986 Noites de Traição
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Capítulo 2

O som da porta da frente se fechando ecoou pela cobertura silenciosa. Caio levara Isabela para o pronto-socorro, por precaução. Era uma rotina que ele conhecia bem. Meu coração, que deveria estar acelerado de raiva, parecia estranhamente calmo. Era a calma de um campo de batalha depois que a guerra está perdida.

Esta casa, nossa casa, parecia um museu de uma vida que nunca foi realmente minha. As pinturas nas paredes eram as favoritas de Eleonora. O piano de cauda na sala de estar era o que ela costumava tocar. Até o cheiro dos lírios que a governanta colocava no vaso todas as manhãs era a flor preferida dela.

Voltei para o quarto principal. O edredom que Caio havia estendido para Isabela estava amassado no chão. O travesseiro de renda dela, o travesseiro de Eleonora, ainda estava no divã, um monumento arrogante à sua vitória.

A ordem de Caio da noite anterior pairava no ar. "Peça desculpas." Ele não acreditou em mim. Ele nunca acreditava.

Ele também me deu um castigo antes de sair. "Limpe este quarto. E quando eu voltar, quero ver que você jogou fora todos esses seus óleos com cheiro barato. O cheiro dá dor de cabeça na Isabela."

Meus perfumes. Meu trabalho. Minha paixão. Ele os chamava de óleos com cheiro barato.

Fui até o meu órgão de perfumes, uma bela escrivaninha em camadas que continha centenas de pequenos frascos de óleos essenciais e absolutos. Era o meu santuário. Um presente do meu pai, um perfumista, antes de falecer.

Minhas mãos tremiam enquanto eu começava a guardá-los, não para jogar fora, mas para salvá-los. Cada frasco continha uma memória, um pedaço da minha alma. Eu não podia deixar que ele destruísse isso também.

Terminei quando o sol começou a nascer. Eu estava exausta, mas não conseguia descansar. Precisava encontrar Caio. Precisava ver o rosto dele quando não estivesse sob o feitiço de Isabela. Uma parte pequena e estúpida de mim ainda esperava que ele percebesse seu erro.

Liguei para o celular dele. Caiu direto na caixa postal. Liguei para o hospital. A enfermeira disse que o Sr. Alcântara esteve lá, mas saiu horas atrás com a cunhada, que estava perfeitamente bem.

Uma sensação de enjoo revirou meu estômago. Verifiquei um site de fofocas de celebridades no meu celular, meus dedos tremendo.

Lá estava. Uma foto, com a hora marcada de apenas uma hora atrás. Caio e Isabela, não no hospital, mas em uma confeitaria exclusiva que funcionava a noite toda no centro. Ele estava sorrindo, dando um croissant na boca dela, seus olhos cheios do carinho gentil que ele antes reservava para mim. A legenda dizia: "Magnata imobiliário Caio Alcântara mima sua frágil cunhada Isabela Matarazzo após um susto de saúde tarde da noite. Será que tem algo a mais nessa história?"

As empregadas começaram a se mover pela cobertura, seus sussurros me seguindo. Eu podia sentir a pena delas. A Sra. Alcântara, a mulher que tinha que limpar o próprio quarto enquanto o marido estava em um encontro público com a irmã da noiva falecida. A humilhação era um peso físico.

Coloquei as caixas embaladas com meus óleos de perfume perto do elevador de serviço, dizendo ao mordomo que eram doações. Era uma mentira, mas era a única maneira de tirá-los da casa em segurança. Um amigo os pegaria mais tarde.

Eu estava limpando as últimas coisas que compartilhávamos de um armário quando Caio finalmente chegou em casa. Ele me encontrou segurando um álbum de fotos da nossa lua de mel.

"O que você está fazendo, Ju?", ele perguntou, a voz suave, como se nada tivesse acontecido.

"Limpando", eu disse, minha voz sem emoção. Joguei o álbum em um grande saco de lixo. "Me livrando do lixo."

"Lixo?" Ele pareceu magoado. "São as nossas memórias."

Isabela apareceu atrás dele, agarrada ao seu braço como uma trepadeira. "Caio, minha cabeça ainda dói. Você pode me fazer um chá?"

Ela olhou para mim, seus olhos brilhando com triunfo. Ela usava um de seus caros suéteres de caxemira, que ficava grande em seu corpo pequeno, fazendo-a parecer ainda mais infantil e vulnerável.

