No dia seguinte, saí do hospital e fui ao único lugar que guardava os últimos vestígios de nossa história compartilhada: o museu histórico da alcateia. O grande salão abrigava os pergaminhos da linhagem Lua de Prata, artefatos antigos e o grande livro encadernado em prata onde havíamos assinado nossos nomes no dia da nossa aliança.
E, claro, eles estavam lá.
Eu os vi no Salão dos Alfas, parados diante do retrato do pai de Bento. Ária estava rindo, batendo de brincadeira no peito de Bento. Ele segurou a mão dela e a beijou, olhando-a com uma adoração que eu não via em seus olhos há anos. Pareciam um casal jovem e feliz, apaixonado.
Escondi-me atrás de uma grande vitrine, meu coração batendo um ritmo doentio contra minhas costelas.
"Estar com você... me faz sentir como um verdadeiro Alfa," ouvi Bento dizer a ela, sua voz cheia de um calor genuíno que torceu algo dentro de mim. "Com a Késia... sempre pareceu que eu estava apenas cumprindo meus deveres."
Meu dever. Minha vida inteira com ele, reduzida a uma tarefa.
Virei-me para sair, mas era tarde demais. Dobrei a esquina da vitrine e dei de cara com Ária. Nós duas cambaleamos para trás.
Naquele exato momento, uma pesada placa de prata na parede acima de nós - uma que representava uma batalha antiga - se soltou de seus suportes. Ela inclinou e depois caiu.
Tudo aconteceu em um piscar de olhos. Em uma fração de segundo de puro instinto, Ária me empurrou com força. Cambaleei para fora do caminho bem a tempo de a placa cair no chão onde eu estava. Mas não foi uma queda limpa. O canto dela atingiu Ária no ombro, e ela gritou de dor.
Bento apareceu em um instante. Ele viu Ária segurando o ombro, viu-me parada a poucos metros de distância, e seu rosto se contorceu em uma máscara de pura fúria.
Ele não perguntou o que aconteceu. Ele não verificou se eu estava bem. Ele apontou um dedo trêmulo para mim e, pela primeira vez, usou toda a força de seu Comando de Alfa diretamente em mim.
"O que você fez com ela?!" ele rosnou. O poder em sua voz me atingiu, forçando-me a ficar de joelhos, prendendo-me ao chão sob um peso invisível e esmagador. Ele achou que eu tinha feito aquilo. Ele achou que eu tinha tentado machucá-la por ciúmes.
Ele pegou uma Ária choramingando em seus braços. "Fique longe de nós," ele rosnou para mim, seus olhos queimando com um ódio que queimou minha alma. E então, pela segunda vez em dois dias, ele me deixou para trás.
Eu os segui até o hospital. Eu precisava ver.
Ária havia perdido muito sangue. Os curandeiros estavam frenéticos. "Ela tem tipo sanguíneo da Deusa da Lua," disse um deles, uma linhagem de sangue de lobo rara e especial. "Não temos nenhum em estoque."
Um pavor frio encheu a sala de espera.
Então, Bento deu um passo à frente. "Eu tenho," disse ele, arregaçando a manga. "Sou do mesmo tipo."
O curandeiro chefe balançou a cabeça. "Alfa, você não pode. Dar a ela tanto do seu sangue, sua energia vital... isso pode te matar."
"Eu não me importo," disse Bento, sua voz crua. "Salvem-na."
Observei da porta enquanto o conectavam. Observei a cor sumir de seu rosto, enquanto sua forma poderosa começava a tremer de fraqueza. Observei-o sacrificar sua própria força vital por ela, um ato de devoção suprema.
Ele desmaiou assim que terminaram a transfusão. Enquanto os curandeiros corriam para estabilizá-lo, ele murmurou uma única palavra, um nome sussurrado das profundezas de sua mente inconsciente.
"Ária."
E assim, a última centelha de amor que eu sentia por ele morreu. Não foi uma morte dolorosa. Foi silenciosa, fria e absoluta.
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