A HERANÇA DO CEO Separados pelo Azar, Unidos pelo Destino
img img A HERANÇA DO CEO Separados pelo Azar, Unidos pelo Destino img Capítulo 4 O QUE ELA NÃO CONSEGUIU DIZER
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Capítulo 10 O CORPO QUE NÃO SOUBE ESPERAR img
Capítulo 11 O CONVITE MAIS PERIGOSO img
Capítulo 12 A MULHER QUE QUEIMOU O PALCO img
Capítulo 13 O PRESENTE QUE NÃO VEIO EM CAIXA img
Capítulo 14 A PRIMEIRA CERTEZA img
Capítulo 15 O ÚLTIMO SOL ANTES DA TEMPESTADE img
Capítulo 16 QUANDO O AMOR ESPERA NO img
Capítulo 17 O PESO DA ESCOLHA img
Capítulo 18 O VINHO, O VENENO E O SILÊNCIO img
Capítulo 19 O NOIVADO SEM ALMA img
Capítulo 20 ENTRE ROSAS E SILÊNCIO img
Capítulo 21 CÉUS, SURPRESAS E INTENÇÕES img
Capítulo 22 NO CORAÇÃO DE QUEM ESPERA img
Capítulo 23 JOGO DESIGUAL img
Capítulo 24 O PERIGO DE COMEÇAR A SENTIR img
Capítulo 25 DESEJO EM SILÊNCIO img
Capítulo 26 VOCÊ FOI A FACA NA MINHA PIOR DOR img
Capítulo 27 A ESPADA EM QUE VOCÊ ME FORJOU img
Capítulo 28 A VIÚVA DE SÍ MESMA img
Capítulo 29 O PREÇO DA DIGNIDADE img
Capítulo 30 DOR DE CABEÇA, NÃO É NADA img
Capítulo 31 CHEIRO DE CASA, GOSTO DE MÃE img
Capítulo 32 O SOM DA VIDA img
Capítulo 33 ENTRE A VIDA E O SEGREDO img
Capítulo 34 MENTIRAS QUE MATAM img
Capítulo 35 O RIACHO ONDE MORAM AS VERDADES img
Capítulo 36 O TRIÂNGULO DO DESTINO img
Capítulo 37 LÁ, ONDE A ALMA VOLTA A RESPIRAR img
Capítulo 38 LÁ ONDE O DESEJO ESCONDE A DOR img
Capítulo 39 ONDE O RIO NÃO LAVA A PELE img
Capítulo 40 O DESEJO QUE MUDOU DE NOME MAS NÃO DE ROSTO img
Capítulo 41 A DOR DEPOIS DO PRAZER img
Capítulo 42 A NOIVA MISTERIOSA img
Capítulo 43 O PESO DE REPARAR O ERRO, POR ELA img
Capítulo 44 O CASAMENTO DO SÉCULO img
Capítulo 45 O CAMINHO DA ESCOLHA img
Capítulo 46 A ELEGÂNCIA DA SIMPLICIDADE SÓ DELA img
Capítulo 47 PROMESSAS E DESTINOS img
Capítulo 48 ONDE O MAR ENCONTRA CHEIRO DE LAR img
Capítulo 49 FOME DE VOCÊ img
Capítulo 50 MADRUGADA EM CARNE VIVA img
Capítulo 51 O CORPO QUE EU AMEI img
Capítulo 52 SÓ SE FOR ASSIM, TODOS OS DIAS img
Capítulo 53 A PUTINHA QUE EU MOLDEI img
Capítulo 54 DELÍRIO DE POSSE img
Capítulo 55 MADRUGADA DE CIÚMES E ESTRATÉGIAS img
Capítulo 56 A CABANA DO PRAZER img
Capítulo 57 DEGUSTAÇÃO EM PELE VIVA img
Capítulo 58 A INICIAÇÃO DA GEMEDORA img
Capítulo 59 ELA GOZOU... EU QUASE MORRI img
Capítulo 60 DEPOIS DO ÊXTASE img
Capítulo 61 A EXPOSIÇÃO img
Capítulo 62 RAÍZES DO CORPO, RISCO DO CORAÇÃO img
Capítulo 63 REFLEXOS DE UM PASSADO img
Capítulo 64 QUANDO O CORPO FALA img
Capítulo 65 A DESPEDIDA QUE FICOU NA img
Capítulo 66 O TERRITÓRIO DO PREDADOR img
Capítulo 67 PRIMEIRO DIA NO TERRITÓRIO DO PODER img
Capítulo 68 ENTRE O SILÊNCIO E OS BRINDES img
Capítulo 69 AS SOMBRAS NO SALÃO img
Capítulo 70 QUANDO O SILÊNCIO GRITA img
Capítulo 71 O QUE MORREU O QUE DOI img
Capítulo 72 PARÍS ENTRE NÓS img
Capítulo 73 ENTRE O CIÚMES E A POSSE img
Capítulo 74 VESTIDOS, FERIDAS E TAÇAS DE CRISTAIS img
Capítulo 75 O JOGO QUE NUNCA ACABOU img
Capítulo 76 PASSOS DE DESPEDIDAS, DECLARAÇÕES DE GUERRA img
Capítulo 77 O CONFRONTO ENTRE IRMÃOS img
Capítulo 78 O SEGREDO POR TRÁS DA DOR img
Capítulo 79 A MENTIRA QUE VIDAS img
Capítulo 80 QUATRO MESES DE SILÊNCIO img
Capítulo 81 QUANDO O SILÊNCIO GRITA img
Capítulo 82 O SILÊNCIO QUE MATOU E A CULPA QUE NÃO TRAZ DE VOLTA. img
Capítulo 83 A DESPEDIDA QUE NÃO COUBE NO PEITO img
Capítulo 84 A DOR SILENCIOSA COM GOSTO DE CULPA img
Capítulo 85 O SILÊNCIO QUE CARREGA MEU NOME img
Capítulo 86 ENTRE A VIDA E O QUE SOBROU DE NÓS img
Capítulo 87 O PESO DE UM TÚMULO E A VOZ DE UM PAI img
Capítulo 88 ENTRE O PASSADO E O PRESENTE img
Capítulo 89 QUANDO O SILÊNCIO DECIDE POR NÓS img
Capítulo 90 QUANDO AS RAIZES RESISTEM AO TEMPO img
Capítulo 91 ENTRE A RENÚNCIA E O DESTINO img
Capítulo 92 O GOLPE NO TABULEIRO img
Capítulo 93 DEPOIS DO SILÊNCIO img
Capítulo 94 NO ESCURO E SEM COMPARAÇÕES img
Capítulo 95 QUERO TE FAZER LEMBRAR img
Capítulo 96 O NOME QUE O TEMPO NÃO APAGOU img
Capítulo 97 A VERDADE QUE ELE ESCONDEU img
Capítulo 98 ENTRE O RIACHO E A SOMBRA img
Capítulo 99 QUANDO A LUA BEIJA O RIACHO img
Capítulo 100 A SAUDADE DE O RIACHO DEIXOU NO CORPO img
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Capítulo 4 O QUE ELA NÃO CONSEGUIU DIZER

