As Cicatrizes Inegáveis de Uma Esposa
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Capítulo 4

Ricardo chegou em casa algumas horas depois. Ele me encontrou no sofá, ainda agarrada ao filhote, meu rosto pálido e manchado de lágrimas.

Ele sentou-se ao meu lado, sua voz cautelosa. "Elaine, precisamos conversar sobre... nós. Sobre ter uma família."

Consegui sorrir. Parecia que meu rosto estava se quebrando. "O que tem, Ricardo?"

O sorriso pareceu tranquilizá-lo. Ele relaxou, passando um braço em volta dos meus ombros. "Eu estive pensando. Talvez... talvez devêssemos parar de tentar. Os tratamentos, eles são tão difíceis para você. É demais."

Ele fez uma pausa, avaliando minha reação. Quando não disse nada, ele continuou.

"Talvez pudéssemos... adotar."

A crueldade daquilo me tirou o fôlego. Ele não queria apenas trazer seu filho para nossas vidas; ele queria que eu o criasse. Ele queria que eu me tornasse mãe do filho da mulher que destruiu minha vida, um lembrete vivo e pulsante de sua traição. Ele contava com meu amor por ele, meu desejo desesperado por um filho, para me fazer concordar com essa proposta monstruosa.

Dei a ele a reação que ele queria. Deixei meus olhos se encherem de lágrimas, meu lábio inferior tremer. Olhei para ele com um olhar cheio de esperança e dor fabricadas.

"Adotar?" sussurrei, como se o pensamento nunca tivesse me ocorrido.

Ele assentiu, sua expressão se suavizando com falsa simpatia. "Sim. Poderíamos dar um lar a uma criança. Uma vida boa."

Eu sabia o que ele estava realmente dizendo. Ele ia trazer Caio para cá e fazê-lo passar por um filho adotivo. E ele esperava que eu sorrisse e fingisse.

Porque eu era sua esposa idiotamente apaixonada.

"Tudo bem," sussurrei, minha voz embargada por lágrimas não derramadas. "Vamos adotar."

Eu estava indo embora. Nada disso seria meu problema em breve. Ele podia pensar o que quisesse.

Alguns dias depois, ele trouxe o menino para casa.

O filhote, a quem eu chamei de Lucky, havia se tornado minha sombra, um pequeno e quente conforto no vazio frio da minha vida. Ele estava dormindo aos meus pés quando Ricardo entrou, segurando a mão de Caio.

"Caio," disse Ricardo, sua voz gentil. "Esta é sua nova mamãe. Diga olá para a Elaine."

O menino olhou para mim e começou a chorar, um choro alto e estridente que ecoou pela casa silenciosa. Ele se escondeu atrás das pernas de Ricardo, espiando-me com olhos aterrorizados e cheios de lágrimas.

Ricardo suspirou, pegando o menino nos braços e murmurando palavras tranquilizadoras. Ele nem sequer olhou para mim. Era como se eu nem estivesse ali. Ele levou a criança chorando para o andar de cima, deixando-me sozinha na cavernosa sala de estar.

"Ele só está com medo," ele gritou de cima alguns minutos depois. "Ele vai se acostumar com você."

Eu apenas assenti, meu rosto uma máscara em branco.

Eu podia ouvir as empregadas sussurrando na cozinha.

"A Sra. Cordova é tão sortuda. O chefe a ama tanto."

"Eu sei, né? Ela não pode ter filhos, e ele ainda a trata como uma rainha. Agora ele está até adotando uma criança para ela."

"Ele tem sido tão paciente. Qualquer outro homem a teria deixado anos atrás."

Lucky choramingou, sentindo minha angústia, e lambeu minha mão. Olhei para seus olhos castanhos confiantes, e as lágrimas que eu estava segurando finalmente caíram.

Eu era uma piada. Uma esposa patética e estéril, digna de pena por minha própria equipe.

Abracei o pequeno filhote contra o peito, enterrando o rosto em seu pelo macio.

"Você quer vir comigo, Lucky?" sussurrei. "Podemos ir para bem longe daqui."

Ele latiu, como se concordasse.

No dia seguinte, eu tinha uma consulta marcada. Um aborto. Eu não podia trazer uma criança para essa bagunça. Uma criança que era metade dele. Sentei-me na sala de espera fria e estéril, meu número na mão, meu estômago revirando com uma mistura de luto e resolução.

Mas quando chamaram meu nome, não consegui me mover.

Saí da clínica, com a mão na barriga. Ele era um monstro. Mas este bebê... este bebê era meu. Apenas meu.

Quando cheguei em casa, a casa estava estranhamente silenciosa. Chamei por Lucky, mas não houve latido em resposta, nenhum som de suas patinhas correndo pelo chão de mármore.

Uma sensação de pavor se apoderou de mim.

Eu o encontrei na sala de estar. Ele estava deitado em seu tapete favorito, imóvel e silencioso. Um pequeno filete de sangue manchava o pelo branco no canto de sua boca.

Ricardo estava de pé perto da lareira, segurando um Caio perfeitamente calmo em seus braços. Ele olhou para o filhote morto no chão com fria indiferença.

Eu soube. Naquele instante, eu soube. Ele o havia matado.

Minha visão se afunilou. O mundo nadou em uma névoa vermelha.

"Ricardo?" Minha voz era um som cru e quebrado que eu não reconheci.

Ele olhou para cima, sua expressão instantaneamente se suavizando para uma de preocupação. "Elaine, você voltou. Senti sua falta."

A sala começou a girar. Tropecei em direção ao corpo pequeno e imóvel de Lucky, minhas pernas tremendo tanto que mal conseguia ficar de pé.

"Sinto muito, Elaine," disse Ricardo, sua voz tingida de falso arrependimento. "Ele tentou morder o Caio. Eu não tive escolha."

Ajoelhei-me, minha mão pairando sobre o pelo de Lucky, sem ousar tocar. Ele ainda estava quente.

"Lucky," sussurrei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. "O nome dele era Lucky. Eu o nomeei ontem."

"É só um cachorro, Elaine," disse Ricardo, sua voz endurecendo com impaciência. "Eu te compro mais dez se você quiser."

Eu sabia que ele estava mentindo. Eu sabia que Lucky não machucaria ninguém. Ele era a criatura mais gentil que eu já conheci.

"Quero ver as imagens da segurança," eu disse, minha voz perigosamente baixa.

De repente, Caio, que estava em silêncio até então, apontou um dedinho para o filhote. "Cachorro mau! Cachorro morde Caio!"

Uma empregada apareceu ao meu lado, o rosto pálido. Ela me entregou um tablet. "Sr. Cordova, a filmagem, senhor."

Apertei o play. A tela mostrava Caio, sozinho na sala de estar com o filhote. Ele estava puxando o rabo de Lucky, chutando-o, atormentando o pequeno animal até que ele finalmente ganisse de dor e mordesse o ar perto de sua mão.

Nunca o tocou.

Meu sangue gelou. Esta criança não estava apenas com medo. Era cruel. Um produto de sua mãe.

Ricardo ainda tentava acalmar o menino, mas vi o lampejo de aborrecimento em seus olhos. Ele não estava confortando seu filho; estava gerenciando um problema.

Ele olhou para mim, sua paciência claramente esgotada. "Nós realmente vamos brigar por causa de um cachorro estúpido, Elaine?"

O mundo ficou preto.

A última coisa que ouvi antes de desmaiar foi a voz em pânico de Ricardo, chamando meu nome.

                         

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