Eu estava no corredor do lado de fora do nosso escritório em casa, a caminho do hospital, quando o ouvi ao telefone. Sua voz era diferente - não o tom tenso e cansado de um empreendedor em dificuldades, mas a cadência fácil e arrogante de alguém acostumado ao poder.
"É, Marcos, o negócio está fechado. O Porsche é meu."
Uma pausa.
"Como assim, quando vou largar a farsa? A família Herrera me quer de volta, mas nos termos deles. Preciso levar isso até o fim."
Herrera. O nome me atingiu como um soco. Herrera Tech. A gigante global.
"A Bia voltou. Você sabe disso. Não posso simplesmente largar o tapa-buraco até estar seguro. Ela cumpriu seu propósito."
Tapa-buraco. Era isso que eu era. Um escudo humano de cinco anos para manter sua família longe dele enquanto ele esperava seu verdadeiro amor retornar.
"Não se preocupe", Heitor riu. "O velho não pode me cortar. O fundo fiduciário é blindado. Mas eu preciso da cadeira de CEO, não apenas de um assento no conselho. Mais um ano, talvez. Então eu acabo com essa palhaçada toda."
O mundo girou. O chão parecia estar desabando sob meus pés.
Cinco anos da minha vida, meu amor, meu dinheiro - tudo uma mentira.
Ele era um bilionário bancando o pobre. E os duzentos e cinquenta mil reais que poderiam ter salvado meu irmão? Para ele, era menos que troco. Ele simplesmente não quis gastar comigo. Ou com a minha família.
Ele comprou o Porsche para impressionar a Beatriz.
Quando finalmente os confrontei, depois que voltaram de seu passeio, entrei em nosso quarto e o encontrei em desordem. As roupas dela estavam no chão, misturadas com as dele.
Beatriz saiu do banheiro, enrolada no meu roupão, um sorriso presunçoso no rosto.
"Ah, desculpe", disse ela, sem parecer nem um pouco arrependida. "A gente se empolgou um pouco. O carro novo, sabe? É muito... estimulante."
Ela passou a mão pelo cabelo. "Heitor e eu, nós temos essa conexão. É elétrica."
Senti uma raiva fria crescer dentro de mim. "Você é nojenta", eu disse, minha voz baixa. "Vocês dois."
O rosto de Beatriz se contorceu em uma máscara de dor teatral. Ela se escondeu atrás de Heitor, que acabara de entrar no quarto.
"Heitor", ela choramingou, "você disse a ela algo ruim sobre mim? Ela está sendo tão má."
Ela o chamou de "Heitor", mas soou como uma acusação dirigida a mim.
Ele voltou seus olhos frios para mim. "Elisa, fale com ela direito."
"Ela estava na nossa cama!", gritei, a barragem da minha compostura finalmente se rompendo. "No meu roupão!"
"Ela é minha convidada", disse Heitor, sua voz perigosamente baixa. "E, francamente, uma brincadeirinha não é grande coisa. A morte do seu irmão não foi grande coisa. Por que isso seria?"
Senti o ar sair dos meus pulmões. Eu estava cansada, tão exausta. Fechei os olhos.
"Ajoelhe-se e peça desculpas para a Bia", ordenou Heitor, aproximando-se de mim. Ele agarrou meu braço, seu aperto como aço. "Peça desculpas, e talvez eu te perdoe por essa cena."
Ele me empurrou para baixo. Meus joelhos bateram no chão de madeira com um estalo doloroso.
"Faça", ele sibilou. "Ou você vai se arrepender. Você sabe que não consegue viver sem mim."
Lembrei-me da última vez que ele ficou tão zangado. Ele havia jogado um laptop, que atingiu o canto da minha sobrancelha, deixando uma cicatriz que eu tinha que cobrir com maquiagem. Ele ficou tão arrependido depois, tão gentil. Sempre era seguido por gentileza.
Um suor frio brotou na minha testa. Este homem diante de mim era um estranho. O homem que uma vez prometeu me proteger era quem mais me machucava.
Foi ele quem matou meu irmão.
Ele finalmente me soltou, saindo com Beatriz.
Fiquei no chão por um longo tempo. Então me levantei, fui para o meu computador e comecei a apagar todas as fotos que tinha dele. Cinco anos de memórias, apagados em alguns cliques.
Então peguei meu telefone e disquei um número que não ligava há anos.
"Vovô", eu disse, minha voz tremendo.
"Elisa? O que há de errado, querida?"
"Aquele pacto que você fez", eu disse, as palavras saindo apressadas. "Com seus protegidos. Aquele em que eles... cuidariam de mim. Ainda é válido?"