"Ele se foi," Fernando disse secamente. "Não se preocupe, eu te compro um novo. Um gatinho. A raça que você quiser."
Um novo. Como se Marmelada fosse um brinquedo quebrado que pudesse ser facilmente substituído. O gato que ele lhe dera em seu vigésimo quinto aniversário. O gato que ele segurara em seu rosto, ronronando, e declarara: "Agora somos uma família de três." O gato cujo único crime foi ser amado por ela.
Uma dor aguda e insuportável atravessou o peito de Clara. Ela não conseguia respirar. Lágrimas de pura e quente agonia escorriam de seus olhos. Ele havia matado uma parte dela, uma parte viva e respirante de sua família, tudo para apaziguar os caprichos de uma mentirosa manipuladora.
"Como você pôde?" ela sussurrou, as lágrimas a sufocando. "Como você pôde?"
Fernando, sempre pragmático, viu suas lágrimas não como um sinal de luto, mas como um inconveniente. Ele pegou uma tigela de canja da mesa de cabeceira. "Você precisa comer," ele disse, sua voz desprovida de emoção. "Você está desacordada há um dia."
Ele levou uma colher aos lábios dela. A visão dele, tão calmo, tão indiferente depois do que fizera, fez seu estômago revirar.
"Fique longe de mim," ela sibilou, seu luto se transformando em repulsa violenta.
"Clara, pare com isso," ele disse, sua voz endurecendo com impaciência.
"Eu disse para ficar longe!" Ela deu um tapa na colher, afastando-a de seu rosto. A tigela caiu no chão, espirrando canja quente pelos azulejos brancos e em seus sapatos caros.
O rosto de Fernando escureceu. Por um segundo, ela viu a máscara escorregar, revelando a raiva e a frustração cruas por baixo. "Por que você tem que ser tão difícil?" ele rosnou. "Por que você não pode simplesmente ser compreensiva uma vez na vida? Helena é quem está doente! Ela é quem está sofrendo! Tudo o que você faz é causar problemas!"
As palavras a atingiram com a força de um golpe físico. Aos olhos dele, ela era o problema. Sua dor, seu luto, sua recusa em aceitar suas traições silenciosamente - tudo era um inconveniente para ele e seu grande e trágico caso de amor.
Nesse momento, Helena apareceu na porta, parecendo pálida e segurando um buquê de flores. "Fernando? Está tudo bem? Ouvi gritos." Ela olhou para a bagunça no chão, depois para Clara, seus olhos arregalados com falsa preocupação. "Oh, Clara, você está bem? Sinto muito pelo seu gato. Eu disse ao Fernando para não ser tão precipitado..."
A raiva de Fernando se dissipou no momento em que a viu. "Está tudo bem, Helena. Não é sua culpa. Clara está apenas... chateada."
Helena deslizou para dentro do quarto. "Eu vou fazer uma viagem," ela anunciou, sua voz suave. "Os médicos disseram que meu tempo é curto, e eu quero ver o mundo. Paris, Roma, as cerejeiras no Japão... Eu quero ver tudo antes de ir." Ela olhou para Fernando, seus olhos suplicantes. "E eu quero que você venha comigo, Fernando. Por favor."
Clara observou enquanto Fernando hesitava por um breve momento. Ele olhou para Clara, um lampejo de dever lutando com seu desejo.
Helena, sentindo sua hesitação, jogou sua carta na manga. "Clara deveria vir também," ela sugeriu, sua voz pingando falsa magnanimidade. "Será uma chance para todos nós... nos conectarmos. Para criar algumas memórias finais e felizes juntos."
Foi um movimento cruel e brilhante. Não era um convite; era uma punição. Uma exibição contínua e pública de sua vitória e da derrota de Clara.
E Fernando, o tolo, caiu completamente. "Essa é uma ideia maravilhosa," ele disse, seu rosto se iluminando. "Nós todos iremos juntos." Ele se virou para Clara, seu tom agora de comando. "Você vem conosco."
"Não," Clara disse, sua voz um monotono morto.
"Você vai," ele insistiu, agarrando seu braço novamente. "Você precisa de uma mudança de cenário. Vai ser bom para você."
Não era um pedido. Ele a forçou a sair do hospital, a forçou a entrar em seu jato particular e a forçou a assistir enquanto ele e Helena encenavam sua história de amor através dos continentes.
Ela sentou-se no banco de trás do carro enquanto eles passavam por Paris, observando Fernando apontar os pontos turísticos para Helena. Ela sentou-se sozinha em uma mesa separada em Roma enquanto eles dividiam um prato de massa, rindo e de mãos dadas.
No carro, a caminho de um mirante, Fernando mimava Helena, entregando-lhe uma garrafa de água e sua medicação. Ele não ofereceu a Clara nem mesmo um olhar. Ele e Helena sussurravam e riam, compartilhando piadas internas. Ele até mudou a voz do GPS do carro do sotaque americano padrão para um britânico, porque Helena disse que soava "mais sofisticado". Era uma coisa pequena, mas parecia mais um pedaço do mundo de Clara sendo casualmente sobrescrito.
Ela sentou-se no banco de trás, uma prisioneira em sua comédia romântica, seu coração um bloco de gelo. Ele lhe dissera que era uma "atração passageira", uma "coisa momentânea". Que mentiroso. Ele estava perdidamente apaixonado. Cada olhar terno, cada toque gentil, cada risada compartilhada era um testemunho da profundidade de seus sentimentos por Helena. O amor que ele afirmava ter por Clara não passava de uma mentira oca e conveniente que ele contava a si mesmo para se sentir melhor. Era o insulto final.