O aroma rico deveria ter sido reconfortante, mas revirou meu estômago. Eu sabia exatamente de onde vinha aquela sopa. Na visão do casarão, eu tinha visto Isabela embalá-la. Eu a ouvi dizer a Ricardo: "Ele é um Alfa em crescimento, precisa comer. Não se preocupe, vou levar o resto para a loba doente. Ela não vai saber a diferença."
A loba doente.
Aos olhos dele, eu nem era mais sua Luna. Eu era menos que uma Ômega, digna apenas das sobras do filho bastardo dele.
A humilhação era uma coisa quente e afiada, e fez com que a Essência de Acônito em meu sangue surgisse com força. Uma onda de náusea subiu pela minha garganta, violenta e incontrolável. Saí da cama às pressas, minhas pernas fracas tremendo, e tropecei no banheiro anexo, desabando na frente do vaso sanitário.
Eu vomitei, meu corpo convulsionando enquanto eu colocava para fora a pouca água que havia bebido naquele dia. Parecia que eu estava tossindo minha própria alma, cada ânsia mais dolorosa que a anterior, até que manchas de sangue pontilharam a porcelana da tigela.
"Catarina!" A voz de Ricardo estava cheia de alarme do outro lado da porta. Ele sacudiu a maçaneta. "Catarina, você está bem? Deixe-me entrar!"
Sua atuação era impecável. O Companheiro preocupado, desesperado para ajudar sua Luna doente. Eu queria gritar, dizer a ele que monstro ele era, mas eu só conseguia engasgar e cuspir, o veneno queimando meu esôfago.
Ele continuou a bater, seus chamados ficando mais frenéticos. Eu o ignorei, descansando minha testa contra o azulejo frio do chão, esperando a náusea passar.
Eventualmente, as convulsões diminuíram, deixando-me fraca e tremendo. Consegui me arrastar de volta para a cama, puxando o cobertor fino até o queixo. O acônito havia desencadeado uma febre violenta. Meu corpo estava em chamas, minha mente à deriva em uma névoa de dor. Fechei os olhos, deixando a escuridão me levar.
Algum tempo depois, voltei à consciência, mas mantive os olhos fechados e a respiração regular. Eu podia ouvir vozes no quarto. Eram Ricardo e o Dr. Breno.
"A condição dela está piorando, Alfa," disse Breno, seu tom sombrio. "Sua força vital está... se esvaindo. Não acho que ela chegue à próxima lua cheia."
Houve uma longa pausa. Esperei que Ricardo mostrasse algum sinal de dor, algum lampejo de sofrimento através do nosso Laço de Companheiros enfraquecido.
Não houve nada. Apenas um silêncio frio e calculista.
"E a Flor da Lua?" Ricardo finalmente perguntou.
"Como você ordenou, está sendo preparada para a mãe de Isabela," Breno respondeu, uma pitada de desaprovação em sua voz. "Mas Alfa, sem ela..."
"Vou dizer à alcateia que Renegados invadiram e a roubaram durante a noite," disse Ricardo, sua voz plana e desprovida de emoção. "É uma tragédia, mas essas coisas acontecem."
Meu sangue gelou. Ele tinha tudo planejado. Minha morte seria uma 'tragédia' que ele poderia usar para ganhar a simpatia da alcateia.
"Eu cuidei dela por três anos," Ricardo continuou, sua voz endurecendo. "Dormi em um catre ao lado de sua cama. Alimentei-a com minhas próprias mãos. Paguei minha dívida com os pais dela. Ninguém pode dizer que não fiz tudo o que podia pela minha Companheira de destino."
As palavras não eram para Breno. Eram para si mesmo. Uma justificativa para o assassinato.
Ele não era apenas um traidor. Ele era um monstro, esperando pacientemente que eu morresse para que ele pudesse ser livre. A febre ardia, mas por dentro, meu coração havia se transformado em gelo. Ele achava que eu era uma loba fraca e moribunda. Ele não fazia ideia da tempestade que tinha acabado de despertar.