"Em um minuto, Bela", disse Caio, os olhos ainda em mim. Ele parecia genuinamente confuso com a minha frieza.

"Mas eu preciso agora", ela choramingou, o lábio inferior tremendo. "O médico disse que preciso ficar calma."

Ele suspirou, dividido. Era uma visão patética. Ele se virou para ir com ela, depois parou. "Conversamos mais tarde, Juliana."

Eu não disse nada. Apenas os observei se afastarem, o braço dele protetoramente em volta dela. Arrastei o saco de lixo cheio de nossas "memórias" para o duto do incinerador e o joguei sem pensar duas vezes.

Mais tarde naquela noite, ele me encontrou na biblioteca. Ele me trouxe um pequeno prato de macarons da mesma confeitaria que levara Isabela.

"Uma oferenda de paz", ele disse, um sorriso charmoso no rosto.

Olhei para o prato. "Você pediu desculpas a ela?"

O sorriso dele vacilou. "Juliana, não vamos falar sobre isso. Foi uma noite estressante para todos."

"Ela me pediu desculpas?", insisti, minha voz ainda baixa. "Por mentir? Por me acusar de tentar matá-la?"

"Ela não está bem", ele disse, a desculpa familiar soando oca até para seus próprios ouvidos. "Você sabe do estresse pós-traumático dela... ela fica confusa. Acha que está em perigo."

"Então você me puniu pela ilusão dela."

"Eu não te puni", ele disse, a voz subindo em frustração. "Eu só pedi para você ser compreensiva com a condição dela. Eu a deixei de castigo, sabia? Ela não pode fazer compras por uma semana inteira."

Uma semana inteira. O castigo era tão risível, tão insultuoso, que uma risada seca e sem humor escapou dos meus lábios. No corredor, eu podia ver Isabela deitada em um sofá, mexendo no celular, sem nenhuma preocupação no mundo.

"Entendo", eu disse, minha voz pingando sarcasmo. "Como ela vai sobreviver?"

Peguei um dos macarons do prato. Era de pistache, meu favorito. Um sabor que ele lembrava. Por um momento, um vislumbre do antigo Caio pareceu estar ali. Coloquei na boca.

O sabor era perfeito. Doce, com nozes, delicado.

E então a coceira começou.

Minha garganta começou a fechar. Minha pele explodiu em urticária. Minha respiração veio em chiados irregulares e em pânico.

Pistaches. Eu não era alérgica a eles.

Mas eu era severa e fatalmente alérgica a amêndoas. E este macaron, esta oferenda de paz, estava recheado com pasta de amêndoa.

Os olhos de Caio se arregalaram de horror ao ver meu rosto inchar, minha pele ficar vermelha. "Juliana! Meu Deus, Juliana!"

Ele se atrapalhou para pegar o celular e ligar para o 192. No mesmo momento, Isabela soltou um grito agudo do corredor.

"Caio! A internet! Estão dizendo coisas horríveis sobre você e eu! Estão me chamando de destruidora de lares! Não consigo respirar! Estou tendo outro ataque de pânico!"

Ela desabou no chão, soluçando histericamente.

A cabeça de Caio se virava de um lado para o outro, entre eu, ofegando por ar no chão da biblioteca, e Isabela, fazendo a performance de sua vida no corredor.

Ele olhou para mim, os olhos cheios de pânico e indecisão. "Juliana, eu..."

Então ele se virou e correu para Isabela.

"Está tudo bem, Bela, não olhe para isso. Eu estou aqui", ele a acalmou, puxando-a para seus braços. Ele a escolheu. Ele escolheu confortar o falso ataque de pânico dela enquanto minha garganta se fechava, enquanto eu estava morrendo.

Enquanto minha visão começava a escurecer, a última coisa que vi foi Caio carregando Isabela para longe, me deixando sozinha no chão. Minha mão, inchada e vermelha, alcançou minha bolsa, pela caneta de adrenalina que eu sempre carregava. Eu estava sozinha. Tinha que me salvar.

E naquele momento de traição pura e agonizante, lembrei-me de uma época em que ele teria movido montanhas por mim. Uma vez em que tive uma reação alérgica leve em um restaurante, e ele mesmo me carregou para o carro, quebrando todas as leis de trânsito para me levar ao hospital, nunca saindo do meu lado. Aquele homem se fora. Ou talvez ele nunca tivesse existido.

            
            

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