No dia em que recebi alta, eu os vi no corredor. Heitor segurava Karina, sussurrando palavras doces em seu ouvido. Ele nem sequer olhou na minha direção.
Eu tinha acabado de entrar na mansão quando a polícia chegou.
Eles me mostraram um mandado de busca. "Senhora, temos uma denúncia de um atropelamento e fuga envolvendo um veículo registrado neste endereço. Precisamos investigar."
O rosto de Karina ficou branco. Ela instintivamente agarrou o braço de Heitor.
Os olhos de Heitor escureceram. Vi o lampejo de memória em sua expressão. Eu sabia do acidente. Karina havia atropelado alguém e fugido. Heitor pagou uma fortuna para abafar o caso.
Ele nunca pensou que isso voltaria para assombrá-los. Ele olhou para o rosto aterrorizado de Karina, depois para mim.
Sem um momento de hesitação, ele apontou para mim.
"Foi ela", disse ele, a voz firme. "Ela é a única que dirige aquele carro."
Eu o encarei, minha mente girando. A incredulidade lutava com uma certeza fria e doentia.
Atrás dele, Karina escondeu o rosto, mas não antes de eu ver o sorriso triunfante.
Eu estava congelando, um frio profundo, até os ossos, que não tinha nada a ver com a temperatura. Ele ia me deixar levar a culpa por ela.
"Não fui eu", eu disse, cada palavra uma luta.
O rosto de Heitor era uma máscara de tristeza. "Helena, todos nós cometemos erros. Você tem que assumir a responsabilidade por suas ações."
Karina interveio, seus olhos avermelhados. "Não se preocupe, Helena. Nós vamos te ajudar. Pagaremos os melhores advogados."
Olhei de um para o outro, para a performance perfeitamente ensaiada deles, e comecei a rir. Um som oco e quebrado.
O metal frio das algemas se fechou em meus pulsos.
"Eu vou te tirar daqui", prometeu Heitor, sua voz um sussurro baixo destinado apenas a mim.
A cela de detenção era fria e úmida. No dia seguinte, a porta rangeu ao se abrir. Não era Heitor.
Era a família da vítima. Uma mulher, com os olhos selvagens de dor, se lançou sobre mim.
"Você matou meu filho!", ela gritou, agarrando meu cabelo. "Por que você pode viver?"
Punhos e pés choveram sobre mim. Encolhi-me em uma bola, tentando proteger minha cabeça.
Um chute forte nas minhas costelas me fez ver estrelas. Senti algo quebrar, um clarão ofuscante de dor.
Minha cabeça zumbia. O ar estava cheio de xingamentos e gritos.
Eles me arrastaram para o banheiro pequeno e imundo e me encharcaram com água gelada. O choque do frio em minhas feridas abertas quase me fez desmaiar.
Um deles pegou uma pesada barra de ferro.
Senti o gosto de sangue quando algo duro atingiu meu maxilar. Um dente se soltou.
No dia seguinte, Heitor veio me visitar.
Meu rosto era uma confusão de hematomas. Meu braço pendia frouxamente ao meu lado.
Seu rosto se contraiu quando me viu.
"Você está satisfeito agora?", perguntei, minha voz rouca.
Ele desviou o olhar. "Karina está grávida. Não é um bom lugar para ela estar."
"Apenas aguente um pouco mais, por ela", ele implorou. "Prometo que te tirarei daqui em breve."
Soltei um som seco e rouco que poderia ter sido uma risada. "Você sabe que não fui eu, não é, Heitor?"
Seu corpo enrijeceu. Sua expressão estava tensa. "Eu vou te compensar quando você sair", ele prometeu.
Seu telefone tocou. Era Karina. Ele a ouviu reclamar de não se sentir bem.
Ele se levantou abruptamente, sua visita terminada. "Eu tenho que ir."
Ele saiu sem outra palavra.