Repassei a cena em minha mente. As lágrimas falsas de Aline. A preocupação imediata de Arthur por ela. A aceitação cansada dos meus pais da história dela. Era uma peça bem ensaiada, e eu era a única que não sabia minhas falas.
Lembrei-me de todas as vezes que Aline me machucou. O empurrão na escada. As reações alérgicas "acidentais". As constantes e sutis alfinetadas que me faziam questionar minha própria sanidade. E todas as vezes, ela chorava e eles a perdoavam.
O amor dos meus pais era um recurso finito, e tudo havia sido dado à filha que eles criaram. Eu era apenas um fantasma, um fato biológico que eles tinham que acomodar.
Houve um tempo em que Arthur era meu único aliado. Ele era quem via através dos jogos de Aline. Ele era quem me abraçava e jurava que nunca mais a deixaria me machucar.
Essa promessa era uma mentira.
Olhei para cima e o vi através da porta aberta do quarto de Aline. Ele estava de pé atrás dela, a mão pousada em seu ombro, murmurando algo suave e reconfortante.
Seu coração não estava mais apenas dividido. Havia escolhido um lado. E não era o meu.
Uma dor aguda atravessou meu peito. Era a sensação de uma ruptura final e completa. Todos eles estavam mentindo para mim. Eles sempre estiveram mentindo.
Eu não tinha nada. Minha carreira se foi. Minha família era uma farsa. E o bebê dentro de mim, minha última esperança, era um segredo que eles mal podiam esperar para apagar.
Eu era apenas um degrau para Aline. Uma peça temporária. O pensamento era tão absurdamente trágico que quase ri.
Em vez disso, chorei. As lágrimas eram quentes e furiosas. De repente, uma cãibra paralisante tomou meu abdômen. Era uma dor viciosa e dilacerante que me fez ofegar.
Um fluxo quente de líquido escorreu pelas minhas pernas. O quarto começou a girar.
Estendi a mão para a parede para me firmar, mas minhas pernas cederam e eu desabei no chão.
"Ajuda", gritei, minha voz fraca. "Por favor... salvem meu bebê."
Arthur me ouviu. Ele saiu correndo do quarto, seu rosto perdendo toda a cor quando viu o sangue se acumulando ao meu redor no chão polido.
Ele me pegou nos braços, seus movimentos frenéticos. "Aguente firme, Clara! Vamos para o hospital!"
Enquanto o mundo escurecia, meu último pensamento consciente foi uma oração desesperada. Por favor, que meu bebê fique bem. Por favor.
Acordei em um quarto de hospital branco e estéril. A primeira coisa que vi foi o rosto de Arthur, marcado pela preocupação. Ele estava segurando minha mão.
Eu não senti nada. A visão de sua preocupação, que antes teria sido minha âncora, agora parecia apenas mais uma cena em sua longa e arrastada performance.
Fechei os olhos, mas tudo o que conseguia ver era ele com Aline. Ele a tocando, a confortando, a escolhendo.
Lágrimas escorreram dos cantos dos meus olhos. Virei a cabeça, sem vontade de olhá-lo.
"Clara, sinto muito", ele sussurrou, sua voz embargada de emoção. "É tudo culpa minha. Eu deveria ter cuidado melhor de você. Este bebê... este bebê é nossa única esperança."
Ele apertou minha mão. "Se algo acontecer com você ou com o bebê, eu... eu não consigo viver."
Suas palavras eram vazias. Uma chantagem emocional desesperada.
"Aline é apenas minha irmã, Clara. Meus pais sentem pena dela, é só isso. Prometo, vou encontrar um lugar para ela. Ela se mudará assim que você estiver melhor."
Ele me implorou para pensar em nosso filho, para não deixar a raiva comprometer minha saúde. Meus pais entraram e ecoaram suas palavras, seus rostos máscaras de arrependimento. Eles admitiram que foram descuidados, que negligenciaram meus sentimentos. Prometeram se revezar para cuidar de mim, para compensar tudo.
Eu sabia que eles estavam mentindo. Todos eles. Mas eu estava fraca demais, quebrada demais para discutir.
Fechei os olhos, fingindo estar dormindo. "Estou cansada. Quero descansar."
Eles se calaram, aceitando minha dispensa.
Alguns minutos depois, houve uma batida suave na porta. Ela se abriu rangendo. Aline.
Arthur franziu a testa, sua voz um sussurro áspero. "O que você está fazendo aqui? Você pode trazer germes."
Aline o ignorou, seus olhos fixos em mim. "Sinto muito, Clara", disse ela, sua voz escorrendo falsa simpatia. "Eu me sinto péssima. Isso tudo é culpa minha."
Ela se virou para meus pais. "Vocês dois deveriam ir para casa e descansar. Eu posso ficar aqui com o Arthur e cuidar dela."
Meus pais, exaustos e culpados, concordaram prontamente. Eles beijaram minha testa e saíram.
Agora éramos apenas nós três. A verdadeira família.
"Você deveria ir também, Aline", disse Arthur, sua voz baixa.
Ela fez uma cara corajosa e triste. "Você tem razão. Eu vou embora. Vou fazer minhas malas e sair esta noite."