No dia em que Clara recebeu alta, ela voltou para a casa que haviam construído juntos. Parecia estranha, fria. O ar estava denso com o fantasma de seu relacionamento morto. Sem uma palavra para os funcionários, ela começou a purgar sua vida dele. Tirou as fotos deles, guardando-as em uma caixa que rotulou "Erros". Jogou fora as velas com cheiro de gardênia que ele sempre comprava para ela. Apagou o número dele do celular, embora o soubesse de cor. Cada item descartado era uma pequena e satisfatória ruptura.
Ela estava no meio de ensacar a coleção de ingressos de cinema que guardavam desde o primeiro encontro quando a porta da frente se abriu. Fernando estava de volta. E ele não estava sozinho.
Helena Corrêa estava apoiada nele, parecendo pálida e frágil. Ela usava um delicado roupão de seda, e seu cabelo estava artisticamente despenteado. Quando viu Clara cercada por caixas e sacos de lixo, seus olhos, longe de serem fracos ou doentios, continham uma centelha de triunfo indisfarçado.
"O que você está fazendo?" Fernando perguntou, a testa franzida em confusão ao olhar para os restos desmontados de sua vida juntos.
"Limpando," Clara respondeu, sua voz monótona. "Me livrando de coisas que não preciso mais."
Fernando não insistiu no assunto, sua atenção já se voltando para a mulher agarrada ao seu braço. "Helena precisa de um lugar tranquilo para se recuperar," ele anunciou, não pediu. "Os médicos disseram que o estresse é a pior coisa para a condição dela. Ela vai ficar aqui."
Ele levou Helena até o sofá, acomodando-a contra as almofadas como se ela fosse feita de vidro. Helena olhou para Clara, sua expressão uma mistura perfeita de desculpa e desamparo, mas seus olhos eram afiados e desafiadores. Era uma declaração de posse. Esta era a casa dela agora. O homem dela.
Clara não sentiu nada. A raiva e a dor haviam se esgotado, deixando para trás uma calma congelada. "Tudo bem," ela disse, voltando-se para suas caixas. "A casa é sua."
Fernando pareceu aliviado com sua falta de protesto. "Obrigado, Clara. Eu sabia que você entenderia." Ele então se virou para a governanta. "Maria, por favor, prepare o quarto de hóspedes no andar de baixo para a Sra. Corrêa. Deixe-o confortável."
Clara não os observou. Ela continuou seu trabalho calmamente, movendo-se pela casa como um fantasma, apagando sistematicamente sua própria existência de suas paredes. Os dias seguintes foram um tipo especial de tortura. Ela se tornou uma espectadora invisível em sua própria casa, observando o homem com quem deveria ter se casado mimar outra mulher.
Ele descascava frutas para Helena, certificando-se de cortá-las em pedaços pequenos e fáceis de manusear. Lia para ela por horas, sua voz um murmúrio baixo e calmante que costumava ser reservado para as noites insones de Clara. Ele monitorava sua medicação, se preocupava com suas refeições e a abraçava quando ela fingia um momento de fraqueza. A ternura que antes fora exclusivamente dela agora estava em exibição pública, prodigalizada em sua substituta. Era um envenenamento lento e deliberado de cada boa memória que eles já haviam compartilhado.
Enquanto arrumava as coisas, ela encontrou uma pequena almofada bordada. "F + C Para Sempre." Um presente de sua avó. Ela a segurou por um momento, depois a jogou em um saco de lixo sem pensar duas vezes. O para sempre durou dez anos.
Seu único consolo era Marmelada, o gato laranja fofo que Fernando lhe dera de aniversário cinco anos atrás. Ele era sua sombra, uma presença quente e ronronante na casa fria e vazia. Quando ela chorava, ele roçava a cabeça em sua mão. Quando ela não conseguia dormir, ele se aninhava em seu peito, uma âncora peluda na tempestade.
