No Altar com o Inimigo
img img No Altar com o Inimigo img Capítulo 3 Grilhões de ouro
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Capítulo 6 Reconhecimento de Terreno Inimigo img
Capítulo 7 Coleira invisível img
Capítulo 8 Entre Correntes e Espelhos img
Capítulo 9 O Jogo e o Limite img
Capítulo 10 À Beira do Precipício img
Capítulo 11 Fissuras no Espelho img
Capítulo 12 Desejo e Submissão img
Capítulo 13 Cordeiros e Leões img
Capítulo 14 A Herança do Silêncio img
Capítulo 15 O Veneno Doce img
Capítulo 16 Apenas uma Distração img
Capítulo 17 Jogo de Famílias img
Capítulo 18 Entre Promessa e Ameaça img
Capítulo 19 Sob o Olhar da Corte img
Capítulo 20 O Rato e a Coroa img
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Capítulo 3 Grilhões de ouro

Alessio

O salão parecia um mausoléu. Mármore frio, cortinas pesadas e o tilintar discreto das taças de cristal não conseguiam disfarçar o peso daquilo que estava prestes a acontecer. Cada gesto, cada olhar, tinha a gravidade de uma sentença.

As duas famílias estavam sentadas frente a frente, como exércitos inimigos em uma trégua frágil de uma guerra que já durava gerações. Vittorio Moretti, meu pai, ocupava o centro da mesa, imponente. Ao lado dele, Bianca mantinha o olhar frio e indiferente, embora seus olhos carregassem segredos que eu sequer ousava imaginar.

Giovanni Rinaldi, o noivo que não escolhi, mantinha-se ereto, o queixo erguido, os olhos faiscando ódio contido.

Quando Vittorio segurou a caneta e riscou o contrato, o som da ponta arranhando o papel ecoou como o disparo de uma arma. O silêncio que se seguiu não era respeito - era medo.

Nossas assinaturas vieram logo depois, meras formalidades de um acordo já decidido. Não havia escolha, nunca houve. Não para mim. A bile subiu ácida pela minha garganta, mas mantive a mão firme enquanto escrevia meu nome no documento, selando o meu destino.

Giovanni retirou sua caneta de dentro do paletó, como se recusasse a tocar em algo que tivesse passado por mãos de um Moretti. Sua assinatura foi rápida, firme, um corte preciso, e em seguida ele entregou o papel ao seu Capo.

Um a um, chefes e conselheiros assinaram. Taças se ergueram em um brinde gélido, mas nenhum sorriso era verdadeiro. Aquela não era uma celebração. Era um funeral disfarçado de acordo - todos ali sabiam que estavam enterrando o futuro junto com a última palavra escrita no contrato.

Eu observei meu pai. O sorriso dele era pequeno demais, o olhar frio demais. Não era o semblante de quem sela uma aliança - era o de um homem que prepara uma execução. Foi ali que compreendi, talvez tarde demais: Vittorio não queria unir famílias. Queria apodrecer os Rinaldi por dentro, sugar cada gota de poder até restar apenas a carcaça.

Então vieram as alianças. Mais uma farsa envenenada, servida como espetáculo. Giovanni tirou a caixa de veludo preto do paletó e a jogou sobre a mesa com força desnecessária, o impacto seco ecoando no salão. Empurrou-a na minha direção como quem marca território. Dentro, o ouro brilhava sob a luz, gravado com o brasão dos Rinaldi. Um gesto calculado. Uma marca de posse. Um aviso: você agora me pertence.

Peguei a aliança e deslizei em seu dedo. Giovanni arrancou a mão como se meu toque fosse fogo. Mas, antes que eu pudesse recuar, ele agarrou a minha. A pele dele queimava, quente, impaciente, contrastando com o frio que corria pelas minhas veias. Seu olhar prendeu-se às minhas mãos - as sardas, as cicatrizes, as marcas que carregavam mais história do que eu gostaria de lembrar.

Quando o anel fechou em torno do meu dedo, não foi ouro o que senti.

Foi ferro.

Não era promessa.

Era algema.

Senti o olhar de Giovanni me atravessar. Ele não precisava dizer nada para me deixar claro o que pensava. Ainda assim, sua voz veio, baixa, dirigida apenas a mim:

- Não se iluda, Moretti. Vocês podem ter arrancado minha assinatura, mas nunca terão a minha rendição.

O veneno em suas palavras queimou mais do que qualquer insulto aberto. Respondi com silêncio, a única arma que me restava.

Quando a cerimônia terminou, Giovanni se levantou, afastando-se de mim. Vittorio me chamou de lado. Estávamos cercados dos nossos. A mão pesada dele pousou sobre meu ombro, e o tom em sua voz baixa e carregava uma calma que me deu calafrios.

