Capítulo 4 Entre Estilhaços e Sussurros

Ava precisava sair de casa.

Sentia o ar do apartamento ficar mais denso a cada minuto, como se as paredes estivessem encolhendo. Vestiu o primeiro jeans que encontrou e uma blusa leve, prendeu os cabelos em um coque bagunçado e calçou os tênis. Sem maquiagem. Sem esforço. Só queria um pouco de paz - ou, no mínimo, café forte o bastante para acalmar os pensamentos.

Caminhou até o café da esquina. Era pequeno, discreto, com aroma de canela sempre pairando no ar. Um dos poucos lugares da cidade onde conseguia respirar fundo.

Entrou, fez o pedido de sempre - cappuccino duplo, sem açúcar - e sentou-se no balcão, de frente para a rua.

Lá fora, tudo seguia normalmente. Pessoas riam, atravessavam apressadas, viviam suas rotinas sem saber que, para ela, o mundo tinha parado. O som da colher girando no fundo da xícara foi tudo o que ouviu por um tempo. Então o peso da semana veio de uma vez.

Ela baixou a cabeça e sentiu os olhos se encherem. Não chorava desde o dia do assalto - não de verdade. Mas ali, entre xícaras e o som suave do rádio, Ava não conseguiu mais segurar.

Uma lágrima escorreu.

Depois outra.

Tentou disfarçar, enxugando com as costas da mão. Mas foi em vão.

O café ainda fumegava em sua xícara quando ela afastou os olhos da janela, percebendo finalmente a presença ao lado.

- Desculpa perguntar... - a voz dele era grave, baixa, mas não deixava de ter algo reconfortante. - Tá tudo bem com você?

Ava enxugou discretamente uma lágrima que insistia em escorrer.

- Eu tô... - ela tentou sorrir, mas a expressão cansada a denunciava. - Tô tentando ficar bem.

Ele não respondeu de imediato, apenas manteve o olhar atento e respeitoso, como se estivesse mesmo disposto a escutar.

- Às vezes ajuda falar com um estranho, sabia? - ele disse, apoiando o cotovelo no balcão. - Ninguém pra julgar. Só ouvir.

Ela hesitou. Mordeu o lábio inferior e encarou o café, como se lá dentro estivessem palavras que ainda precisava reunir. Mas algo nela cedeu. Talvez fosse o jeito dele falar, ou o fato de que, nos últimos dias, ninguém sequer havia perguntado como ela estava de verdade.

- Eu trabalho numa joalheria... sou gerente lá - começou, com a voz um pouco trêmula. - E há poucos dias... ela foi assaltada.

Ele não demonstrou surpresa, apenas assentiu, como se incentivasse sem pressa.

- Era início do expediente. Só estávamos eu, a Emilly, que trabalha comigo, e o Marco, o segurança. Tudo parecia normal... até aqueles homens entrarem armados.

Ava engoliu em seco. Sua mão tremia levemente sobre a xícara.

- Eles usavam máscaras. Eu... eu não vi o rosto de nenhum deles. Só os olhos. Mas dava pra perceber... um deles era diferente. Parecia ser o líder. Tinha uma postura... fria, mas... não sei explicar - ela parou por um instante, buscando as palavras certas. - Era como se, mesmo naquele caos todo, ele tentasse manter o controle. Me olhou por alguns segundos... e, por mais estranho que pareça, eu senti que... ele queria que eu ficasse calma.

Ele permaneceu em silêncio, apenas observando com atenção. Ava continuou:

- Mas outro... ele foi diferente. Agressivo. Me agarrou pelo braço e sacudiu como se eu fosse um objeto, gritando pelas chaves do cofre. Eu achei que fosse morrer ali mesmo.

Sua voz falhou, e uma lágrima silenciosa escorreu. Ela não se incomodou em esconder.

- Desde então, não consigo dormir direito. Tudo volta à minha cabeça. As vozes, as ameaças... aquela arma apontada. Eu nunca... nunca me senti tão impotente.

Ele demorou alguns segundos para responder. Sua expressão, embora neutra, trazia algo que ela não soube identificar: um conflito oculto, talvez, ou um arrependimento disfarçado.

- Sinto muito por você ter passado por isso. Nenhuma pessoa merece carregar um trauma desses... - sua voz foi suave agora, quase gentil. - Ainda mais sozinha.

Ava o olhou por um momento, surpresa com a sinceridade contida naquele estranho.

- Obrigada... - ela sussurrou. - É estranho, mas... falar disso agora, mesmo com alguém que eu nem conheço, parece ter tirado um peso do peito.

Owen observou por alguns segundos a maneira como ela passou os dedos pela xícara, distraída, como se tentasse conter as lembranças. Havia algo naquela mulher que o desarmava - uma mistura de vulnerabilidade e coragem que ele não esperava encontrar naquela manhã.

Ava secou as lágrimas discretamente com um guardanapo e forçou um sorriso, envergonhada.

- Desculpa por... tudo isso. Não costumo desabar assim.

- Não precisa se desculpar - Owen respondeu, ainda com a voz baixa. - Às vezes a gente precisa colocar pra fora, mesmo que seja pra um estranho ao lado.

Ela assentiu levemente, olhando para frente, os olhos ainda um pouco marejados.

- Eu nem sei por que te falei isso... Acho que só precisava que alguém escutasse.

Ele se levantou devagar, pegando o casaco que estava jogado no encosto da cadeira.

- Eu escutei.

Ela ergueu o olhar para ele, surpresa com a gentileza contida naquelas palavras. Owen puxou a carteira, deixou algumas notas sobre a mesa - mais do que precisava pagar - e ajeitou o capuz do casaco sobre a cabeça.

- Espero que consiga dormir melhor essa noite - disse antes de se virar.

Ava o acompanhou com os olhos enquanto ele caminhava até a porta. Owen fez uma pausa ao lado do balcão, fitando o vidro em silêncio por um segundo, como se hesitasse. Então, sem olhar para trás, empurrou a porta do café e desapareceu na multidão que começava a ocupar a calçada.

Ava ficou ali, quieta, com o coração batendo um pouco mais acelerado. Por algum motivo, aquele breve encontro com um desconhecido a tinha tocado. Talvez por ter sido ouvida. Talvez por ele ter aparecido justo no momento em que ela mais precisava.

Mal sabia ela que não havia sido por acaso.

            
            

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