Um filho perdido. Um amor apagado. Uma verdade enterrada viva.

CAIO MOREAU BASTIEN

A caixa estava ali, no fundo do armário, como se tivesse sido plantada no esquecimento. Papel pardo amassado, fita amarela já meio solta, uma camada de pó que parecia o selo final de algo que eu achava ter enterrado. Nunca precisei abrir aquilo. Não precisava. Sabia o que havia dentro. Sabia e evitava. Como quem evita encostar numa ferida por medo de sangrar outra vez.

Hoje, não consegui.

Arranquei a fita com uma raiva seca - raiva de quem quer destruir lembranças e a si mesmo junto. Rasguei o papel como se rasgasse promessas velhas. Dentro: um macacãozinho azul-claro com bordados minuciosos, um par de meias tão pequenas que caberiam na palma da mão, um ursinho de pano com uma orelha costurada às pressas. Tudo ainda com aquele cheiro de talco e hospital, aquele cheiro que se gruda na pele e na garganta.

Era o filho dele, disseram. Era a prova, a lâmina que cortou o que restava entre a gente. A justificativa para o vestido branco, para o adeus sem explicação, para o sorriso calculado no altar. Para porque ela saiu da minha vida falando pouco e dizendo nada.

Mas não era sempre assim: eu querendo respostas e ela me enterrando em silêncios?

Lembro do dia que ela me contou. Nove anos atrás. A voz dela saiu tão baixa que parecia medo vestido de palavra.

- Caio... - ela disse. - Eu... estou grávida.

Por um segundo o mundo parou. Depois eu sorri - um sorriso grande, sem freio, como quem encontra sol depois de anos de tempestade.

- Sério? A gente vai ter um filho? - puxei ela para perto, sentir o calor do corpo dela, os olhos cheios d'água, mas sem brilho. - A gente pode fugir, Ali. A gente tem um motivo. Um futuro.

Ela tentou sorrir. Não saiu. Aquela ausência de sorriso ficou gravada na minha pele, depois nas minhas memórias.

