Capítulo 2 O Silêncio Após O Caos

O motor da van ainda vibrava sob suas mãos quando Owen acendeu o cigarro com calma. A fumaça subia lenta, serpenteando diante do vidro embaçado. Do banco de trás, um dos comparsas riu nervoso, como se ainda estivesse anestesiado pela adrenalina.

- Acha que ela reconheceu você?

Owen não respondeu. Os olhos escuros estavam fixos na rua vazia à frente, mas a imagem dela ainda estava cravada em sua mente.

A gerente da joalheria.

Frágil. Firme. Apavorada, mas de pé.

Ela não gritou. Não desmaiou. Nem tentou fugir.

Ele não planejava aquilo. Nunca se envolvia. Nunca olhava duas vezes.

Mas ela tinha algo diferente. Um olhar que penetrou seu escudo como se soubesse que havia algo ali por trás.

- Você ficou tempo demais ali com ela - insistiu o parceiro, franzindo o cenho. - Foi por pouco que não deu merda, Owen. Isso não é você.

Owen apagou o cigarro, esmagando a ponta com força contra o cinzeiro.

- Ela não vai dizer nada. Não sabe quem eu sou.

Mas nem ele acreditava completamente nisso.

Porque naquele momento - naquele único instante em que tudo parou - ela o viu.

Não o criminoso.

Não o líder da gangue.

Ela viu o homem.

E isso o incomodava mais do que deveria.

A van preta parou em um galpão abandonado nos arredores da cidade. Era o tipo de lugar onde ninguém fazia perguntas, onde o cheiro de ferrugem se misturava ao do mofo impregnado nas paredes rachadas. Um lugar feito para sumir com qualquer coisa - inclusive pessoas.

Owen desceu primeiro, a máscara pendurada na mão, o rosto ainda coberto por sombras e silêncio.

Vincent saiu logo atrás. Alto, corpo coberto de tatuagens, olhos frios como uma lâmina. Ele jogou a mochila no chão com violência e cuspiu no cimento.

- Foi perto demais, Owen. - Sua voz soava como uma ameaça constante. - E tudo por causa daquela mulher.

Owen apenas ergueu os olhos para ele, sem pressa. Não respondeu.

- A gerente - continuou Vincent, cada sílaba carregada de desprezo. - Você travou. Ficou olhando pra ela como se estivesse em um maldito encontro.

- Cala a boca, Vincent - rosnou Mateo, o mais calmo, mas atento. - A gente conseguiu sair. Sem tiros. Sem mortos. Isso já é mais do que em outras vezes.

Vincent gargalhou, sarcástico.

- É por isso que estamos ferrados. Tá mole demais. Owen tá distraído. Essa mulher viu o rosto dele.

Owen se aproximou devagar, os olhos cravados nos de Vincent. A tensão era palpável.

- Ela não viu nada - respondeu, voz baixa e controlada.

Vincent deu um passo à frente, desafiador.

- E se viu? Vai esperar ela abrir a boca? Entregar a gente? Quer ver nosso rosto estampado nos jornais? Porque eu não tô a fim de voltar pra cela.

- Você quer matar uma mulher inocente? - perguntou Mateo, indignado.

Vincent deu de ombros.

- Já fiz pior. E você também. A diferença é que eu não fico fingindo que tenho moral. A gente precisa agir logo. Eliminar riscos. Ela é um risco.

O silêncio que se seguiu foi denso.

Owen passou a mão pelos cabelos, o maxilar travado. A imagem dela piscou de novo na mente: olhos arregalados, mas firmes. Tremendo, mas de pé. E, por alguma razão que ele odiava admitir, ela não parecia uma ameaça.

Mas era.

- Ninguém vai tocar nela - disse por fim, a voz cortando o ar como uma faca.

Vincent riu, debochado.

- Já vi esse filme antes. E sempre acaba mal.

- Eu vou resolver isso - Owen completou, ignorando o deboche.

- Como? Vai bater na porta da joalheria e pedir desculpas? - Vincent zombou.

