A festa de gala era no museu, na mesma ala que eu passei dois anos da minha vida projetando. Entramos sob uma onda de aplausos, nossa entrada recebida com sorrisos e olhares invejosos.
"Você tem tanta sorte", sussurrou uma mulher que eu conhecia enquanto passávamos. "Ter um homem que te adora tanto."
Eu costumava me deleitar com essa inveja. Costumava sentir um arrepio de orgulho, sabendo que eu tinha o que toda mulher queria. Esta noite, eu sabia que a bela superfície era apenas uma cobertura para o abismo escuro e podre por baixo.
Emílio desempenhou seu papel perfeitamente, sua mão possessivamente na base das minhas costas, seus olhos cheios de um amor que era uma mentira. Ele apresentou seu presente, uma caixa pesada de uma joalheria famosa. Dentro havia um relógio de diamantes de uma marca que eu uma vez lhe disse que não gostava.
Ele havia esquecido. Ou talvez, estivesse se lembrando da favorita de outra pessoa.
"Eu não..." comecei a dizer, mas fui interrompida quando um corpo pequeno colidiu com minhas pernas.
Eu tropecei para trás, me segurando em uma mesa.
"Papai!" gritou a voz de uma criança.
Meu coração parou. Era Léo. Ele estava agarrado à perna de Emílio, o rosto enterrado no tecido caro de suas calças, soluçando.
"Você está muito perto do meu papai!" ele lamentou, apontando um dedo acusador para mim. "Você vai fazer ele deixar eu e a mamãe?"
O salão inteiro ficou em silêncio. Todos os olhos estavam em nós.
Eu queria que o chão me engolisse. A criança se parecia tanto com Emílio, a semelhança era inegável.
Sussurros irromperam pela sala. "Aquele é... o filho dele?" "Quem é ela, então?"
Meu mundo cuidadosamente construído, aquele que eu lutei tanto para manter, estava se estilhaçando em público, sob as luzes brilhantes da minha própria celebração.
O rosto de Emílio era uma máscara de pânico controlado. Ele se ajoelhou, sua voz paciente. "De quem você é, garotinho? Onde estão seus pais?"
Isso só fez a criança chorar mais.
Então, Yasmin Ferraz abriu caminho pela multidão, seu rosto uma imagem de angústia materna. "Oh, eu sinto muito, muito mesmo! Léo, querido, venha para a mamãe."
Ela tentou afastar o menino, mas ele se agarrou a Emílio, seu rostinho uma bagunça de lágrimas e acusações.
Eu a reconheci da igreja, das fotos online. Ela era ainda mais bonita pessoalmente, sua performance de mãe atrapalhada e apologética era impecável. Mas eu podia ver o cálculo em seus olhos.
"Papai, não deixe ela me levar!" Léo gritou, sua voz ecoando na sala silenciosa. Ele me encarou, seus olhos cheios de um ódio puro e infantil. "É ela! É ela que está tentando te roubar da gente!"
Eu estava congelada, atordoada em silêncio.
Meus olhos caíram no pulso da criança. Ele usava um pequeno cordão de contas de sândalo, uma versão em miniatura daquele que eu passei uma semana em uma peregrinação a um templo remoto para conseguir para Emílio, para sua proteção, para sua paz de espírito.
Ele havia dado meu presente ao seu filho.
Uma onda de fúria, quente e poderosa, rompeu meu choque. Dei um passo à frente, minha mão estendida, precisando ver, confirmar. "Aquela pulseira..."
"Elana, não!"
Uma força poderosa bateu em meu peito. Era Emílio. Ele me empurrou, com força. Seu rosto estava contorcido em um pânico que eu nunca tinha visto antes, seus olhos selvagens enquanto ele protegia seu filho.
Meus saltos altos prenderam no tapete felpudo. Caí para trás, meu corpo desajeitado e fora de controle.
Minha cabeça bateu na quina afiada de uma mesa de vidro com um estalo doentio.
O mundo explodiu em uma chuva de vidro estilhaçado e dor lancinante. Cacos de uma taça de vinho quebrada cortaram meu braço. Eu arquejei, o ar sendo expulso dos meus pulmões.
Olhei para cima, minha visão embaçada. Emílio não estava olhando para mim. Ele estava cuidando de Léo, que tinha um pequeno arranhão no joelho.
"Você está bem, filho? A mulher má te machucou?" ele murmurou, sua voz grossa de preocupação. Ele pegou o menino nos braços e abriu caminho pela multidão em direção à saída, com Yasmin seguindo de perto.
Ela olhou para trás para mim, um lampejo de malícia pura e triunfante em seus olhos. Foi um olhar que confirmou tudo. Isso tudo era plano dela.
Emílio saiu sem um único olhar para trás. Ele me deixou sangrando no chão da sala construída para me homenagear.
A dor na minha cabeça e no meu braço era aguda, mas uma cãibra nova, mais profunda e aterrorizante estava tomando meu abdômen.
Os sussurros ao meu redor ficaram mais altos, transformando-se em uma maré de julgamento.
"Você viu aquilo? Ela tentou agarrar o garotinho."
"Ela deve ser a outra. Que sem-vergonha, causar uma cena como essa."
"Emílio Mendes é um homem tão bom, protegendo seu filho daquele jeito."
As palavras foram uma agressão física, cada uma uma nova ferida.
A dor no meu estômago se intensificou, uma sensação brutal e dilacerante. Olhei para baixo. O azul-meia-noite do meu vestido estava manchado com uma mancha crescente de carmesim escuro e úmido.
Meu bebê.
O último fio da minha força se rompeu. A sala inclinou, as luzes se transformando em riscos enquanto o mundo se desvanecia para o preto.