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Ava Lancaster sempre foi feita de rotina.
Ela acordava todos os dias às 6h40, tomava seu café preto com duas gotas de baunilha, vestia o mesmo estilo de saia lápis e camisa de botão, e chegava à joalheria com exatos quinze minutos de antecedência. Era previsível, organizada, prática.
E naquela manhã, tudo parecia igual - até não ser mais.
O céu estava encoberto por nuvens baixas, e havia algo pesado no ar, como se a cidade estivesse prendendo a respiração. Ava caminhava pelas calçadas da Madison Avenue como sempre, sem pressa, ouvindo uma playlist instrumental que ajudava a organizar os pensamentos. Ela não imaginava que cada passo dali em diante a conduzia direto para o centro de um pesadelo.
Às 8h45, ela já estava dentro da joalheria, revisando o inventário. Emily estava ao telefone, rindo de alguma fofoca. Marco, o segurança, organizava os registros da noite anterior. Tudo absolutamente comum.
- Atrasou hoje - brincou Emily, erguendo uma sobrancelha.
- Quatro minutos - corrigiu Ava, ajeitando os óculos de leitura. - Quase um crime.
Emily riu.
Ava não.
Às 9h em ponto, a porta se abriu com um bipe suave. Três homens entraram. E o mundo que Ava conhecia se partiu ao meio.
Eles usavam máscaras pretas lisas, sem logotipo, sem cor. Apenas anonimato absoluto. Vestiam roupas comuns - moletom, calças jeans, jaquetas - mas havia algo na postura, na maneira como tomaram o espaço, que congelou tudo.
Marco deu um passo à frente, mas foi tarde demais.
- Todo mundo no chão! Agora! - gritou um dos mascarados, a voz amplificada pelo pânico.
Um segundo depois, o som abafado de um soco - ou uma coronhada. Marco caiu. Emily gritou. As vitrines estilhaçaram com um tiro seco que ecoou como trovão entre as paredes de mármore e vidro.
- Eu disse no chão! - berrou o segundo homem, mirando a arma para Emily e Ava.
Ava caiu de joelhos, os olhos arregalados, o corpo tremendo. O medo a engoliu de forma tão violenta que ela quase não conseguiu respirar.
E então ela o viu.
O terceiro homem não gritou. Não atirou. Ele apenas caminhava - lento, preciso, como se tivesse todo o tempo do mundo. Sua máscara era idêntica às dos outros, mas havia algo nos olhos dele. Um foco inabalável. Um controle gélido.
Ele era o líder. Ela soube imediatamente.
Ele parou na frente dela. Ava engoliu em seco.
- Você. - disse ele, com voz baixa, mas autoritária. - Onde está o cofre principal?
Ela piscou, trêmula, e apontou para os fundos.
- A-atras da sala de administração. Segunda porta à esquerda. C-código está no painel.
Ele não respondeu. Apenas a observou. A máscara cobria todo o rosto, mas os olhos... os olhos eram escuros como o fim da noite. Impossíveis de decifrar.
Ela viu algo se mover neles. Não piedade. Mas talvez... curiosidade.
- Fica no chão e ninguém se machuca. - disse ele. Era uma ordem, mas não carregava o mesmo ódio dos outros.
Enquanto os comparsas destruíam as vitrines com marretas e sacos, o líder desapareceu pelos fundos. Em segundos, a loja virou uma zona de guerra. Joias espalhadas, vidro estilhaçado, gritos, sirenes ao longe.
Emily chorava baixinho, encostada na parede. Ava tentava manter a calma, mas sua mente girava como uma roleta descontrolada.
- E se eles matarem todo mundo? E se eu não sair viva daqui?
De repente, um dos mascarados - o mais violento - agarrou Ava pelo braço.
- Cadê o resto das chaves? Tô perguntando, porra! - gritou ele, sacudindo-a.
Ela gritou de dor. Emily tentou reagir, mas foi empurrada de volta ao chão.
E então ele voltou.
- Solta ela. - disse o líder.
O comparsa o encarou por um segundo, mas recuou. O poder na voz daquele homem era absoluto. Ninguém o questionava.
