Lía despertou com o sol acariciando seu rosto, a suavidade dos lençóis de seda a envolvendo, mas algo dentro dela a fazia se sentir desconfortável. Havia sido um dia longo, cheio de formalidades e sorrisos falsos, e a ideia de estar agora em uma ilha exótica com um homem que mal conhecia a fazia se sentir mais distante do que nunca. O casamento havia sido uma assinatura, um acordo entre duas pessoas que, apesar da aparente proximidade na cerimônia, nunca haviam se permitido ver um ao outro como algo além do profissional.
Santiago, por sua vez, já estava acordado, deitado na cama com os olhos fixos no teto. Diferente de Lía, não se preocupava com formalidades. Sua vida, como sempre, era controlada, medida. Era um homem acostumado a manter a distância emocional. No entanto, algo naquela manhã o fazia pensar que, embora tudo estivesse sob controle, algo havia escapado. Um pequeno detalhe o surpreendia: a presença de Lía. Ela, mesmo que não o interessasse emocionalmente, começava a intrigá-lo.
Quanto a ela, sua primeira reação foi a mesma da noite anterior. O casamento havia sido um trâmite, algo necessário, mas naquela manhã acordou com uma sensação estranha, como se algo tivesse mudado. Talvez não tanto em relação ao que esperava dele, mas ao que ela mesma sentia. As horas passavam, mas ela ainda não sabia como lidar com a presença dele em sua vida. Estar ali, naquele lugar, com ele, a incomodava de formas que não conseguia decifrar.
Santiago quebrou o silêncio que preenchia o quarto.
- Vai ficar aí o dia todo? - perguntou no seu tom característico, suave mas direto, enquanto se erguia na cama e a observava no canto onde ela havia se acomodado, olhando para o horizonte.
Lía virou-se lentamente para ele, com um leve sorriso esboçado nos lábios. Não era um sorriso caloroso, mas um que tentava esconder o desconforto que sentia por dentro.
- Estava pensando no que vamos fazer hoje - respondeu, como se sua mente estivesse a quilômetros dali. Não conseguia evitar a sensação de desconexão, embora soubesse que a situação exigia um esforço para fazer daquela lua de mel algo que parecesse um "momento especial" aos olhos dos outros. Ninguém sabia que aquele casamento não era por amor, apenas um contrato de conveniência. Ninguém sabia o quanto os dois se sentiam desconfortáveis.
Santiago levantou-se da cama, sua presença imponente preenchendo o espaço enquanto se dirigia ao frigobar para servir-se de café. Não parecia particularmente afetado pelo ambiente; na verdade, estava tão calmo quanto sempre, como se estivesse apenas cumprindo mais uma obrigação da sua vida.
- Não precisamos fazer nada disso, certo? - perguntou, levantando uma sobrancelha enquanto oferecia a xícara de café a Lía. - O contrato já está assinado. Isso é só uma formalidade. -
Lía aceitou a xícara, mas sua mão tremeu levemente ao tocar a porcelana. O que ele dizia fazia sentido, e ainda assim, aquela simples observação a fazia se sentir ainda mais presa à situação. Não havia espaço para emoções ali, não havia espaço para esperanças românticas. Mas dentro dela, algo se agitava.
- Só quero que tudo pareça certo - disse ela, com um tom mais baixo do que pretendia. Às vezes, uma parte de si desejava poder tirar aquela máscara de perfeição que tanto se esforçara para construir. Mas não podia. Havia chegado longe demais, e essa era a etapa final da sua ascensão ao que sempre quis.
O silêncio se instalou novamente entre eles. Lía observava o mar pelas janelas, um oceano lindo e vasto que lhe parecia tão distante, tão inalcançável, como a vida que havia deixado para trás. Aquela era sua nova realidade, e a ideia de estar numa ilha exótica com seu marido só reforçava a desconexão que sentia. Embora Santiago fosse atraente, sua presença a fazia se sentir como se estivesse presa entre a obrigação e a indiferença.
