Ela passou pela casa como uma tempestade, arrancando minhas pinturas, enrolando meus tapetes, substituindo minha vida por sua própria estética serena e minimalista. Ela estava me apagando. E Heitor ficou ao lado, observando com um sorriso satisfeito.
Alguns dias depois, ela insistiu que todos nós fôssemos a um passeio. "Uma viagem em família," ela chamou, sua voz doentiamente doce. "Para o santuário de vida selvagem particular que o Heitor possui. Será bom para nós nos unirmos."
Eu queria recusar, mas Heitor me deu um olhar que era tanto um apelo quanto uma ordem. Entre no jogo, dizia. Por nós.
Então eu fui.
O santuário era uma propriedade extensa, um zoológico particular para os ultra-ricos. Nos encontramos na casa dos répteis, o ar denso e úmido. No centro da sala havia um enorme recinto de vidro abrigando uma píton birmanesa. Era enorme, seu corpo enrolado tão grosso quanto minha coxa.
Alana se agarrou ao braço de Heitor. "Oh, Heitor, podemos vê-la de perto? Por favor?" ela arrulhou. "Nunca estive tão perto de uma antes."
"Alana, é perigoso," disse Heitor, mas não havia força em suas palavras.
"Mas eu quero," ela choramingou, fazendo beicinho.
Ele cedeu, é claro. Ele sempre cedia para ela. Ordenou ao tratador que abrisse o recinto de vidro e colocou dois de seus guarda-costas de prontidão, por precaução.
O ar úmido ficou pesado com uma nova tensão. Alana, no entanto, estava alheia. Ela entrou, seus olhos arregalados com uma curiosidade infantil. Apontou para uma ninhada de ovos grandes e coriáceos no canto.
"Posso tocar em um?" ela perguntou.
Antes que alguém pudesse responder, ela se moveu em direção ao ninho.
A píton, que estava dormente, desenrolou-se com uma velocidade aterrorizante. Sua cabeça se ergueu, sua língua bifurcada se agitando, seus olhos negros fixos nos intrusos. Começou a se mover em nossa direção.
Heitor reagiu instantaneamente. Ele agarrou Alana e a puxou para trás dele, protegendo-a com seu corpo.
Isso me deixou.
Eu era a mais próxima da cobra enfurecida. Ela se movia com uma graça silenciosa e líquida. Em um piscar de olhos, estava sobre mim. Seu corpo se enrolou em meu torso, uma faixa grossa e muscular de pressão. Ela apertou.
O ar saiu dos meus pulmões. Eu não conseguia respirar, não conseguia gritar. Minhas costelas estalaram sob a tensão.
Uma memória brilhou em minha mente. Pouco antes de entrarmos na casa dos répteis, Alana havia tropeçado "acidentalmente", derramando sua garrafa de água em toda a minha jaqueta. O líquido tinha um cheiro estranho e almiscarado.
Percebi com uma certeza doentia o que era. Uma isca. Algo para atrair e enfurecer a cobra.
Isso não foi um acidente. Ela estava tentando me matar.
Minha adrenalina disparou. O tempo pareceu se distorcer, desacelerando. Eu sabia que lutar só faria a píton apertar mais forte. Forcei-me a ficar mole, a conservar o pouco oxigênio que me restava.
"Façam alguma coisa!" Heitor rugiu para seus guarda-costas.
"Não a matem!" Alana gritou, lágrimas escorrendo pelo rosto. "Não podemos tirar uma vida! É contra a minha fé!"
Ela era a imagem da inocência aterrorizada, uma santa benevolente tentando proteger uma pobre criatura incompreendida. A mesma criatura que ela acabara de atiçar contra mim.
Um estalo agudo ecoou em meus ouvidos. Uma costela. Depois outra. Minha visão começou a escurecer nas bordas. O mundo era um rugido abafado.
Os guarda-costas estavam hesitantes, suas armas levantadas, mas incapazes de dar um tiro certeiro com Alana se debatendo histericamente na frente deles.
"Senhor, temos que atirar!" um deles gritou para Heitor. "Ela está ficando sem tempo!"
"Não!" Alana chorou, agarrando o braço de Heitor. "Você não pode! Tem que haver outro jeito!"
E então, naquele momento, com a vida sendo espremida de mim, Heitor fez o impensável. Ele se virou para Alana. Ele gentilmente enxugou uma lágrima de sua bochecha.
"Não chore," ele murmurou para ela.
Eu vi. Eu o vi escolhê-la.
Com minha última gota de força, forcei o nome dele a sair dos meus lábios. "Heitor..."
Foi um som patético e gorgolejante.
Alana se colocou na frente da arma do guarda-costas. "Podemos esperar que ela se acalme!" ela disse, sua voz cheia de uma certeza justa. "Ela vai soltá-la eventualmente!"
No caos, um dos guarda-costas finalmente deu um tiro. Deve ter sido um tiro de sorte. A bala atingiu a cobra no olho.
A pressão em volta do meu peito afrouxou. O corpo da píton ficou mole, deslizando para o chão em um monte pesado.
Eu desabei ao lado dela, ofegante, o mundo girando de volta ao foco. Eu estava viva.
Mas eu sabia, com uma clareza arrepiante, que se dependesse do meu marido, eu estaria morta.