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"Elisa", a voz de Caio era uma tábua de salvação na escuridão. "Você está bem? Eu estava ficando louco."
"Eu não estou bem, Caio", eu disse, as palavras saindo rachadas e secas.
"Eu vi as notícias", ele disse, sua voz baixa e irritada. "Um ataque aleatório? Besteira. Isso tem a assinatura do Franco por toda parte."
Eu fiquei em silêncio. Eu não precisava confirmar. Ele já sabia.
"Por que você me ajudou naquela hora, Caio?", perguntei, pensando no celular descartável, na forma como ele apareceu tão rapidamente.
Ele ficou quieto por um momento. "Porque eu sempre soube o que ele é, Elisa. Eu só... eu esperava estar errado. Pelo seu bem." Ele suspirou. "E porque eu te amo desde que éramos crianças. Antes mesmo de ele aparecer."
As palavras pairaram no ar entre nós. Uma vida diferente, um caminho diferente, passou diante dos meus olhos. Uma vida de afeto simples e genuíno. Era um caminho que eu não podia mais seguir.
"Caio, não estou procurando romance", eu disse, minha voz dura. "Estou procurando vingança."
Ele riu, um som curto e sem humor. "Ótimo. Porque romance é complicado. Vingança é limpa. Do que você precisa?"
"De tudo", eu disse. "Preciso saber de tudo."
Ele prometeu investigar. Ele tinha acesso. Como sócio de Franco, seu suposto melhor amigo, ele estava por dentro. Ele era a única pessoa em quem Franco confiava completamente. Outro dos erros de Franco.
Depois que desliguei, senti uma lasca de força retornar. A dormência começou a recuar, substituída por uma determinação fria e dura. Eu tinha um propósito agora.
Passei os dias seguintes me recuperando, interpretando o papel da vítima quebrada e traumatizada. Franco era uma presença constante, me cobrindo de presentes e afeto. Flores, joias, promessas de viagens luxuosas assim que eu melhorasse. Ele era o parceiro perfeito e dedicado.
Ele se sentava ao lado da minha cama, lendo meus livros favoritos, sua voz um bálsamo calmante que agora me dava arrepios. Ele me dizia o quanto me amava, como não podia viver sem mim.
E o tempo todo, eu podia sentir o perfume de outra mulher em suas roupas. Um perfume barato e enjoativo que se agarrava a ele como uma mortalha.
Uma noite, cheguei em casa de uma consulta de acompanhamento. A casa estava impregnada com o cheiro da minha comida favorita, frango assado com alecrim. A mesa estava posta para dois, com velas e uma garrafa de vinho caro.
Franco estava no escritório, gritando ao telefone. "Eu não me importo com o que for preciso! Encontrem-nos! Quero que eles sofram pelo que fizeram com ela!" Ele estava falando sobre meus agressores, os que ele contratou. A performance nunca parava.
Vi as chamadas perdidas no meu celular. Dezenas delas. Dele.
Ele me viu e seu rosto se transformou. A raiva desapareceu, substituída por um olhar de puro alívio e amor. Ele correu para mim, me puxando para um abraço apertado.
"Elisa! Eu estava tão preocupado. Você não atendeu o celular." Ele enterrou o rosto no meu cabelo, inalando profundamente. "Você é tudo que importa."
Fiquei rígida em seus braços. Eu não sentia nada.
"Onde você foi?", ele perguntou, a voz suave, mas com uma corrente de aço por baixo.
"Fisioterapia", eu disse, minha voz uniforme.
"O trabalho pode esperar", eu disse, minha voz mais fria do que eu pretendia. "Seu filho é mais importante, não é?"
Ele congelou. Apenas por um segundo. Um lampejo de pânico em seus olhos antes de ser mascarado pela mágoa.
"Elisa, como você pode dizer isso?", ele disse, a voz ferida. Ele segurou meu rosto em suas mãos. "Você é o meu mundo. Você é tudo."
Mentiroso.
