Capítulo 5 Olhos Sobre Ela

Owen entrou no galpão com os ombros relaxados, mas os olhos varriam o ambiente com precisão calculada. O silêncio ali dentro tinha peso. A luz fraca criava sombras instáveis nas paredes de cimento cru, e o ar carregado de graxa, pólvora e cigarro velho parecia sufocar qualquer palavra que ousasse se formar.

Logan estava encostado na bancada, desmontando uma pistola peça por peça, movimentos calmos, quase meditativos. Vincent andava em círculos como uma fera contida à força, o maxilar travado e os punhos cerrados.

- Até que enfim - rosnou Vincent, sem parar de andar. - Estava começando a achar que você tinha se esquecido de onde é o nosso buraco.

Owen ignorou o tom. Caminhou até a mesa central, largou as chaves, tirou a jaqueta preta devagar, como se estivesse em casa. Mas não havia nada de confortável ali.

- E então? - Logan perguntou, sem erguer os olhos da arma. - Teve algum progresso com ela?

Vincent bufou com desdém.

- Progresso? Deve ter passado o dia inteiro lambendo a dor da princesinha no café. Enquanto isso, nós aqui, esperando pra saber se ela viu algo que possa afundar a gente.

Owen ergueu o olhar, cortante como vidro.

- Se eu quisesse palpite, Vincent, teria pedido.

- Só tô preocupado, chefe - retrucou Vincent, forçando um sorriso sarcástico. - A gerente da joalheria, a única viva no meio do caos... e você resolve se aproximar como se fosse um estranho amigável?

- A ideia foi minha - interrompeu Logan, com um tom firme. - Se alguém podia fazê-la baixar a guarda, era o Owen. Ele sabe onde pisa.

Vincent esfregou a nuca, inquieto. Ao fazer isso, parte da tatuagem no pescoço ficou exposta - linhas negras que serpenteavam em espiral com traços agressivos. Um símbolo que Ava não conseguira ver por completo, mas que, mais adiante, queimaria como ferro em brasa em sua memória.

- E então? - Vincent insistiu, impaciente. - Ela falou alguma coisa?

Owen recostou-se na cadeira, os braços cruzados.

- Nada. Não reconheceu ninguém. Disse que todos estavam mascarados.

- Mas ela chorava, né? - Logan finalmente olhou para ele.

- Estava abalada - respondeu Owen. - Relatou tudo do jeito dela. O segurança foi rendido, a amiga surtou, um dos nossos agarrou ela exigindo o código. E segundo ela, o "líder" manteve o controle.

Vincent riu, seco.

- Ou seja, ela notou você, mesmo com a máscara.

Owen estreitou os olhos.

- Eu fui cuidadoso. E se ela tivesse reconhecido alguém, eu saberia.

- É arriscado demais - murmurou Vincent, recomeçando a andar. - Se ela lembrar de qualquer detalhe...

- Ela não vai - cortou Owen. - E se lembrar, vai ser tarde.

Logan deu um meio sorriso.

- Tá começando a gostar dela, Owen?

O silêncio se estendeu. Owen manteve o olhar em Logan por tempo demais. Depois respondeu, seco:

- Ela é útil. Só isso.

- Vamos ver até quando essa utilidade dura - resmungou Vincent.

O som do metal nas mãos de Logan voltou a preencher o galpão. Owen se levantou, vestiu novamente a jaqueta e foi até a porta.

- Vou continuar me aproximando. Se ela tiver algo enterrado na memória, vou descobrir. Quando terminar... vocês saberão o que fazer.

E saiu.

Lá fora, o vento cortava. Owen acendeu um cigarro, encarando o vazio. Ava era um enigma. E ele odiava enigmas. Algo nela o inquietava de um jeito que ele não sabia - ou não queria - nomear.

Mais tarde naquela noite, de volta ao galpão, os papéis e fotos já estavam espalhados sobre a mesa de concreto. Vincent falava, acelerado, os olhos brilhando com a energia de quem saboreia o perigo.

- Olha isso - disse, apontando para a imagem de um cofre blindado. - Transportadora de diamantes. Carga chega sexta à noite. Segurança reduzida. Eu tenho os horários, a planta e o trajeto do caminhão. É limpo. É rápido.

Logan ergueu a sobrancelha e soltou um riso de deboche.

- Você tá falando sério? A gente mal saiu do último assalto sem rastro de sangue, e agora quer brincar com a sorte de novo?

- Parar agora levanta bandeira vermelha - rebateu Vincent. - Se continuarmos, confundimos o padrão. Além disso, esse carregamento é praticamente um convite.

Owen observava os papéis em silêncio. O olhar dele não dizia sim nem não - apenas analisava. Calculava.

- Você quer invadir isso? - Logan apontou o dedo para os mapas. - No meio da semana? Logo agora? Com a polícia ainda remexendo no outro assalto?

- Sexta à noite - corrigiu Vincent. - Quase ninguém no galpão, só dois seguranças fixos. Eu chequei.

Logan bufou, nervoso.

- É pedir pra morrer. E se aquela garota lembrar de alguma coisa? Se ligar qualquer fio solto?

- Ela não viu nada - rebateu Vincent. - Todos estavam com máscara. Foi o próprio Owen que disse.

Silêncio. Logan virou-se para Owen, mais direto:

- Você confia mesmo nisso?

Owen acendeu um cigarro. A chama iluminou brevemente seu rosto, sério como pedra.

- Eu estou cuidando disso.

- Isso não responde - retrucou Logan, mais ríspido. - Você foi pra perto dela com um propósito. Agora tá parecendo outra coisa.

O olhar de Owen foi cortante.

- Eu disse que estou cuidando.

Logan cerrou os dentes, mas não falou mais. Sabia que Owen dava as cartas. Ainda assim, sentia o terreno tremer sob seus pés.

Vincent se afastou da mesa e puxou uma cadeira, se jogando com um sorriso despreocupado.

- Ava... é isso, né? - disse, como quem fala de algo trivial. - Se ela lembrar da tatuagem... ou de qualquer outra coisa... a gente resolve. Não é como se fosse a primeira vez.

Owen não respondeu. Mas a menção à tatuagem calou o ambiente. Ele a viu. Lembrou. Aquele traço marcado no pescoço de Vincent, revelado por descuido, podia ser a ruína de todos. E mesmo que Ava ainda não tivesse ligado os pontos... o risco estava ali.

- Não teremos outra chance se ela lembrar - murmurou Owen, encarando o vazio.

- Então decide - disse Logan, firme. - Ou some com ela... ou some com o plano.

Vincent deu um sorriso torto.

- Às vezes o melhor jeito de calar uma testemunha... é manter ela por perto.

Owen apagou o cigarro com calma, os olhos vagando para além da mesa. Viu Ava de novo. A imagem dela, tão nítida quanto incômoda. Havia algo nela que o prendia - e isso o irritava mais do que qualquer risco.

- Por enquanto... seguimos como planejado.

Logan suspirou fundo e deixou a sala, os passos marcando sua insatisfação no concreto.

Vincent, por outro lado, recostou-se satisfeito. Sabia que estavam em rota de colisão. E para ele, o caos era só mais um território familiar.

                         

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