Meus pés congelaram no chão. Pela pequena fresta na porta, eu os vi. Bento tinha Ária pressionada contra a parede, suas mãos emaranhadas no cabelo dela, sua boca devorando a dela. Não era um beijo gentil. Era faminto, desesperado. Selvagem.
Então ouvi sua voz, um rosnado baixo destinado apenas a ela.
"Estar com a Késia é minha responsabilidade," ele murmurou contra os lábios dela. "Estar com você... isso é instinto." Ele se afastou um pouco, seu polegar acariciando a bochecha dela. "Seja uma boa menina para mim, e eu te compro aquela pérola negra rara que você queria."
O mundo inclinou. Toda a sua conversa sobre controle, sobre sua "maldição de sangue", sobre a necessidade de ter cuidado... era tudo mentira. Ele não estava se contendo por minha causa. Ele simplesmente não se sentia atraído por mim. Não assim.
Afastei-me da porta, meu coração um peso morto no peito.
Alguns minutos depois, Ária saiu, seus lábios inchados e suas bochechas coradas. Ela me viu parada ali e um sorrisinho presunçoso brincou em seus lábios. Ela caminhou até mim, seus olhos brilhando com uma confiança que ela não tinha antes.
"Késia," ela disse, sua voz escorrendo falsa doçura. "Você seria um amor e me traria um copo de água da fonte da lua? A energia do Alfa... me deixou com tanta sede."
Era um jogo de poder. Uma Ômega, pedindo à futura Luna para servi-la.
Eu apenas a encarei, minha mente em branco de choque.
Enquanto falava, ela deu um pequeno passo para trás, esbarrando em uma enorme escultura de gelo decorativa de um lobo. A coisa toda balançou precariamente. Por um segundo aterrorizante, pareceu pairar no ar.
Então ela desabou.
Uma chuva de cacos de gelo afiados explodiu pelo chão. Levantei os braços para proteger meu rosto, mas era tarde demais. Um pedaço grande e irregular atingiu minha testa. A força me derrubou.
Uma dor branca, quente e ofuscante explodiu na minha cabeça. Bati com força no chão de mármore, o impacto sacudindo meus dentes. Um líquido quente e pegajoso começou a escorrer pelo meu rosto, obscurecendo minha visão. Sangue.
Através da névoa de dor, vi Bento sair correndo do salão. Seus olhos se arregalaram com a cena de caos. Por um único e esperançoso batimento cardíaco, pensei que ele estava correndo para mim.
Eu estava errada.
Ele passou por mim completamente, seu foco inteiramente em Ária, que estava parada, congelada, mas ilesa, a poucos metros de distância. Ele se jogou na frente dela, protegendo-a como se ela estivesse em perigo.
"Você está bem? O bebê está bem?" ele rugiu, sua voz carregada com o poder inegável do Comando de um Alfa. Ele a examinou da cabeça aos pés, suas mãos pairando sobre sua barriga lisa, ignorando-me completamente, deitada em uma poça do meu próprio sangue.
A festa inteira ficou em silêncio. Todos estavam assistindo. Assistindo o Alfa proteger sua amante enquanto sua parceira oficial sangrava no chão.
Minha visão começou a embaçar nas bordas. Com uma força que eu não sabia que possuía, me levantei. Não olhei para ele. Não conseguia. De cabeça erguida, saí do salão de festas, deixando um rastro de sangue para trás. Os olhares de pena e desprezo dos membros da alcateia pareciam golpes físicos.
No hospital da alcateia, um curandeiro estava suturando o corte na minha testa quando os vi. Bento havia levado Ária para o mesmo hospital. Ele a acompanhou até a ala VIP exclusiva, seu braço protetoramente em volta dela, sussurrando palavras de conforto que eu não podia mais ouvir. Ele a tratava como um tesouro precioso e frágil.
Deitada naquela sala de emergência estéril, o cheiro de antisséptico queimando meu nariz, tomei minha decisão final. Desaparecer não era suficiente. Eu tinha que garantir que esse laço, essa vida, fosse rompido tão completamente que nem mesmo a própria Deusa da Lua pudesse juntar os pedaços.
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