Santiago, no entanto, começava a perceber algo. Algo que não notara na noite anterior, talvez por conta das emoções do dia ou do álcool. Mas agora, enquanto a observava, havia algo diferente em Lía, algo que não conseguia identificar completamente. Havia algo em sua postura, em seu olhar, que ia além do superficial. Ela não era apenas a mulher perfeita, a esposa ideal, que ele havia contratado. Havia algo mais profundo, algo que despertava sua curiosidade.
Quando ela se virou para encará-lo, ele percebeu o que a tornava intrigante: ela não se deixava levar pelo que os outros esperavam dela. Havia uma vulnerabilidade em seu olhar, mas não na forma como se mostrava para ele, e sim nos pequenos gestos, nas formas sutis com que deixava transparecer seus pensamentos, embora com muito cuidado.
- O que vai fazer hoje? - perguntou Santiago, tentando quebrar o gelo de alguma forma. Seu tom foi mais suave do que havia sido até então, uma tentativa de aproximação, ainda que sem perder o controle habitual.
Lía deu de ombros, sem querer demonstrar muito interesse. Não queria dar a impressão de que aquela lua de mel significava algo para ela, embora soubesse, no fundo, que aquele momento era mais complicado do que imaginava.
- Talvez eu caminhe pela praia - respondeu, evitando olhá-lo diretamente.
Santiago assentiu, pensativo. Às vezes, a beleza de Lía não estava em seu físico, mas na maneira como mantinha distância, como controlava as emoções. Havia algo de atraente naquela barreira que ela havia construído, algo que ele mesmo aprendera a dominar. Mas, à medida que as horas passavam, algo começava a incomodá-lo. Era o fato de que ele não conseguia decifrá-la. Não sabia o que ela pensava, o que sentia. E isso o intrigava mais do que qualquer outra coisa.
- Sabia que isso não precisa ser tão... formal? - disse Santiago depois de um momento, observando a silhueta de Lía enquanto ela se aproximava da janela.
Lía o olhou de relance, surpresa com a suavidade no tom dele. Não estava acostumada com esse tipo de comentário. Claro, conhecia Santiago como um homem calculista, alguém que não se deixava levar pelas emoções. Mas, por alguma razão, naquele momento, aquela suavidade a desarmou um pouco.
- O que quer dizer com isso? - perguntou, com a voz levemente tensa.
Santiago sorriu, mas era um sorriso pensativo. Não tinha certeza do que queria dizer. Talvez fosse apenas uma maneira de preencher o silêncio desconfortável entre eles, ou talvez fosse algo mais. A verdade era que algo em Lía o perturbava, e por mais que tentasse manter distância, havia uma centelha de curiosidade dentro dele.
- Me pergunto se algum dia conseguirei te entender - murmurou, quase para si mesmo, embora tenha dito de forma que Lía ouvisse claramente.
Ela se virou para ele, sem saber o que responder, mas com uma leve franqueza no olhar. Algo estava mudando, embora nenhum dos dois reconhecesse ainda. Havia algo naquele silêncio tenso, naqueles pequenos momentos de troca, que lhes dizia que, talvez, o acordo que haviam assinado não os deixaria tão indiferentes quanto pensavam.
O resto do dia passou com uma lentidão incômoda. Embora tenham ido até a praia, as interações entre eles foram breves e forçadas. Lía caminhava pela areia, sentindo a brisa suave acariciar seu rosto, mas sem conseguir parar de pensar no que estava acontecendo entre ela e Santiago. Algo estava se movendo, algo que nem ela nem ele sabiam como lidar.
À medida que o sol começava a se pôr, iluminando o céu com tons de laranja e rosa, Lía parou, olhando para o horizonte. Estava presa em um mar de incertezas. Aquilo não era o começo de uma lua de mel, e sim o início de algo muito mais complexo. E embora o acordo ainda fosse a única coisa clara, algo no ar, algo na maneira como Santiago a observava, começava a mudar.
Seria possível que esse acordo de conveniência se transformasse em algo mais? A ideia lhe parecia absurda, mas uma pequena parte de si não podia deixar de se perguntar. E enquanto o sol desaparecia no horizonte, uma nova tensão se instalava entre eles.