O despertar de uma mulher desesperada
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Capítulo 8

A figura de um empregado se materializou na minha porta. "A senhorita Armstrong deseja uma sobremesa. O senhor Martin deu ordens para que você a prepare. Imediatamente."

Fiquei encarando o gesso do teto por um instante que se arrastou. Ele sempre cedia a qualquer desejo dela, independente do nível de crueldade ou do absurdo que representasse.

Um suspiro pesado escapou dos meus lábios, trazendo o gosto azedo da mágoa, e, em silêncio, deslizei para fora da cama.

No caminho, ao passar pela sala, escutei o som alto das gargalhadas dos dois, que estavam entretidos com algum filme.

"Coitada dela", Kylee comentou, sua voz escorrendo uma compaixão fingida. "O esposo a está traindo, e a amante faz da vida dela um inferno. Que situação terrível."

Em resposta, Evertt sussurrou palavras doces e tranquilizadoras para ela.

Esse tom de voz tão carinhoso que ele reservava para ela sempre me acertava como um golpe.

Caminhei até a cozinha e, no piloto automático, passei a combinar os ingredientes. Os hematomas nos meus pulsos latejavam dolorosamente.

Coloquei o tiramisu bem na frente de Kylee.

Ela analisou o doce e fez uma careta. "Perdi a vontade de comer tiramisu. Agora quero um crème brûlée."

Dei as costas e retornei para a cozinha sem falar absolutamente nada.

Escutei o riso de vitória dela e o sussurro afetuoso de Evertt. Apenas fechei a porta da cozinha atrás de mim.

Minutos depois, levei o crème brûlée. Como esperado, ela, de novo, já não o queria mais.

A situação se arrastou por quase uma hora e foram dez tipos de doces. A cada um, ela inventava um novo motivo para não aceitar.

Durante todo esse circo, Evertt permaneceu sentado, observando o tormento dela contra mim, com um sorriso complacente.

Por fim, ela bocejou e anunciou que, na verdade, havia decidido que queria o primeiro tiramisu.

Retornei para a cozinha e montei a primeira sobremesa mais uma vez.

Servi o doce para ela.

Ela levou uma porção minúscula à boca e a cuspiu de um jeito teatral. "Está pavoroso! Quer me envenenar?"

Ela se pôs de pé e arremessou a sobremesa inteira em cima de mim.

O creme e a massa sujaram completamente meu rosto e meu cabelo. Um pedaço de manga bateu seco na minha clavícula.

Puxei o ar, pronta para responder, mas a voz de Evertt me atravessou.

"Os hormônios de Kylee estão uma completa bagunça", ele justificou, em um tom de desprezo, e me encarou.

Ao ver que eu estava coberta de doce, ordenou com o rosto crispado de raiva: "Vá se limpar."

Ele passou o braço ao redor de Kylee e a acompanhou para o segundo andar, sem nem olhar na minha direção.

Fui abandonada na sala, o creme melado descendo pelo meu rosto. A cena era tão ridícula que quase me fez rir.

Abri a torneira e esperei a banheira se encher com uma água quase fervente.

Esfreguei a pele com força, tentando apagar a humilhação, a lembrança do toque dele e o rastro do perfume dela.

Encarei meu reflexo na superfície da água. A mulher que me olhava de volta era um fantasma. A Helen que um dia amou Evertt Martin não existia mais - ela morreu com cada uma das mentiras naquele porão gelado, e continuava a morrer um pouco mais a cada nova crueldade que acontecia nessa casa.

Assim que o dia amanheceu, coloquei a roupa mais simples que encontrei e saí de casa sozinha.

Meu primeiro destino foi o parque de diversões onde Evertt havia me pedido em casamento. Até comprei o ingresso, mas parei logo na entrada, observando as famílias felizes. No fim, piquei o ingresso em mil pedacinhos e os joguei no lixo.

Em seguida, fui para a cafeteria do nosso primeiro encontro. Pedi o que antes era a minha bebida preferida, um latte de caramelo. Bastou um gole para que eu afastasse a xícara - era doce demais, a ponto de enjoar.

Será que meus gostos haviam mudado, ou era apenas a lembrança que já não trazia mais doçura?

Continuei andando pelas ruas conhecidas, onde cada esquina escondia uma recordação que eu agora precisava apagar.

Por último, meus pés me levaram até o templo da montanha, o mesmo lugar em que, um dia, eu havia rezado pelo relógio.

Fui subindo os degraus de pedra, um de cada vez.

O monge que liderava o templo me reconheceu. Havia no seu olhar uma tristeza profunda e sábia.

"Qual a sua prece de hoje, minha filha?", ele me perguntou.

"Vim rezar por mim", eu respondi.

Ele me deu um pequeno talismã de madeira polida. "O que foi perdido pode ser encontrado de novo, mas existem coisas que, mesmo depois de encontradas, precisam ser abandonadas."

Segurei o amuleto com força, sentindo uma tranquilidade imensa me preenchendo por dentro.

Na descida da montanha, coloquei o novo amuleto no pescoço. Tirei do bolso os restos queimados e quebrados do relógio e os soltei para que se espalhassem com o vento.

Enquanto os fragmentos sumiam de vista, senti um peso saindo de dentro de mim.

Cheguei de volta à mansão quando a noite já havia caído.

A luz do meu celular mostrava o brilho da contagem regressiva.

Só mais um dia.

Deslizei o dedo suavemente pela tela. Amanhã, eu finalmente seria livre...

                         

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