O salão principal estava decorado com uma opulência quase intimidadora. O brilho dos lustres de cristal refletia os olhares atentos dos convidados. A orquestra tocava uma música suave ao fundo, e o som dos talheres batendo nos pratos tornara-se um murmúrio distante. Lía, em pé ao lado de Santiago, sorria com a graça que lhe haviam ensinado, observando tudo ao redor, mas sentindo um incômodo crescente. Desta vez, no entanto, não era apenas a habitual desconexão que sentia ao estar cercada de pessoas que não compartilhavam seus interesses. Desta vez, era algo mais pessoal.
Santiago estava envolvido em uma conversa profunda com vários executivos-chave da sua empresa, discutindo sobre uma fusão importante que poderia mudar o rumo da companhia. Embora tentasse incluí-la em alguns trechos da conversa, Lía se sentia mais como uma sombra do que uma participante ativa. As perguntas e comentários dirigidos a ela pareciam apenas uma formalidade, como se sua presença ali fosse uma exigência social. Apesar de estar sentada à mesa principal, a sensação de exclusão era palpável. Os homens de negócios ao seu redor a ignoravam, e as mulheres próximas conversavam apenas entre si, sobre trivialidades que não despertavam seu interesse.
Lía tomou um gole de vinho, tentando disfarçar o mal-estar que começava a se acumular em seu peito. Sabia que, nesse mundo, seu valor era medido pelo que representava, não pelo que realmente pensava ou sentia. Mas naquela noite, algo dentro dela se quebrou. Estava cansada de ser apenas uma figura decorativa, cansada de ser mais uma peça no jogo de Santiago. Ele a havia colocado ali, naquela posição, mas não lhe dera nenhuma oportunidade real de se envolver. Era como se seu casamento não fosse uma união verdadeira, mas sim um contrato onde seu papel já estava predeterminado. O vazio que sentia naquele momento era insuportável.
Quando a conversa na mesa se voltou para um tema mais técnico, relacionado à estratégia de expansão internacional da empresa, Lía não pôde evitar levantar a voz. Era sua chance, embora a tentação de permanecer em silêncio ainda fosse forte. De que adiantaria falar, se ninguém a escutava? Mas algo dentro dela a impulsionou a intervir.
- E o que pensam sobre o mercado asiático? - disse, dirigindo-se a Santiago e aos outros executivos, sua voz serena como sempre, mas com um toque de frustração contida. - Há muito potencial por lá, e fusões nesse continente podem ser mais rentáveis a longo prazo.
Houve um breve silêncio. Os homens na mesa a olharam rapidamente, mas ficou claro que não a levaram a sério. Santiago, percebendo o desconforto causado pela intervenção de Lía, tentou redirecionar a conversa rapidamente.
- Vamos considerar isso - respondeu, quase desinteressado, enquanto retomava o fio da discussão com os colegas.
Lía sentiu uma onda de desconforto percorrer seu corpo, mas tentou manter a compostura. Era só isso? Era esse o seu valor naquele mundo? Era a esposa perfeita, mas quando se tratava de decisões importantes, não passava de uma figura vazia, sem voz nem voto. A frustração crescia em seu peito, como uma maré impossível de conter.
O jantar continuou com a mesma harmonia tensa. Lía ouvia, observava, mas não conseguia deixar de sentir que, por mais que tentasse fazer parte daquele mundo, não se encaixava. Quando a última taça de vinho foi servida, a conversa seguiu sem ela, e a sensação de invisibilidade se intensificou. Decidiu que não podia mais ficar ali, tolerando a indiferença de todos, enquanto via Santiago continuar sendo o centro das atenções. Levantou-se da cadeira e afastou-se lentamente, sem dizer uma palavra, caminhando até o jardim. Precisava de ar.
Santiago, ao notar a ausência da esposa, a seguiu, movendo-se rapidamente. O ar fresco da noite o atingiu no rosto quando saiu ao jardim, encontrando-a em um canto afastado, de braços cruzados, olhando para o horizonte. Lía não prestou atenção nele, nem sequer percebeu quando ele se aproximou. Estava tão imersa em seu mal-estar que não viu a mudança chegando.
- O que foi, Lía? - a voz de Santiago foi um sussurro firme, mas o tom não escondia a preocupação que começava a nublar sua habitual impassibilidade.
Lía se virou bruscamente, encarando-o com uma mistura de frustração e cansaço. Já havia suportado o suficiente durante o jantar, e agora não aguentava mais.
- Não suporto mais isso, Santiago - disse, a voz trêmula, mas decidida. - Não suporto estar aqui, cercada de pessoas que me tratam como se eu não existisse. Estou cansada de ser só um enfeite na sua vida.
Santiago a encarou, surpreso com a intensidade de suas palavras. Nunca a tinha visto tão aberta, tão direta. Em todos os meses de casamento, sempre a percebera como uma mulher contida, que sabia o que devia fazer, que desempenhava seu papel com perfeição. Mas agora, algo tinha mudado.
- Lía, não seja irracional. Todos aqui estão focados nos negócios. Isso não é pessoal - respondeu ele, ainda mantendo a calma que o caracterizava, mas com um olhar que revelava que não esperava esse confronto.
- Claro que é pessoal! - exclamou ela, elevando a voz. - Eu sou sua esposa, e ainda assim parece que você nem me vê. Não me dá espaço na sua vida, Santiago. Só me usa como um acessório, uma ferramenta para reforçar sua imagem, mas não me permite ser quem eu sou.
Santiago deu um passo para trás, surpreso com a franqueza com que Lía o enfrentava. Havia algo nela que o desconcertava, algo que nunca tinha visto naquela mulher perfeita e controlada com quem se casara. Mas em vez de sentir culpa, ele se sentiu ferido. Será que tinha feito algo errado? Em sua mente, tudo sempre fora claro: aquele casamento era apenas um acordo. Ela não havia entendido isso também? Mas não era tão simples assim, era?
- Eu nunca te pedi para ser algo que não é - disse ele, mais calmo, mas com um leve tom de frustração na voz. - Se tem algo para dizer, diga. Não fique em silêncio.
Lía o olhou fixamente, os olhos carregados de emoção contida. A raiva, a impotência, tudo que guardara por tanto tempo, explodiu em uma única torrente de palavras.
- Você não me pediu nada. E esse é exatamente o problema! Eu não sou uma estátua, Santiago. Sou sua esposa. Mas você nunca me viu como tal. Sou apenas um adorno em seus jantares, um acessório para suas reuniões. E eu me cansei de esperar por algo mais.
A tensão entre eles cresceu em segundos, e o ar frio da noite tornou-se pesado. Santiago, por um momento, não soube o que dizer. Lía o havia atingido onde mais doía. Naquele instante, algo dentro dele começou a mudar. Talvez nunca tivesse pensado no que ela realmente sentia, ou talvez tivesse sido arrogante demais ao acreditar que tudo estava sob controle.
Lía respirou fundo, tentando conter a raiva. Santiago ainda não havia respondido, mas ela sabia que aquela discussão marcaria um antes e depois em sua relação. Pela primeira vez, ambos enfrentavam suas verdadeiras emoções, o que realmente pensavam um do outro.
- Não quero continuar sendo invisível - disse Lía, em voz baixa, enquanto se virava para encará-lo nos olhos.
Santiago a observou em silêncio, sem saber como responder, sem saber se seria capaz de dar a Lía o que ela realmente precisava.
A noite havia começado com uma festa repleta de sorrisos e aparências. Mas agora, naquele momento, tudo o que restava era a verdade nua, que nenhum dos dois estava pronto para encarar.