso hotel?" perguntou Pedro.

"Sim, querido. O Solares. Reservei a suíte presidencial. É o nosso lugar especial, não é?"

Solares. O hotel de luxo onde Pedro e eu tínhamos planejado passar nosso aniversário de namoro na semana seguinte. Era para ser a nossa primeira grande viagem juntos, algo pelo qual economizamos por meses. Ele tinha cancelado na última hora, dizendo que tinha um projeto urgente no trabalho. Aparentemente, o projeto urgente era Juliana.

Aquilo foi a gota d'água. O diário, as informações da empresa, nada disso importava mais. A única coisa que importava era sair dali, apagar aquele homem da minha vida para sempre.

Eu me afastei da porta silenciosamente. Desci pelo elevador de serviço, entrei no táxi que me esperava e dei ao motorista o endereço do hotel Solares. Não para confrontá-los. Não ainda. Mas porque era para lá que eu deveria ir. Era o meu sonho roubado. E eu o pegaria de volta. Sozinha.

No carro, meu celular vibrou. Era uma mensagem de Pedro.

"Sofia, sei que as coisas terminaram mal. Sinto muito pela forma como tudo aconteceu. Para te ajudar a recomeçar, estou te transferindo 5 mil reais. Use para o aluguel de um lugar novo. Não me procure mais. Seja feliz."

Cinco mil reais. O preço que ele colocou em três anos da minha vida. O preço do meu silêncio, da minha dignidade. Era um insulto tão grande, tão calculado, que eu não senti dor. Eu senti força.

Apaguei a mensagem. Apaguei o contato dele. A Sofia ingênua e apaixonada morreu naquela noite, no chão daquele apartamento, coberta de vômito e mentiras. A mulher que estava naquele táxi, a caminho de um hotel de luxo para começar sua vingança, era alguém que nem mesmo eu conhecia ainda.

                         

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