PONTO DE VISTA DE CATARINA:
Na manhã seguinte, sob o pretexto de precisar de ar fresco, pedi ao guerreiro de maior confiança da minha tia, um homem silencioso chamado Marcos, que me buscasse. Saí do centro de cura sem dizer uma palavra a ninguém.
Dirigimos até a casa dos meus pais, o casarão do Alfa em que eu não punha os pés há três longos anos. Ao subir a longa alameda de carvalhos, meu coração doeu. Este lugar deveria ser meu santuário, meu legado. Agora, era apenas uma cena de crime, manchada pela traição.
Lá dentro, o ar estava viciado. Passei a mão pela poltrona favorita do meu pai, lembrando como ele me deixava sentar em seu colo e me contava histórias dos grandes Alfas. Entrei na cozinha e quase pude sentir o cheiro da famosa torta de frutas vermelhas da minha mãe. Lágrimas que eu não sabia que ainda tinha começaram a escorrer pelo meu rosto. Chorei por eles, pelo amor que me deram. Chorei por mim mesma, por falhar em proteger tudo o que eles haviam construído.
Antes de vir, eu já havia me conectado mentalmente com minha tia. Eu lhe disse minha decisão. Eu estava vendendo a casa. Não suportaria viver em um lugar tão completamente profanado. Ela cuidaria da transferência através dos anciãos da alcateia, vendendo-a por um preço baixo para o fundo público da alcateia. Eu não queria nada dela, a não ser estar livre de sua memória.
Passei horas empacotando as poucas lembranças preciosas que queria guardar: o medalhão da minha mãe, o diário do meu pai, uma fotografia de nós três rindo sob o sol de verão.
Quando eu estava carregando a última caixa para a porta, um carro freou bruscamente na entrada. Era Ricardo.
Ele saltou, o rosto uma máscara de preocupação frenética. "Catarina! Meu Deus, eu estava tão assustado. Você não estava no centro, não estava respondendo à sua conexão... Eu pensei..."
Ele correu para frente e me envolveu em seus braços. O cheiro dele, misturado com o perfume persistente de Isabela, era nauseante. Seu toque parecia mil aranhas rastejando na minha pele.
Com uma onda de adrenalina que eu não sabia que possuía, eu o empurrei para longe. A força do empurrão nos surpreendeu a ambos. Ele tropeçou para trás, os olhos arregalados de choque. O esforço me causou uma onda de tontura, e minhas pernas tremeram.
"Não me toque," eu disse, minha voz perigosamente baixa.
Ele pareceu sentir a mudança em mim, a nova dureza em meus olhos. Ele rapidamente mudou de tática, sua expressão suavizando para uma de mágoa. "Eu só estava preocupado. Eu trouxe algo para você... para o seu aniversário."
Ele enfiou a mão no bolso e tirou uma caixa de veludo. Ele a abriu para revelar o colar de pedra da lua. O mesmo que eu o tinha visto colocar no pescoço de Isabela na minha visão.
A audácia daquilo me tirou o fôlego.
"Eu não quero," eu disse, minha voz plana.
Virei-me para sair, mas ele agarrou meu braço. "Catarina, o que há de errado? Fale comigo."
Parei e o encarei nos olhos. Toda a pretensão, toda a fraqueza, desapareceu.
"Eu tenho uma pergunta para você, Ricardo," eu disse, minha voz fria como um túmulo de inverno. "Se eu morresse... se o veneno finalmente me levasse... você sequer sentiria o Laço de Companheiros se romper? Ou você apenas ficaria aliviado?"
Ele me encarou, completamente atordoado, a boca ligeiramente aberta. Por um segundo, vi a verdade em seus olhos: alívio. Então, a máscara estava de volta no lugar.
"Como você pode perguntar isso?" ele sussurrou, a voz embargada de falsa emoção. "Você é tudo para mim. A ideia de te perder... isso me destruiria."
Ele mentiu. E naquele momento, eu soube que ele não estava apenas quebrando nossos votos. Ele estava tentando me quebrar. Mas ele estava prestes a descobrir que eu era feita de algo muito mais forte do que ele jamais imaginou.