"Alô?" Era a voz de Isabela, enjoativamente doce.
Uma raiva fria, tão pura e afiada que quase me fez engasgar, percorreu meu corpo.
"Onde está o Caio?", perguntei, minha voz um sussurro rouco.
"Ah, Juliana, você acordou!", ela chilreou. "O Caio está tão preocupado comigo. O estresse do seu... episódio... realmente atrasou minha recuperação. Ele está dormindo agora. Ficou acordado a noite toda cuidando de mim."
Eu não disse nada. Apenas apertei o telefone, meus nós dos dedos ficando brancos.
"Você deveria ter mais cuidado, sabia?", Isabela continuou, sua voz pingando falsa preocupação. "É tão egoísta fazer todo mundo passar por isso. O Caio ficou apavorado."
Eu desliguei. Não conseguia ouvir mais uma palavra. Joguei o telefone do outro lado do quarto e ele se espatifou contra a parede. A ação não fez nada para acalmar a tempestade dentro de mim. Arranquei o soro do meu braço, ignorando a picada aguda e a gota de sangue que se formou. Eu tinha que sair dali.
Eu estava assinando meus próprios papéis de alta, contra o conselho médico, quando ele finalmente apareceu.
Caio entrou correndo no quarto, o rosto uma confusão de preocupação. "Juliana! O que você está fazendo? Você não está bem o suficiente para sair."
Ele tentou me abraçar, mas eu me afastei de seu toque. Seus braços caíram ao lado do corpo, e ele pareceu perdido.
"Por que você não atendeu o telefone?", perguntei, minha voz desprovida de emoção.
"Eu... meu telefone estava no silencioso. Eu estava com a Isabela, ela..."
"Eu sei onde você estava", cortei-o. "Ela me contou. Ela também me disse como fui egoísta por ter uma reação alérgica."
O rosto dele empalideceu. "Juliana, ela não quis dizer isso. Ela só está..."
"Frágil", completei por ele. "Eu sei."
Nesse momento, o telefone dele tocou, o som estridente cortando o silêncio tenso. Ele olhou para a tela. O identificador de chamadas dizia "Enfermeira da Isabela".
Ele olhou para mim, os olhos suplicantes. "Eu preciso atender."
Ele atendeu, e toda a sua postura mudou. "O quê? Ela arrancou os pontos? Ela está bem? Estou indo para aí agora mesmo."
Ele desligou e se virou para mim, o rosto marcado pela preocupação. "Eu tenho que ir. A Isabela tentou se machucar."
Ele a estava escolhendo de novo. Mesmo depois de ela quase ter me matado e ele ter me abandonado, ele ainda a estava escolhendo. O padrão era tão previsível que era quase entediante.
"Eu volto logo, Ju", ele prometeu, a mão na maçaneta. "Eu juro. Nós vamos resolver isso."
"Não se incomode", eu disse.
Ele hesitou por um segundo, depois saiu correndo do quarto, me deixando sozinha mais uma vez.
Os dias seguintes foram um borrão de manchetes na mídia. Caio Alcântara era elogiado como um herói, um guardião dedicado à sua trágica cunhada. Havia fotos dele a levando para fazer compras para animá-la. Fotos deles jogando moedas na fonte do Theatro Municipal, um lugar que ele me levara no nosso primeiro aniversário. Fotos dele segurando a mão dela enquanto caminhavam pelo Parque Ibirapuera. Ele estava recriando minhas memórias com ela.
E eu? Eu era a vilã. A esposa cruel e ciumenta que não suportava ver a caridade do marido. Os tabloides me despedaçaram.
Caio nunca voltou ao hospital. Ele mandou seu assistente cuidar da minha alta e me levar para casa.
Quando entrei na cobertura, ele estava me esperando. Ele havia enchido a sala de estar com minhas flores favoritas, gardênias brancas. Havia um chef particular preparando minha refeição favorita. Ele estava tentando se desculpar sem nunca dizer as palavras.
Ele me puxou para um abraço, enterrando o rosto no meu cabelo. "Senti sua falta, Ju. A casa parecia tão vazia sem você."
O toque dele parecia uma violação. Fiquei rígida em seus braços.
Ele se afastou, procurando meu rosto. "Deixe-me cuidar de você. Deixe-me compensar."
Ele me levou para a mesa de jantar, puxando minha cadeira. Ele mesmo me serviu, seus movimentos cheios de uma ternura praticada e vazia.
Quando se sentou, ele estendeu a mão sobre a mesa e pegou a minha. "Eu estive pensando. Acho que é hora da Isabela encontrar seu próprio lugar."
Olhei para ele, surpresa. Era isso? Ele estava finalmente acordando?
"Mas", ele continuou, seu aperto em minha mão se intensificando, "ela está passando por um momento difícil. As memórias de Eleonora são muito fortes no antigo apartamento da família dela. Ela estava se perguntando... ela quer redecorá-lo, torná-lo novo. Ela precisa de alguma inspiração."
Meu coração afundou. Eu sabia o que estava por vir.
"Ela adora o seu órgão de perfumes", ele disse, os olhos evitando os meus. "Ela acha lindo. Ela quer usá-lo como peça central em seu novo estúdio de design. Só por um tempinho. Para... inspirá-la."
Ele queria dar a ela o último presente do meu pai para mim. A coisa mais preciosa que eu possuía.
"Não", eu disse, minha voz baixa, mas firme.
"Juliana, por favor", ele implorou. "Significaria muito para ela. Ajudaria a curá-la. É o último passo. Depois disso, ela se mudará, e poderemos ser nós de novo."
"Eu disse não, Caio."
Ele se levantou, a cadeira arrastando no chão. "É só uma mesa, Juliana! Por que você está sendo tão difícil? Depois de tudo que eu faço por ela, pela minha promessa a Eleonora, você não pode fazer essa coisinha?"
"Não é só uma mesa", eu disse, minha voz se elevando. "Era do meu pai."
"E Eleonora era o meu futuro!", ele retrucou, o rosto se contorcendo em angústia. "Eu devo isso a ela! Eu devo tudo a ela!"
A discussão era inútil. Eu estava cansada. Tão incrivelmente cansada.
"Tudo bem", eu disse, a palavra com gosto de veneno. "Faça o que quiser."
Levantei-me e fui embora, deixando-o ali em meio às gardênias e à comida gourmet. Fui para o meu estúdio, meu santuário.
Mais tarde naquela noite, fui acordada por um barulho vindo do andar de baixo. Um som de arrastar, de arrastar.
Saí sorrateiramente do meu quarto e olhei para baixo da grande escadaria.
Isabela estava lá, no hall de entrada principal, dirigindo dois carregadores. E com eles, meu órgão de perfumes. Ela estava de pé sobre ele, as mãos acariciando a madeira escura, um sorriso triunfante no rosto.
Caio também estava lá, observando da porta, sua expressão uma mistura de culpa e resignação. Ele me viu de pé nas escadas, mas não fez nada. Apenas observou enquanto eles levavam embora o último pedaço do meu coração.