Ele se aproximou de Ava. Mais perto do que antes.
- Você tá bem? - murmurou.
Ela assentiu, engolindo um soluço.
- Só... me deixa ir. Por favor. Eu... não vou contar nada.
Ele a observou. E mesmo com o rosto coberto, ela sentiu como se ele estivesse vendo mais do que deveria.
- Isso não é pessoal - disse ele, quase num sussurro. - É só trabalho.
Ela queria odiá-lo por isso. Mas naquele instante, em meio ao caos, ele a fez se sentir menos invisível. Um detalhe cruel: ele ainda era o homem que invadiu sua vida com uma arma em punho. E, mesmo assim, era o único que parecia hesitar.
- Vamos sair. Dois minutos. - gritou Logan, lá do fundo.
O líder assentiu. Antes de ir, lançou um último olhar a Ava.
- Fecha os olhos. Agora.
Ela obedeceu.
O som da bomba de fumaça veio segundos depois, preenchendo o ambiente com fumaça escura e acre.
E então... o silêncio.
Quando Ava abriu os olhos novamente, eles tinham desaparecido.
Ela se levantou aos tropeços, tossindo, os olhos ardendo.
Emily a agarrou em um abraço desesperado.
- A gente tá viva... Meu Deus, Ava. A gente tá viva...
Mas Ava mal ouvia. Tudo o que conseguia lembrar eram os olhos escuros por trás da máscara. Aqueles olhos que a observaram como se... a conhecessem. Como se, por um segundo, ela fosse mais do que apenas uma peça do assalto.
Ela não sabia ainda.
Mas estava marcada.
O som das sirenes cortou o silêncio pesado, chegando tarde demais para impedir o caos.
Policiais invadiram a joalheria com armas em punho, o olhar afiado percorrendo cada canto. Ava ainda estava ajoelhada atrás do balcão, com Emily agarrada ao seu braço, trêmula. O cheiro de pólvora ainda impregnava o ar, e o chão brilhava com os estilhaços dos expositores quebrados.
- Senhoras, estão bem? - perguntou um dos policiais, ajoelhando-se diante delas.
Ava assentiu, a voz presa na garganta. Emily foi quem falou primeiro:
- Eles estavam armados... tantos... e sabiam exatamente o que fazer.
O policial trocou um olhar com o parceiro, depois voltou o olhar para Ava.
- Preciso que me diga se algum deles tirou a máscara. Algum rosto, alguma tatuagem, qualquer detalhe.
Ava apertou os olhos, tentando reorganizar os pensamentos. A imagem da arma tão próxima do seu rosto ainda pulsava na memória. O som seco da voz dele ainda ecoava: "Não grita." E os olhos... frios. Inquietantes.
- Não... todos usavam máscaras - respondeu, a voz rouca, trêmula.
- Lembra de alguma coisa? Um sotaque? Alguma frase que possa nos ajudar?
Ela hesitou por um instante.
- Um deles... era diferente. Mandava nos outros. Ele era calmo... perigoso. Não gritava, não vacilava. Tinha... presença. - Seus olhos vagaram pelo ambiente destruído. - Mas não disse nada que me ajudasse a identificar.
Emily soltou um suspiro nervoso.
- Eu achei que ele fosse atirar em você.
Ava não respondeu. Sentia o coração ainda correndo uma maratona dentro do peito. Lembrava do toque frio da arma, da tensão no ar, da forma como aquele homem... olhou para ela, mas não podia explicar isso. Nem pra ela mesma.
Outro policial se aproximou:
- Já temos as imagens das câmeras externas. Eles agiram em menos de quatro minutos. Eram profissionais.
- Vocês acham que vão voltar? - perguntou Emily, a voz fraca.
O policial respondeu com firmeza:
- Vamos fazer o possível para capturá-los antes disso acontecer. Mas precisamos da sua ajuda, senhorita.
Ava ergueu o olhar lentamente.
- Eu vou ajudar. O que for preciso.
Mas, por dentro, algo a corroía. Um detalhe que ela não conseguia afastar:
Aquela sensação de que não tinha acabado.
Como se, em algum lugar, ele ainda estivesse olhando pra ela.