Alessio pegou a aliança e, com calma demais para ser sincera, colocou-a em meu dedo. Senti o toque. Queimava. Não pelo calor da pele dele, mas pela lembrança do que representava: unir sangue inimigo ao meu. Retirei a mão rápido demais, mas a reação me traiu. Por um instante, pareceu que fugir do toque dele custava mais esforço do que deveria.
Antes que pudesse pensar, agarrei a mão dele. Fria. Pálida. Coberta de sardas e cicatrizes que não combinavam com o filho de Vittorio Moretti. Passei o olhar devagar, e por um segundo me perdi na ideia de quem ele era de verdade por trás da máscara herdada do pai.
Então deslizei o anel em seu dedo. O ouro se fechou sobre a pele dele como corrente. Uma parte de mim gostou de ver a algema brilhar ali - sinal de domínio. Outra parte, silenciosa e inconveniente, se perguntou quem dos dois estava sendo acorrentado de fato.
O olhar de Alessio me buscava, mas eu não precisava de palavras para entender o que ele carregava nos ombros. Hesitação, medo, talvez até vergonha. Era um peso que o tornava frágil diante de mim. E fragilidade, naquele salão, era quase uma sentença de morte.
Inclinei o corpo, apenas o suficiente para que minha voz chegasse a ele, firme, cortante, sem chance de ser ignorada.
- Não se iluda, Moretti. Vocês podem ter arrancado minha assinatura, mas nunca terão a minha rendição.
Vi o veneno atingi-lo. Fixei meus olhos nele: o rosto salpicado de sardas, o cabelo ruivo que parecia vibrar, flamejante, como o fogo em seus olhos - fogo que ele tentava, inutilmente, sufocar.
Ele não respondeu. O silêncio foi sua defesa.
Mas silêncio também fala.
E o dele soava como submissão forçada.
A cerimônia se arrastou como um funeral. Taças se ergueram, brindes vazios, olhares carregados de ódio disfarçado. Eu suportei em silêncio, ereto, como um soldado que sabe que já entrou na guerra. E quando o último nome foi riscado, levantei-me, afastando-me dele sem olhar para trás. Melhor assim.
Mas mesmo longe, meus olhos captaram a cena. Vittorio, com sua mão pesada no ombro do filho. A voz baixa, mas firme, tão venenosa quanto qualquer lâmina. Eu não precisava ouvir cada palavra para entender o que era exigido ali. O modo como Alessio endureceu, como engoliu em seco, como desviou os olhos para mim por um instante... entregava tudo.
Vittorio não queria uma aliança. Queria uma arma. E a arma tinha rosto, sardas e um olhar que oscilava entre a revolta e a resignação.
Quando nossas atenções se cruzaram de novo, percebi algo que talvez o próprio Alessio ainda não tivesse entendido: ele não era o predador que o pai acreditava estar forjando. Ele era a isca. Jogada na minha frente para que eu baixasse a guarda, para que me aproximasse, para que cedesse.
Tolice.
Um Moretti nunca faria um Rinaldi ajoelhar.
E, ainda assim, havia algo nele que me desconcertava. Uma inquietação mal contida, um lampejo de verdade por trás da máscara que Vittorio colocara em seu filho. Não era ódio puro o que vi. Era algo mais perigoso. Algo que me fez sentir que, se não tivesse cuidado, esse jogo não terminaria com a queda dele. Mas com a minha.
Quando o salão se esvaziou e ficamos sozinhos por um instante, o peso do contrato não parecia ouro no dedo. Parecia ferro. Corrente. Prisão.
Nós dois sabíamos: aquele casamento não unia famílias.
Nos condenava.
E ali, diante de Alessio Moretti, percebi a ironia cruel do destino. A cama que nos esperava não seria leito de alianças. Seria campo de batalha.
E eu não estava disposto a perder.
Os olhos de Alessio encontraram os meus, e por um instante jurei ver algo quebrar em sua máscara de frieza. Raiva, talvez. Ou desespero. Mas foi rápido demais, como uma lâmina que reluz sob a luz antes de ser embainhada de novo.
Senti meu estômago revirar. Desde o início eu sabia que este casamento não era sobre união, mas sobre domínio. Meu pai tentou se convencer de que seria o caminho para a paz, mas paz nunca nasce de contratos de ferro.
- Parece que não está feliz, Alessio - minha voz saiu baixa, cortante, mas carregada de ironia. - Deve ser duro assinar a própria sentença ao lado de um estranho.