"É o nosso aniversário", ele disse, a voz caindo para um sussurro. "Deixe-me cuidar de você."
Ele me levou para a mesa, me serviu o jantar e encheu minha taça de vinho. Ele falou sobre nosso futuro, sobre todas as coisas que faríamos juntos. Ele era um mestre artista, pintando um quadro lindo sobre uma tela de sujeira e mentiras.
Eu mal comi. Meu estômago era um nó apertado de nojo.
O celular dele vibrou de novo. Ele olhou, um movimento rápido e furtivo.
"Me desculpe", ele disse, levantando-se. "É uma emergência no escritório. Um servidor caiu. Eu tenho que ir." Uma mentira, outra mentira fácil e praticada.
Ele me beijou, um beijo longo e demorado que tinha gosto de cinzas. "Voltarei antes que você perceba, meu amor."
Eu o vi sair. No momento em que a porta se fechou, a máscara do marido amoroso caiu, e eu sabia que ele estava correndo para sua família de verdade.
Caio as havia instalado. Câmeras minúsculas e indetectáveis por toda a casa. Um presente de despedida de um "amigo preocupado". Liguei o monitor.
Observei o carro de Franco se afastar em alta velocidade. Rastreiei sua localização até um condomínio elegante e moderno do outro lado da cidade. Um lugar que eu nunca soube que existia.
Mudei para as câmeras que Caio conseguiu instalar lá. E eu a vi.
Karine Bastos.
Ela não era mais a assistente sem graça e apagada que eu lembrava. O dinheiro de Franco a transformou. Seu cabelo era uma juba de mechas loiras caras. Seu corpo era tonificado e esculpido por personal trainers. Ela usava um robe de seda que se agarrava às suas curvas. Ela parecia uma pessoa diferente, mas a mesma ambição venenosa estava em seus olhos.
Ela o esperava na porta.
"Você está atrasado", ela ronronou, envolvendo os braços em volta do pescoço dele. "Sua santinha preciosa te prendeu?"
Franco não a empurrou. Ele a puxou para mais perto, a mão deslizando por suas costas. "Não fale dela", ele disse, mas não havia calor em suas palavras.
"Por que não?", Karine provocou, seus dedos traçando a linha de sua mandíbula. "Com medo de que eu a contamine com a minha selvageria? É isso, Franco? Você precisa da pureza dela e do meu fogo? Você não pode ter os dois."
"Observe", ele rosnou, e a beijou, um beijo faminto e brutal que não era nada como o afeto gentil que ele me mostrava.
Léo correu para a sala então, pulando nos braços de Franco. "Papai! A mamãe disse que você ia me trazer uma surpresa!"
Franco sorriu, um sorriso genuíno e desprotegido que eu não via há anos. "Eu trouxe, campeão."
Ele tirou uma caixa do bolso. Era um console de videogame novo, de edição limitada. O mesmo que eu mencionei querer comprar para uma campanha de caridade na semana passada.
Karine riu, um som triunfante. "Ele te ama mais, viu", ela sussurrou para o menino, alto o suficiente para a câmera captar. "Não ela."
Deixei o tablet cair. Ele bateu no chão. O som ecoou na casa vazia e silenciosa. Minha casa. A casa para a qual ele voltava quando terminava de brincar de família.
Ele não tinha apenas um caso. Ele construiu uma segunda vida, uma existência completa e paralela. Ele amava a selvageria dela. Ele amava a minha pureza. Ele era um colecionador, e nós éramos suas duas posses mais preciosas e incompatíveis.
A dor foi um golpe físico, tirando o ar dos meus pulmões. Caí de joelhos, tremendo.
Ele não era apenas um mentiroso. Ele era um monstro. E eu era casada com ele. Não, nem isso. Eu era apenas uma conveniência. Um objeto bonito e puro para exibir em sua prateleira.
E eu tinha o dinheiro dele. Eu tinha a empresa dele.
Eu ia queimar o mundo dele até o chão.