- Lembre-se, Alessio, este casamento é apenas o primeiro passo. O nome Rinaldi logo será apenas uma lembrança - e será você a chave disso.

Olhei para ele, tentando decifrar até onde ia aquela loucura. Mas ele já tinha decidido meu papel muito antes de eu perceber.

- Você vai dormir ao lado dele - continuou, sem espaço para recusa. - Vai conquistar a confiança dele. Cada palavra que Giovanni soltar, cada segredo que escapar, você trará para mim.

Engoli a raiva, o choque, o desespero. Mais uma vez aprendi que, no mundo que meu pai governa, não há espaço para escolha. Só para sobrevivência. Meus olhos me trairam e foram de encontro a ele. Giovanni. Ele me olhava com intensidade, seus olhos faiscando como se pudessem atravessar a muralha de silêncio que eu tentava erguer dentro de mim. Havia algo ali - orgulho, raiva, talvez uma fagulha de curiosidade. Eu não sabia. Mas soube, naquele instante, que meu pai subestimava a força que pulsava naquela família. Subestimava aquele homem.

Senti o peso do contrato recém-assinado queimando em minhas mãos, como grilhões invisíveis. As taças tilintaram ao fundo, brindes falsos celebrando uma união que mais parecia sentença.

Meu pai ainda falava, a voz grave ecoando como uma ordem irreversível, mas já não ouvia nada além da batida acelerada do meu próprio coração. Eu não via Giovanni como um alvo. Não ainda. Eu o via como um precipício: um passo em falso, e eu cairia para sempre.

Quando a reunião terminou, fomos deixados sozinhos por um instante. Ninguém ousava se aproximar de nós, dois herdeiros condenados a se devorar sob o disfarce de um matrimônio.

Uma guerra travada no silêncio da cama, e eu era a arma escolhida por Vittorio.

Meu estômago revirou quando ouvi a voz dele, baixa, cortante:

- Parece que não está feliz, Alessio. Deve ser duro assinar a própria sentença ao lado de um estranho.

Engoli em seco. Cada palavra dele era um veneno calculado. Eu queria responder, cuspir a verdade na cara dele - que sim, era uma sentença, que eu me sentia vendido, usado como moeda de troca. Mas não podia. Não devia. A disciplina que anos de treinamento me impuseram dizia: silêncio é a arma mais afiada.

Levantei o queixo, sustentando o olhar dele. Não para enfrentá-lo de verdade, mas para mostrar que não sou a presa fácil que ele imagina.

Giovanni sorriu baixo.

- Então, Alessio Moretti... espero que saiba dançar bem. Porque nesse jogo, um passo em falso pode custar a vida.

Minha respiração falhou por um instante. Eu sabia dançar, sim - só não sabia se seria com ele ou contra ele. Mas havia algo na forma como ele me observava que me desmontava por dentro. Temia que ele me visse. Além da máscara, além da frieza que eu lutava para manter.

Me inclinei em sua direção, perto o suficiente para sentir seu perfume. Tudo nele gritava domínio e calor. Um tipo que parecia grudar na pele minha pele. Algo dentro de mim alertava que eu precisava me afastar, que mais um passo e eu não saberia como me libertar, mas me mantive firme.

- Então... vamos começar esse "jogo" - ouvi minha própria voz dizer, firme, mas baixa demais. - Quero ver se você consegue acompanhar.

Estávamos próximos demais, quase de uma maneira que poderia ser considerada inadequada para o salão em que estávamos.

- Não se engane - minha voz apenas um murmúrio, ele se inclinou em minha direção, talvez para ouvir melhor, talvez para me intimidar. Não soube dizer - Nem tudo aqui é só aparência.

Me forcei a desviar a atenção dele, ajustei a manga da minha roupa. Mas Giovanna fechou s distância entre nós. E por um instante não soube como reagir.

Por um instante, eu quis acreditar que Giovanni era só meu inimigo. Seria mais fácil. Mas quando nossos olhares se prenderam de novo, percebi a verdade incômoda: havia algo em mim que respondia àquela proximidade. Algo que me atraía para o abismo.

- Cuidado, Alessio - seu tom ela baixo, quase íntimo. - Porque nesse jogo, eu também sei jogar... e às vezes, jogo para chegar mais perto do que o esperado.

Giovanni não queria apenas me destruir. Ele queria me desmontar por dentro, peça por peça, até que eu não soubesse mais onde terminava a disciplina e começava o desejo.

E eu, maldito que fosse, não sabia se teria forças para resistir.

            
            

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