Ele não respondeu de imediato. Apenas sustentou meu olhar, como se houvesse algo que ele quisesse dizer, mas estivesse proibido de pronunciar.
E foi nesse silêncio que senti o perigo. Não dele, mas da teia em que ambos estávamos presos. Uma teia tecida pelos nossos pais, onde cada palavra podia virar arma.
"Confie, mas nunca totalmente", ecoou a lição de infância que meu tio sempre repetia.
Levantei o queixo, não para confrontá-lo, mas para deixá-lo saber: eu não seria a presa fácil que eles esperavam.
- Então, Alessio Moretti - forcei um meio sorriso, um veneno delicado entre os lábios - espero que saiba dançar bem. Porque nesse jogo, um passo em falso pode custar a vida.
Os olhos dele vacilaram de novo, e foi aí que entendi: Alessio escondia algo. Não apenas a raiva de ser usado, mas um segredo. Um segredo que talvez eu precisasse arrancar dele, antes que fosse tarde demais.
Ainda mantinha o corpo rígido, mas senti uma sombra de hesitação nos olhos de Alessio. Era quase imperceptível - um tremor discreto nos cantos da boca, um leve recuo do ombro antes de sustentar minha presença. Cada gesto dele me dizia: cuidado, não se engane, ele não é apenas um adversário. Ele permanecia em silêncio ao meu lado, e isso me incomodava de uma maneira inexplicável.
- Você sempre olha assim para todos, ou é comigo que decidiu testar sua paciência? - minha voz saiu mais baixa, quase um sussurro, mas carregada de provocação.
Alessio piscou, talvez surpreso pela ousadia, talvez irritado. Mas não respondeu imediatamente. E esse silêncio era mais revelador do que qualquer palavra. Uma fraqueza sutil, escondida entre camadas de orgulho e frieza.
Ele se inclinou levemente para frente, apenas o suficiente para que eu percebesse o cheiro dele - uma mistura de colônia e ferro frio, como se estivesse sempre pronto para uma batalha. Mas por trás disso, algo quebrado, escondido, pedindo para ser descoberto.
- Então... vamos começar esse "jogo" - murmurou Alessio, erguendo o queixo com uma altivez que me impressionou. A voz era firme, mas carregava um tremor quase imperceptível. - Quero ver se você consegue acompanhar.
E naquele instante, soube que o confronto não seria apenas de famílias ou contratos. Seria pessoal. Muito pessoal. E eu queria ver até onde ele iria - e quanto dele estava disposto a mostrar.
Alessio se aproximou mais do que o necessário, mas não ousou cruzar a distância mínima que a etiqueta impunha. Apenas o suficiente para que eu sentisse o calor dele, o sutil odor da colônia misturado a algo mais... humano.
Meu corpo reagiu antes da mente - um arrepio percorreu minha espinha. Tentei me afastar, mas meus pés não obedeceram totalmente. Ele sorriu, um meio sorriso que não chegava aos olhos, mas carregava uma promessa silenciosa: cuidado, eu também sei jogar.
- Não se engane - murmurou, e a voz baixou quase a ponto de eu precisar inclinar o ouvido para ouvir. - Nem tudo aqui é só aparência.
O tremor imperceptível em sua mão, quando ajustou a manga do terno, chamou minha atenção. Algo dentro dele tentava se conter, e eu sabia exatamente o que isso significava: uma luta entre o orgulho e o que ele queria mostrar.
Um impulso me fez inclinar um pouco mais para frente, fechando uma fração da distância entre nós. Alessio manteve o olhar firme, mas por um instante, uma sombra de dúvida passou pelos seus olhos. Era rápido, quase impossível de perceber... mas suficiente para que meu coração desse um salto. Sua respiração quente tocou minha pele.
E então, em silêncio, percebi algo que nenhum contrato ou ameaça poderia apagar: Alessio não era apenas inimigo. Ele era alguém quebrado, carregando cicatrizes invisíveis. Pequenos pontos fracos a serem explorados.
- Cuidado, Alessio - murmurei, com um sorriso que escondia tanto provocação quanto curiosidade. - Porque nesse jogo, eu também sei jogar... e às vezes, jogo para chegar mais perto do que o esperado.
Ele engoliu seco, e por um segundo, a frieza se quebrou, deixando escapar apenas uma faísca de vulnerabilidade. Uma faísca que eu mal podia esperar para acender.