As Cicatrizes Inegáveis de Uma Esposa
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Capítulo 3

O celular de Ricardo não parava de vibrar, a vibração insistente uma terceira presença no silêncio sufocante da sala. Ele nem sequer olhou para os papéis que eu estendia.

"Seja o que for, apenas coloque no meu cartão," ele disse com desdém, pegando uma caneta na mesa do corredor. Ele rabiscou seu nome na parte inferior da última página sem pensar duas vezes. "Eu tenho que ir, Elaine. Isso é importante."

Ele pensou que era uma lista de desejos. Uma lista de compras. Era nisso que minhas necessidades haviam se tornado para ele. Algo a ser pago e esquecido.

Ele me deu um beijo rápido e distraído na testa. "Compre o que quiser. Não se preocupe com o custo."

Então ele se foi.

Fiquei ali, encarando a porta fechada, os papéis do divórcio assinados em minha mão. Ele acabara de assinar o fim do nosso casamento como se fosse um recibo de cartão de crédito. O absurdo daquilo era tão profundo que era quase engraçado.

O filhote em meus braços choramingou, aninhando sua cabecinha contra meu peito, e a frágil barreira que continha minhas emoções se rompeu. Mas eu não chorei. Eu não conseguia.

Uma parte doentia e distorcida de mim ainda queria segui-lo. Vê-lo novamente. Gravar a realidade de sua traição em meu cérebro até que não houvesse mais espaço para o fantasma do homem que eu pensei que amava.

Eu os encontrei na cobertura dela. Karina o esperava na porta, com o filho deles, Caio, nos braços.

O menino se parecia tanto com Ricardo que foi um golpe físico. Os mesmos olhos escuros e intensos. O mesmo queixo teimoso.

"Me desculpe, Ricardo," Karina chorava, o rosto enterrado em seu ombro. "O Caio sentiu tanto a sua falta. Ele chorou até dormir ontem à noite chamando pelo papai."

Os braços de Ricardo a envolveram, sua mão acariciando o cabelo dela. Era um gesto de conforto, de posse.

"Está tudo bem," ele murmurou, sua voz um ronronar baixo. Ele pegou o menino dela, seus movimentos gentis, praticados. Ele segurou Caio com uma ternura que eu só sonhara em receber. O jeito como ele olhava para aquela criança... era com um amor puro e descomplicado que ele nunca me mostrou.

Ele embalou Caio, balançando-o suavemente, murmurando coisas sem sentido até os olhos do menino se fecharem.

Uma risada amarga escapou dos meus lábios antes que eu pudesse impedi-la.

Lembrei-me de quando estava grávida da primeira vez. Ele tinha sido tão atencioso. Leu todos os livros, frequentou todas as aulas. Ele conversava com minha barriga por horas, contando ao nosso filho ainda não nascido histórias sobre seu dia, prometendo ensiná-lo a velejar, a construir coisas. Ele massageava meus pés inchados e atendia a todos os meus desejos, não importava o quão ridículos fossem. Ele era o perfeito e dedicado futuro pai.

Era tudo mentira. Uma performance para sua preciosa esposa, enquanto sua família de verdade esperava nos bastidores.

Eu o odiava. Mas naquele momento, observando-o com Karina, eu a odiava mais. Ela havia orquestrado tudo isso. Ela havia roubado meu marido, minha vida, meu filho.

Agora, ele segurava o filho dela como se fosse a coisa mais preciosa do mundo.

Mordi o lábio com tanta força que senti o gosto de sangue. Forcei-me a assistir, a gravar a imagem em minha mente. Esta era a minha realidade agora. Esta era a verdade.

"Olhe para ele, Elaine," disse uma voz fria dentro da minha cabeça. "Olhe para o que ele é. Esqueça o homem com quem você se casou. Ele não existe."

Fechei os olhos, as lágrimas finalmente vindo, quentes e silenciosas.

Vou me dar esta noite, pensei. Vou me permitir lamentar pelo homem que perdi. E então, amanhã, estarei farta. Nunca mais olharei para trás.

"Eu te amo tanto, Ricardo," Karina dizia, sua voz carregada de adoração. "O Caio vai fazer cinco anos em breve. Ele vai começar a fazer perguntas. As crianças no parque já estão zoando ele por não ter um pai." Ela soltou um suspiro trêmulo. "Eu sei que te droguei para engravidar, e sinto muito. Eu estava desesperada. Mas fiz por amor."

Ela estava desempenhando seu papel perfeitamente. A pecadora arrependida, a mãe devota.

"Por favor, Ricardo," ela implorou. "Deixe-me levar o Caio para casa. Para a sua casa. Só por um tempinho. Quero que ele saiba como é ter um pai."

Eu conhecia o jogo dela. Ela queria invadir meu espaço, fincar sua bandeira em meu território, me empurrar lentamente para fora.

Prendi a respiração, uma pequena e estúpida centelha de esperança se acendendo em meu peito. Ele não faria isso. Ele não podia. Nossa casa era nosso santuário. Ele era patologicamente reservado. Ele nunca permitiria que ela, ou o filho dela, cruzassem aquele limiar.

Ricardo ficou em silêncio por um longo tempo. Eu podia ouvir meu próprio coração batendo, um tambor frenético contra o silêncio. Este era o teste. O teste final e definitivo.

Por favor, Ricardo. Diga não.

Ele olhou do rosto banhado de lágrimas de Karina para a criança adormecida em seus braços. Sua expressão era indecifrável.

Então, ele assentiu.

"Tudo bem."

A única palavra foi como um tiro na noite silenciosa.

Meu coração não apenas se partiu. Virou pó.

Eu tinha perdido. Os últimos sete anos, meu amor, minha esperança, minha dor - tudo foi uma aposta que fiz no homem errado.

E eu tinha perdido tudo.

            
            

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