Uma tarde, um pacote chegou. Era Marmelada, finalmente de volta do veterinário após uma limpeza dentária de rotina. Ver seu rosto familiar, ouvir seu miado feliz, foi o primeiro calor genuíno que Clara sentiu em semanas. Ela o pegou nos braços, enterrando o rosto em seu pelo macio. Por um momento, ela sentiu um lampejo da mulher que costumava ser.
Andando pelo corredor com Marmelada nos braços, ela encontrou Helena, que estava a caminho da cozinha. Os olhos de Helena imediatamente se fixaram no gato.
"Oh, que coisinha fofa," Helena arrulhou, sua voz doentiamente doce. "Posso segurá-lo?"
"Não," Clara disse secamente, segurando Marmelada com mais força. "Ele não gosta de estranhos."
Um lampejo de irritação cruzou o rosto de Helena antes de ser substituído por um beicinho. "Ah, por favor? Estou tão sozinha e triste. Uma bolinha de pelos me animaria." Ela estendeu as mãos.
Clara deu um passo para trás. "Eu disse não."
O beicinho de Helena se transformou em um escárnio. Ela avançou, tentando arrancar o gato dos braços de Clara. Marmelada, assustado e com medo, sibilou e deu uma patada, arranhando a mão de Helena com suas garras. Foi um arranhão superficial, mal quebrando a pele.
"Ai!" Helena gritou, cambaleando para trás como se tivesse levado um tiro. Ela agarrou a mão, seu rosto se contorcendo em uma máscara de dor e terror.
Fernando veio correndo ao som de seu grito. "O que aconteceu? Helena, você está bem?"
"O gato!" Helena soluçou, mostrando a mão, onde uma pequena gota de sangue estava se formando. "Ele me atacou! Ele simplesmente pulou em mim sem motivo!"
"Isso é mentira!" Clara exclamou. "Você tentou agarrá-lo!"
O olhar de Fernando endureceu enquanto olhava do rosto banhado em lágrimas de Helena para o rosto desafiador de Clara. Seus olhos pousaram no pequeno arranhão na mão de Helena.
"Ela está doente, Clara," ele disse, sua voz perigosamente baixa. "O sistema imunológico dela está comprometido. Qualquer infecção pode ser fatal." Ele pegou gentilmente a mão de Helena, examinando a ferida minúscula como se fosse um ferimento mortal. "Não podemos ter um animal feroz nesta casa."
"Ele não é feroz! Ela o provocou!" Clara implorou, seu coração afundando.
Helena soltou outro soluço. "Eu só queria fazer carinho nele, Fernando. Eu pensei... pensei que talvez ele pudesse ser meu amigo, já que não me resta muito tempo." Ela olhou para o gato com terror fingido. "Estou com medo dele agora."
Isso foi tudo o que precisou.
"É só um gato, Clara," Fernando disse, seu tom desdenhoso e frio. "O bem-estar da Helena é mais importante. Ela quer o gato. Será seu companheiro pelo tempo que lhe resta." Ele se aproximou e, antes que Clara pudesse reagir, arrancou Marmelada de seus braços.
"Não!" Clara gritou, avançando para ele.
Ele entregou o gato assustado e se contorcendo para uma Helena triunfante. "Pronto, pronto, garotinho," Helena arrulhou, sua voz pingando falsa doçura enquanto acariciava seu pelo.
"Me devolva ele, Fernando! Ele é meu!" Clara chorou, sua voz falhando.
"Não seja infantil," Fernando retrucou, parando entre ela e Helena. "É para o bem de todos. Realizar um de seus últimos desejos é o mínimo que podemos fazer."
Ele se virou e começou a levar Helena embora, que agora abraçava Marmelada com força, um sorriso cruel e vitorioso no rosto que apenas Clara podia ver. O gato se debatia em seu aperto, soltando um miado angustiado.
Clara sentiu um pavor gelado tomar conta dela. Ela não podia deixar isso acontecer. Esperou até que Fernando estivesse no banho naquela noite. A casa estava silenciosa. Ela foi sorrateiramente até o quarto de Helena, o coração batendo forte. Ela tinha que pegar seu gato de volta.
A porta estava entreaberta. Ela espiou para dentro, e o que viu fez seu sangue gelar.