"Você não se sente mal?", perguntou outro. "Ela acabou de perder um bebê. Está com depressão pós-parto."
Então, a resposta de Heitor. Fria. Cruel. Final.
"Tenho que tomar três Viagras só pra encostar nela. Não sinto nada. É só um papel que estou interpretando."
Mesmo sabendo que era tudo mentira, ver as palavras em preto e branco fez meu corpo inteiro tremer com uma raiva tão profunda que parecia que meus ossos estavam vibrando.
Encontrei o arquivo de vídeo. Estava rotulado como "Surpresa de Aniversário". Minhas mãos tremiam enquanto eu segurava meu dedo sobre o botão de apagar. Então eu o pressionei. E continuei pressionando até que fosse completamente apagado do celular dele e de seu armazenamento na nuvem.
Assim que coloquei o celular de volta, ele vibrou. Uma mensagem de Heitor.
"Festa na casa do meu irmão hoje à noite. Você deveria vir."
Meus dedos voaram pela tela. "Ok."
A festa era uma pequena reunião do círculo íntimo de Heitor. Os mesmos homens do grupo de conversa. Alana estava lá, é claro, jogada sobre o irmão de Heitor no sofá, rindo alto demais.
Sentei-me em uma cadeira no canto, com um copo de água, me fazendo o menor possível.
Eles começaram um jogo de Verdade ou Desafio. A garrafa girou e parou em Alana. Ela escolheu Desafio.
"Beije um cara na sala por três minutos", alguém gritou.
Os olhos de Alana piscaram para Heitor, então ela riu e pegou uma garrafa de tequila. "Eu aceito a punição", disse ela, piscando. "Minha fé ensina que uma mulher só deve beijar o homem que ama."
"Ah, é?", alguém arrastou as palavras. "E quem é ele? Como ele é?"
Alana olhou sonhadoramente para o nada. "Ele é o tipo de homem que me escreveria noventa e nove cartas de amor", suspirou ela.
Assim que as palavras saíram de sua boca, as luzes da sala se apagaram. Uma queda de energia planejada.
Estendi a mão para o assento ao meu lado. Heitor havia sumido.
Exatamente três minutos depois, as luzes piscaram e voltaram. Alana ainda estava sentada no mesmo lugar, mas seus lábios estavam inchados e vermelhos, um sorriso presunçoso e satisfeito brincando em seu rosto. Heitor estava de volta em seu assento, parecendo indiferente.
Todos na sala sabiam o que havia acontecido. Ninguém disse uma palavra. Todos estavam mancomunados. Todos parte de seu jogo doentio.
Levantei-me e saí sem dizer uma palavra. Não fui para casa. Peguei um táxi direto para o cemitério.
Encontrei a pequena e patética lápide do nosso filho. "Bebê Fischer". Nem sequer tinha um nome.
Fui ao galpão do zelador e "peguei emprestada" uma pá. Então comecei a cavar.
O trabalho era duro, mas meu luto e minha raiva me alimentavam. Cavei até que a pá atingiu algo duro. Uma pequena caixa de madeira.
Ajoelhei-me na terra, minhas mãos tremendo enquanto eu afastava a terra e lentamente levantava a tampa.
Assim que o fiz, uma figura apareceu na beira da cova. Heitor.
"Aurora? O que você está fazendo aqui?", ele perguntou, sua voz cheia de confusão.
Eu não olhei para ele. Encarei a caixa. "Meu bebê", sussurrei, minha voz quebrando. "Ele me disse em um sonho que tinha marcas vermelhas no pescoço."
Lembrei-me do dia em que me disseram que ele havia partido. Natimorto, disseram eles. Caí em um buraco negro de depressão. E Heitor? Ele passava seus dias no templo com Alana, "rezando".
"Aurora, você não está fazendo sentido", disse Heitor, seu rosto uma máscara de preocupação. Mas eu podia ver o lampejo de pânico em seus olhos. Ele sabia.
Olhei para ele, meu olhar duro. "Ele não pode falar, pode, Heitor?" Levantei a caixa. Dentro, aninhado em um pano de veludo preto, não havia cinzas, mas um pequeno amuleto de madeira primorosamente esculpido. Um colar de contas estava enrolado nele.
"O que é isso, Heitor?", exigi, minha voz subindo. "O que você colocou no caixão do meu filho?"
Ele relaxou visivelmente, a tensão deixando seus ombros. Ele achava que estava livre. "É um amuleto de proteção, Aurora", disse ele, sua voz suave como seda. "As contas são abençoadas. É para ajudar a alma dele a encontrar seu caminho."
Comecei a rir. Um som selvagem e descontrolado que ecoou no cemitério silencioso.
"Seu imbecil", ofeguei, lágrimas de riso e dor escorrendo pelo meu rosto. "Seu completo imbecil."
Mostrei o amuleto. "Isso não é uma bênção. É sânscrito."
Seu rosto ficou pálido.
"Eu sei ler sânscrito, Heitor", eu disse, minha voz caindo para um sussurro baixo e frio. "Eu sei o que está escrito."
Olhei-o nos olhos. "Diz: 'Que os perversos queimem no inferno.'"