Eu me lembro da noite em que tudo parecia possível: a luz da lua atravessando a copa das árvores, o silêncio entre nós quase sagrado. Toquei o rosto dela como se ela fosse feita de vidro. Perguntei se ela tinha certeza. Ela disse que sim. E daquele "sim" veio tudo que eu quis acreditar.

Fizemos amor pela primeira vez sem medo. Devagar, atento, como se descobrisse cada parte dela. Eu não tinha pressa. Queria que o momento durasse até desgastar as bordas do mundo. Quando gozei dentro dela, não foi só prazer; foi promessa. Sussurrei que a amava e que iria lutar por aquilo até o fim.

Mas o fim chegou antes mesmo de a luta começar.

Dois meses depois Eduard descobriu. Lembro do estilo do homem: frio, dono, como sempre, com aquele sorriso de quem calcula vidas como balanços. Invadiu o quarto, jogou o teste de gravidez na cama como se fosse um desafio, uma provocação.

- É dele, não é? Do meu irmão? - rugiu.

Eu não pude responder pois eu nem sabia, nem estava lá. O silêncio dela foi resposta suficiente. E então, com a mesma frieza, ele usou aquilo como moeda. Comprou o casamento às pressas, forçou alianças e selou meu destino fora dali.

O casório foi luxuoso, brilhante - e eu assisti a ela caminhando até o altar de branco, ao lado dele. A cena foi um ladrão que veio roubar alguma coisa dentro de mim. Quando entrou naquela igreja, algo morreu sem fanfarra: uma expectativa, um sonho, uma parte do que eu podia ser com ela.

Seis meses depois o mundo me deu a pior notícia: o bebê nasceu e morreu dois dias depois. Não me deixaram ver. Me deram o silêncio como resposta. Me deram o vazio como sentença. Na minha cabeça, o nó estava formado: ela me traiu, teve um filho com ele, ninguém me deu explicações. O ódio cresceu com o tempo e a falta de explicações. O que tinha pra dizer, calei.

Passei a evitar. Afastar. Às vezes me digo que me afastei para não transformar amor em vingança. Às vezes é mentira - me afastei porque era mais fácil fingir que não doía. Porque se eu falasse, a verdade poderia ser outra. E eu não suportava essa possibilidade.

Hoje, com o macacãozinho nas mãos, percebo que não enterrei só o filho. Não enterrei só o luto dela. Enterrei também a minha parte naquele enredo torto. Enterrei a minha parte de esperança que talvez, caso eu tivesse sabido antes, caso eu tivesse lutado mais, as coisas pudessem ter sido diferentes.

Lembro quando Eduard pôs a aliança no dedo dela. Lembro das palavras pontiagudas, do tom de posse.

Nos anos que vieram depois, eu fui ficando com um gosto amargo no peito. Aprendi a acreditar no riso cruel de Eduard: "Ela foi minha. O filho talvez, pois ela me falou que era dele. Tudo que você quis, eu tive primeiro." E acreditei. De tanto acreditar, destruí.

Mas essa caixa me pergunta outra coisa agora, secando o que restou de convicção: e se não foi assim? E se o que eu chamei de traição foi, na verdade, um suicídio silencioso dela, uma escolha entre a fome e a proteção? E se o bebê que morreu era nosso - e se eu perdi não só a mulher da minha vida, mas também o filho que nunca pude segurar?

Essas perguntas ardem. Me corroem. Me envergonham. Porque por não ter perguntado, por ter permitido que o silêncio se transformasse em julgamento, eu me afastei de quem eu mais amava.

Segurei o ursinho que tinha a orelha remendada e senti uma espécie de culpa que me encolhe. Sempre quis ser homem de ação, de resposta, de luta. E meu maior fracasso foi a omissão. Não busquei a verdade. E o silêncio, esse assassino lento, fez o resto.

Agora, com as mãos cheias de tecido e memória, encontro um remorso tão grande que dói mais que a raiva. Não sei se pedir perdão mudaria algo. Não sei se ela me deixaria voltar. Só sei que, pela primeira vez em anos, quero saber. Quero ouvir a versão dela, não as versões que me foram servidas com interesse.

Abri a caixa inteira e deixei o cheiro subir, como se desse a chance ao passado de se explicar. Talvez seja tarde demais. Talvez eu seja tarde demais. Mas, pela primeira vez, não quero mais respostas prontas. Quero a verdade - por nós, por esse filho de pano e por tudo que nós enterramos sem dizer.

E se eu tiver perdido tudo mesmo - se o resto for apenas consequência - resta-me essa vontade de reparar, mesmo que em silêncio: reconstruir o que sobrou de humano dentro de mim. Porque amar também é admitir os próprios erros e tentar, ainda que tremendo, consertar o que foi quebrado.

            
            

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