O ambiente, apesar da escuridão que cercava a cidade, parecia acolhedor. A brisa do mar soprava suavemente, trazendo consigo um cheiro salgado e fresco que a lembrava da efemeridade das coisas. Ela ainda não conseguia parar de pensar em Rodrigo, nem na conversa que tivera com ele naquela tarde, mas de alguma forma, a companhia de Leonardo a havia desconectado de seu mundo. Era uma sensação estranha, quase perigosa, como se algo dentro dela estivesse despertando, algo que ela nunca havia permitido emergir. Aquela necessidade de escapar, de ser livre, de não estar presa ao peso emocional que sua relação com Rodrigo trazia consigo.
- Sabe? - disse Leonardo, olhando para o horizonte enquanto caminhava ao seu lado. - Às vezes, o que precisamos é desconectar do mundo. De tudo o que nos pesa, de tudo o que nos faz sentir presos.
Ana Lucía o olhou por um momento. O vinho já começara a nublar um pouco sua mente, mas havia algo nas palavras dele que penetrava fundo, algo que a fazia se sentir vulnerável, mas ao mesmo tempo, libertada. Quanto tempo ela ficara presa em sua própria bolha, em sua relação com Rodrigo, nas expectativas dos outros? Tudo sempre fora tão previsível, tão controlado. Rodrigo lhe dera tudo, exceto o que ela realmente precisava: liberdade.
- Eu... - começou a dizer, sentindo o peso das palavras como se fossem pesadas demais para sair. - Fiquei tão ocupada tentando ser o que ele espera que eu seja, que me esqueci de ser eu mesma.
Leonardo a olhou em silêncio, como se pudesse ler sua alma. Não disse nada, apenas a olhou fixamente, seus olhos tão profundos que Ana Lucía sentiu que poderia se perder neles. A conexão entre eles, embora tivesse começado como algo superficial, agora parecia ser algo mais. Algo que a fazia se sentir exposta, vulnerável, mas também incrivelmente viva.
O copo de vinho em sua mão se esvaziou mais uma vez, e Ana Lucía levantou a mão para pedir outro. A garçonete, que já os conhecia por seu tempo no bar, não fez perguntas. O ambiente continuava acolhedor, e o murmúrio das pessoas se fundia com o som do mar quebrando nas rochas próximas. Tudo parecia irreal, como se ela estivesse fora de si, observando sua própria vida de uma distância segura.
À medida que os minutos passavam, a conversa se tornava mais leve, mais fluida. Os assuntos iam e vinham, desde lembranças pessoais até anedotas da vida. Leonardo não parecia querer pressioná-la. Não estava buscando respostas, não estava buscando algo mais. Simplesmente conversavam, e isso era o que mais lhe custava acreditar: a sensação de estar sendo ouvida sem julgamentos, sem expectativas.
Mas enquanto continuava conversando com ele, uma parte de Ana Lucía começava a se sentir culpada. O que estava fazendo? Estava conhecendo um homem que, embora parecesse simpático e compreensivo, era um completo desconhecido. Então, por que, ela se perguntava, sentia como se ele fosse alguém em quem poderia confiar? Por que estava compartilhando com ele pensamentos que só tinha em sua mente, pensamentos que nem Rodrigo sabia? Por que estava permitindo isso?
A resposta, embora não fosse clara, estava ali. Ela estava buscando algo que não encontrava em sua vida. Estava buscando uma faísca, algo que a fizesse sentir viva, algo que não fosse a constante monotonia de sua relação. Não estava buscando amor, não estava buscando um romance. Estava buscando o que havia perdido: ela mesma.
A conversa continuou fluindo, mas dentro dela, Ana Lucía começava a se sentir mais desconectada do que conhecia. O vinho, o ambiente relaxado, a companhia de alguém que não tinha expectativas sobre ela... tudo isso a estava levando a um lugar desconhecido, um lugar onde suas emoções se entrelaçavam com a confusão.
- O bom desses lugares é que você não precisa ser ninguém. - disse Leonardo, quebrando seu trem de pensamentos. - Você pode deixar tudo lá fora, esquecer as pressões, as expectativas, e simplesmente ser você mesma.
Ana Lucía assentiu, embora não estivesse certa de entender completamente o que ele queria dizer. A verdade era que, embora se sentisse mais livre naquele momento do que em muito tempo, havia algo dentro dela que continuava se retorcendo. A culpa. O sentimento de estar traindo sua própria vida, seus próprios princípios. Havia algo errado em tudo isso, algo que ela não conseguia deixar de notar, mas que, por algum motivo, se recusava a ver.
Ao longe, a luz de um carro se aproximava, e Ana Lucía levantou os olhos, como se um golpe de realidade a tivesse atingido. Em sua mente, a imagem de Rodrigo apareceu com força. Seu rosto, sua atitude, tudo o que ele representava para ela. Mas o que mais a impactou foi perceber que, pela primeira vez em muito tempo, ela já não sentia aquela conexão profunda com ele. O espaço entre eles não era apenas físico, como ela pensara antes. Agora, ela percebia que o vazio emocional entre eles era maior do que qualquer coisa que ela pudesse imaginar.
Leonardo, notando sua mudança de expressão, olhou para onde ela estava olhando, mas não disse nada. Em vez disso, apenas a observou, sem pressionar. Era estranho como, apesar da confusão e da desconexão, havia algo em sua presença que a fazia se sentir confortável, como se fosse um refúgio temporário, um lugar onde ela poderia ser ela mesma sem as expectativas de sua vida anterior.
- Sabe? - disse Ana Lucía de repente, mais para si mesma do que para ele. - Às vezes sinto que estou perdendo o controle. Que tudo o que fiz até agora não faz sentido. Não sei quem sou, nem quem quero ser. Estou presa em uma vida que não me pertence.
Leonardo não respondeu imediatamente, mas seu silêncio foi uma resposta em si mesmo. Levantou-se da cadeira e foi até o bar pedir outra rodada de bebidas. Ana Lucía o observou, observando seus movimentos, a maneira como ele se movia com uma confiança que a intrigava. Enquanto o observava, algo dentro dela se despertou. Não era só o vinho que a estava fazendo sentir-se assim. Era a sensação de que, pela primeira vez em muito tempo, ela tinha a chance de ser alguém diferente, alguém novo.
- Aqui está, - disse Leonardo, voltando com os copos. - Às vezes, um pouco de desconexão não faz mal. Talvez só precisemos romper com tudo, mesmo que por um tempo.
Ana Lucía pegou o copo que ele lhe ofereceu, mas antes de dar o primeiro gole, sua mente começou a se encher de pensamentos e perguntas. O que estava fazendo? O que estava realmente buscando naquele momento? E, mais importante, era isso o que ela realmente queria? Um escape temporário de sua vida, uma desconexão que lhe oferecesse um respiro, mas que também a empurrava para um terreno perigoso, para uma confusão que ela não sabia se conseguiria lidar.
O copo em sua mão foi se esvaziando lentamente, e a noite continuou deslizante ao seu redor, levando-a a um lugar onde ela já não conseguia distinguir se estava vivendo sua realidade ou se tudo aquilo era apenas um sonho, uma ilusão fugaz. A desconexão emocional se tornava mais forte, e a confusão, mais profunda. Tudo o que ela conhecia até então parecia se dissolver no ar, enquanto seu coração batia mais rápido, como se estivesse à beira de algo novo, algo desconhecido, mas ao mesmo tempo, incrivelmente libertador.