Era uma tarde ensolarada quando tudo começou. Lía, acostumada a passar o dia entre atividades que a mantinham ocupada, encontrava-se na biblioteca da mansão, folheando alguns livros sobre arte e arquitetura. Santiago havia saído para uma reunião com alguns investidores, mas a casa lhe parecia tão vazia que ela decidiu se refugiar entre as páginas dos livros, buscando um pouco de consolo no silêncio. A biblioteca era seu cômodo favorito da mansão. Apesar da frieza que a envolvia, aquele espaço tinha algo acolhedor. A luz que entrava pelas janelas, o cheiro de madeira envelhecida, a calma que emanava do lugar faziam-na sentir, ainda que por um momento, em casa.
De repente, a porta se abriu sem aviso, e Santiago entrou, acompanhado por um de seus assistentes. Lía levantou o olhar do livro que segurava, surpresa ao ver que ele havia voltado tão cedo. Um encontro inesperado entre eles não era frequente, mas ultimamente parecia que as interações se tornavam mais constantes, ainda que sempre breves.
- Pensei que estaria em uma reunião por mais tempo - disse Santiago, tirando o paletó e o deixando sobre uma cadeira próxima. Seu tom era neutro, mas algo em sua postura a fez sentir que sua presença ali era mais do que uma simples coincidência.
Lía assentiu, sem saber bem o que dizer. Tinha aprendido a não forçar conversas, a não fazer perguntas que pudessem parecer pessoais demais. Mas naquele momento, algo mudou.
- Você tem interesse por filantropia? - perguntou Santiago, aproximando-se da mesa onde ela estava sentada. O tom de sua voz era curioso, mas ainda mantinha aquela distância habitual.
Lía franziu a testa, surpresa pela pergunta. Filantropia. Essa palavra, presente em sua vida desde criança, mas que ela nunca teve a oportunidade real de explorar, ressoou em sua mente. Já ouvira falar de fundações, doações e projetos beneficentes nos jantares a que comparecia, mas nunca havia se envolvido de fato.
- Filantropia? - repetiu, pensativa. - Bem, sim. Já ouvi falar de algumas iniciativas, mas nunca participei diretamente... Por que pergunta?
Santiago, ao notar sua resposta um pouco vaga, sentou-se à sua frente, cruzando as pernas com uma elegância natural. Seu olhar parecia mais profundo do que de costume, como se a resposta dela tivesse mais importância do que deixava transparecer.
- Há alguns dias estive em uma reunião com diretores de fundações que apoiam projetos educacionais. Estou pensando em investir em um desses projetos - explicou Santiago, seus olhos brilhando com entusiasmo. - Mas gostaria de saber se você compartilha da mesma visão. A educação é essencial para melhorar a sociedade, mas também é preciso garantir que os recursos sejam bem geridos.
Lía, surpresa com a pergunta, colocou o livro de lado e se ajeitou na cadeira. O tema da filantropia nunca havia despertado seu interesse diretamente, mas ouvir Santiago falar com tanta paixão despertou algo dentro dela. A forma como ele abordava o assunto, o foco na eficiência e na ajuda genuína... havia algo em suas palavras que ressoava em seu interior. Talvez, pensou, esse pudesse ser um terreno comum onde pudessem colaborar.
- A educação é fundamental - começou Lía, sua voz mais animada do que estivera nas últimas semanas. - Sempre acreditei que o futuro de uma sociedade depende do quanto se investe em seus jovens. Mas concordo com você: é necessário um enfoque pragmático. A gestão dos recursos é essencial para que os projetos não fiquem só nas boas intenções.
Santiago a observou em silêncio por um momento, como se estivesse avaliando sua resposta, como se, pela primeira vez em dias, se sentisse genuinamente interessado no que ela tinha a dizer. Seu rosto, geralmente impenetrável, mostrava uma leve expressão de satisfação.
- Exatamente. A maioria das pessoas se apega à parte emocional da filantropia, mas o que realmente faz a diferença é a execução. Você já considerou algum projeto ou fundação em especial?
Lía refletiu por um momento, surpresa com a profundidade do interesse de Santiago. Não era apenas uma conversa vazia ou uma troca superficial. Parecia que, naquele diálogo, algo estava sendo revelado entre eles, algo que, embora sutil, conseguia quebrar o gelo da relação estritamente profissional.
- Há uma fundação que me chamou a atenção - disse ela, após alguns segundos de silêncio. - O objetivo deles é oferecer acesso à educação para crianças em comunidades rurais. Gostaria de pesquisar mais sobre isso e ver como posso ajudar.
Santiago assentiu, com um brilho nos olhos que ela nunca havia visto. Havia algo em sua expressão que não era apenas o interesse pela filantropia, mas também pela perspectiva genuína que Lía demonstrava.
- Gostaria que você investigasse isso. Se se interessar, podemos trabalhar juntos nesse projeto - disse ele, sua voz agora menos fria e mais aberta do que estivera em muito tempo. - Seria um bom projeto para desenvolvermos juntos.
Lía o encarou, surpresa com a resposta. Havia algo naquele convite que a fazia sentir que talvez, só talvez, eles pudessem encontrar uma forma de colaborar de verdade. Não apenas por conveniência, mas porque, naquele momento, havia uma conexão genuína começando a se formar entre eles, ainda que por meio de um interesse em comum.
- Claro, vou adorar fazer isso - respondeu, com um sorriso que, pela primeira vez, não era de cortesia. Desta vez, o sorriso era sincero, como se algo dentro dela estivesse começando a se desbloquear.
Nas semanas seguintes, os dois começaram a trabalhar juntos nesse projeto. Lía dedicava as manhãs a pesquisar fundações e suas necessidades, enquanto Santiago usava seus contatos para garantir que tudo estivesse em ordem. Apesar de continuarem pessoas reservadas, a relação começou a dar pequenos passos em direção a uma colaboração mais próxima. Havia algo que os unia: o desejo de fazer algo significativo, de causar um impacto real no mundo ao redor.
Nas reuniões de trabalho que aconteciam na mansão, o ambiente era mais leve, embora o profissionalismo fosse sempre mantido. Contudo, Lía começou a se sentir mais à vontade com Santiago. A cada discussão sobre maneiras de melhorar a fundação, percebiam como trabalhavam bem juntos. A química profissional era inegável, e embora o trato ainda fosse estritamente formal, a distância emocional entre eles parecia diminuir pouco a pouco.
Certa tarde, após uma reunião particularmente produtiva, Santiago a olhou com um leve sorriso, quase como se a visse pela primeira vez em toda sua complexidade.
- Curioso, não é? - disse ele. - Às vezes, os interesses em comum aproximam as pessoas mais do que imaginamos.
Lía o olhou, assentindo lentamente. Naquele instante, pela primeira vez em semanas, sentiu que havia algo a mais entre eles. Não era amor, nem afeto, mas sim uma espécie de respeito mútuo, uma colaboração baseada na admiração pelas qualidades do outro.
- Sim, é curioso - respondeu ela, com um sorriso que não buscava agradá-lo, mas que surgia genuinamente, como resposta à conexão que começavam a compartilhar.
Embora a relação entre eles ainda fosse estritamente profissional, ambos sabiam que algo havia mudado. A filantropia, o trabalho conjunto, os interesses em comum... tudo isso os aproximara mais do que esperavam. No entanto, nenhum dos dois estava pronto para admitir que o que começava a surgir entre eles ia além de um simples acordo profissional.
A colaboração era sólida, mas os sentimentos permaneciam enterrados sob camadas de controle e distância.