Capítulo 4 📖 Capítulo 4 – Uma Mulher que Sabe Demais

A casa era grande, rústica e silenciosa, envolta pelo cheiro de madeira velha, lareira acesa e velas de cera derretida. Laura foi guiada por Edward até uma sala acolhedora com paredes forradas de livros e tapeçarias - um espaço elegante, mas antiquado, sem um interruptor, tomada ou sinal de wi-fi.

- Vai se sentir mais confortável aqui. - disse ele, acendendo uma lamparina.

- Confortável seria um banho quente com aquecimento a gás e uma conexão de 5G. - resmungou, sentando-se no sofá.

Ele sorriu, sem entender uma palavra do que ela acabara de dizer.

- Mandarei chamar o doutor Melling. Ele é discreto e experiente.

- Ótimo. Mal posso esperar pra ouvir mais um diagnóstico atrasado e equivocado. - murmurou, cruzando os braços.

Alguns minutos depois, o tal doutor chegou. Um homem baixo, rechonchudo, de bigodes espessos e uma pasta de couro surrada. Ao vê-la, franziu o cenho como se estivesse diante de um caso exótico.

- Boa noite, senhorita. Então... dizem que a senhorita caiu da carruagem? Ou foi atacada?

- Eu tropecei e bati a cabeça. Foi só isso. Nada de mais. - ela respondeu, impaciente.

Ele se aproximou e examinou seu pulso, sua testa, tentou olhar seus olhos com uma vela.

- Hmmm... sim, sim... pupilas responsivas, mas há um olhar... aéreo. Visivelmente confusa. Um trauma leve, com certeza. Talvez um pouco de histeria feminina. Comum em mulheres delicadas, ainda mais vestidas... assim.

- Delicada é a sua avó. - Laura murmurou entre os dentes.

- Perdão?

- Nada. Continue. Tô curiosa pra saber que outro diagnóstico genial você vai soltar.

O médico pigarreou e voltou à análise.

- A senhorita apresenta sinais de desorientação, fala estranha, delírios sutis. Talvez uma febre escondida, ou mesmo uma variação nervosa causada por menstruação atrasada, quem sabe...

- Meus ovários estão em perfeito estado, obrigada. - ela explodiu. - E eu não estou desorientada, nem febril, nem histérica. Só estou rodeada de gente que ainda vive na Idade Média.

O médico arregalou os olhos, ofendido.

- Senhorita, está me ofendendo. Sou médico há vinte anos!

- E eu também! - ela gritou, levantando-se de repente. - Eu sou médica! Formada, especializada, e cirurgiã. E se você me deixar mais cinco minutos aqui, vou acabar tendo que te ensinar o básico sobre concussões!

Silêncio.

O médico a encarava como se ela tivesse falado em línguas.

Edward, ao lado, também ficou imóvel, o cenho franzido.

- Senhorita... - o doutor murmurou com cuidado. - Seria bom se a senhorita se deitasse novamente. E tomasse um chá de lavanda. Isso vai ajudar a acalmar os pensamentos... confusos.

- Confusos é você achar que uma mulher não pode ser médica! - ela gritou, virando-se para Edward. - E você? Vai me internar? Me amarrar numa cama porque minha cabeça funciona melhor que a dele?

Edward levantou-se lentamente, a expressão mais sóbria agora.

- Laura... - disse seu nome pela primeira vez, o som suave como uma prece - ...ninguém vai te machucar. Mas... não é comum. Você fala coisas... estranhas. Com certeza sofreu algo. E está num lugar onde... não se espera isso de uma dama.

Ela bufou.

- Eu não sou só uma dama. E se quiser saber, eu tô mais preocupada com vocês achando que sangramento uterino causa delírio do que com a minha cabeça.

O doutor, já ruborizado e ofendido, começou a arrumar sua maleta.

- Está clara a gravidade. Vou voltar amanhã. Se piorar, me chame imediatamente, milorde.

Edward o acompanhou até a porta sem dizer nada. Quando voltou, encontrou Laura de pé, braços cruzados, olhos ardendo de fúria e medo.

- Você também acha que eu sou louca?

- Não. - ele respondeu, depois de um segundo. - Eu só não sei... de onde você realmente vem.

Ela abaixou os olhos. O silêncio caiu pesado entre os dois. Por fim, ele falou com a voz baixa:

- Você pode descansar aqui esta noite. Amanhã... conversamos com mais calma.

- Se você tentar algo...

- Eu juro que não vou. - disse ele, firme. - Seja lá quem você é, eu sinto... que merece respeito.

Laura suspirou. Ainda não confiava nele. Nem no lugar. Nem no tempo. Mas precisava pensar. Precisava se proteger.

E, talvez, precisava entender... o que o destino tinha acabado de fazer com a sua vida.