Owen se virou para ele, devagar, e se aproximou até estar a poucos centímetros.

- Se você encostar nela... eu mato você. Sem hesitar.

O galpão mergulhou em silêncio. Mateo desviou o olhar. Vincent apertou os punhos, mas recuou um passo.

Aquela era a regra não escrita: Owen podia ser frio, mas quando ele ameaçava, cumpria.

- Que seja - murmurou Vincent, indo até o canto escuro e pegando uma garrafa de uísque. - Mas se ela abrir a boca, vai ser por sua culpa.

Owen se afastou. Sentou-se em uma cadeira velha, os cotovelos nos joelhos, e encarou o chão.

Ele não sabia o motivo, mas algo naquela mulher - Ava - o havia desarmado por dentro. E isso era perigoso.

Muito mais do que qualquer arma apontada para ele.

Vincent estava prestes a abrir a boca novamente, mas antes que pudesse soltar outra provocação, Logan apareceu no galpão, passos rápidos e certeiros. Ele empurrou Vincent com força no ombro, fazendo-o recuar dois passos.

- Chega, caralho! - esbravejou, a voz grave ecoando pelas paredes de concreto. - Vocês dois vão se matar por causa de uma mulher agora?

- Não é por causa de uma mulher - rebateu Vincent, limpando o ombro com desdém, como se o toque de Logan o contaminasse. - É por causa da burrice do nosso querido líder. Tá se deixando levar. Tá se distraindo.

- Fica calado - Owen rosnou, levantando-se da cadeira com a calma que precede uma tempestade. - Eu avisei.

- E eu não sou teu cão pra abaixar a cabeça, Owen - Vincent avançou de novo, encarando. - Você perdeu o controle. Por dentro, você já tá ferrado. E vai arrastar a gente junto.

Logan se meteu no meio dos dois, o braço esticado entre os peitos dos dois homens, impedindo que um avanço piorasse ainda mais a situação.

- Porra, Vincent, você quer morrer hoje? Olha nos olhos dele - disse apontando para Owen. - Você sabe o que acontece quando ele decide.

Owen permaneceu imóvel. Mas seus olhos queimavam. Ele não precisava gritar. O silêncio dele sempre falava mais alto.

- A Ava vai ficar fora disso - repetiu, como um veredicto.

Vincent bufou, rindo sem humor.

- Você já deu um nome pra ela. Que fofo.

Logan o empurrou com força de novo, desta vez contra a parede.

- Cala essa porra dessa boca antes que eu enfie teus dentes no chão - disparou, os punhos cerrados. - Você tá perdendo a noção.

Vincent levantou as mãos num gesto de rendição sarcástica, mas os olhos ainda estavam cheios de ódio.

- Vocês estão vendo o que está acontecendo, né? Esse cara, o nosso gênio estrategista, tá apaixonadinho. Primeiro passo pra derrocada de qualquer império.

Owen deu um passo à frente. Logan não impediu.

- Eu não preciso que você confie em mim, Vincent. Mas vai confiar no medo. E você tem, mesmo que não admita - disse com frieza cortante. - Porque, no fundo, sabe que, se eu decidir que você é um problema... você não acorda no dia seguinte.

Vincent prendeu o riso na garganta. Ele sabia que não era uma ameaça vazia. Owen nunca atirava para intimidar. Quando ele apontava, era pra matar.

- Tá bom - respondeu, limpando o canto da boca com a língua, tenso. - Mas não diga que eu não avisei quando essa garota for a nossa ruína.

E então ele se afastou, sumindo no escuro do galpão.

Logan virou-se para Owen, sério.

- Você tem certeza do que tá fazendo?

Owen demorou a responder. O nome dela voltou à mente. Ava.

- Não - murmurou. - Mas eu vou descobrir.

E, pela primeira vez em muito tempo, Owen sentiu algo que desconhecia: dúvida.

E no peito, algo parecido com medo. Não do que ela faria com eles.

Mas do que ela já estava fazendo com ele.

            
            

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