Júlia, no banco do passageiro, era uma presença constante e tagarela. "Ah, Ricardo, querido, estou morrendo de fome", ela choramingou, colocando a mão no braço dele. "Podemos, por favor, parar naquela pâtisserie francesa em Jardins? Aquela com os macarons que eu amo?"
"Claro, meu bem", disse Ricardo instantaneamente, sua mão cobrindo a dela. "O que você quiser."
Suas palavras pairaram no ar. Os macarons que Júlia amava. Aqueles aos quais eu era alérgica. Aqueles que ele me viu ter um choque anafilático no nosso terceiro encontro.
Ele percebeu seu erro um segundo tarde demais. Seus olhos voltaram para o retrovisor, arregalados de pânico. "Quero dizer... podemos pegar algo para você também, Helena. O que você quiser."
"Não estou com fome", eu disse, minha voz plana. Virei a cabeça para olhar pela janela, o reflexo mostrando meu próprio rosto de olhos fundos.
Ele parou em frente à confeitaria de fachada rosa-pastel. "Volto em um minuto", disse ele, praticamente fugindo do carro.
No momento em que a porta se fechou, a atmosfera dentro do carro mudou. A fachada doce e inocente de Júlia caiu como uma pedra. Ela se virou no assento, um olhar presunçoso e venenoso nos olhos.
"Então, você voltou", disse ela, a voz escorrendo desdém. "Não pense por um segundo que isso muda alguma coisa."
Eu não respondi, apenas mantive meu olhar fixo no trânsito que passava. Meu silêncio parecia enfurecê-la mais do que qualquer discussão.
"Ele é meu marido agora, Helena", ela sibilou, empurrando a mão esquerda em minha direção. Um diamante enorme, muito maior do que o que Ricardo me dera, brilhava zombeteiramente em seu dedo anelar. "A anulação foi legal. O casamento é real. Você não é nada."
Algo dentro de mim estalou. O ano de desamparo, a traição, a humilhação - tudo se fundiu em um único ponto de fúria incandescente. Minha mão se moveu antes mesmo que eu pensasse. O estalo da minha palma em sua bochecha foi chocantemente alto no espaço confinado do carro.
A cabeça de Júlia virou para o lado, uma marca de mão vermelha florescendo em sua pele. Seus olhos se arregalaram, primeiro em choque, depois em puro ódio.
O breve lampejo de satisfação que senti foi imediatamente inundado por uma onda de tristeza profunda e esmagadora. Esta era a minha vida agora. Brigando com minha própria irmã por um homem que não pertencia a nenhuma de nós. Eu havia perdido tudo. Minha saúde, meu marido, minha irmã, minha casa.
Ricardo voltou, equilibrando uma caixa rosa e dois cafés. Ele abriu a porta para um quadro de fúria congelada. Júlia tinha lágrimas escorrendo pelo rosto, e eu estava sentada rígida no banco de trás, minha mão ainda formigando.
"O que aconteceu?", ele perguntou, seus olhos dardejando entre nós. "Helena, sua mão está bem?"
Minha mão. Ele estava preocupado com a minha mão.
"Ela me bateu!", Júlia gritou, apontando um dedo acusador para mim. "Sem motivo nenhum! Eu só estava tentando ser legal!"
"Tenho certeza que sim", disse Ricardo, a voz tensa de aborrecimento, mas sua preocupação era toda para mim. Ele tentou pegar minha mão, mas eu a puxei. "Júlia, para com isso. A Helena acabou de acordar, ela está frágil."
Sua preocupação fingida era uma faca em minhas entranhas. Ele entregou a Júlia sua caixa de macarons e um dos cafés. Então ele me passou o outro café.
"Aqui, peguei o seu favorito", disse ele, um pequeno sorriso esperançoso no rosto. "Latte de caramelo, com um shot extra, sem açúcar."
Eu encarei o copo. Era o favorito de Júlia. Eu odiava caramelo. Eu sempre pedia um simples café preto, puro. Sempre. Durante os cinco anos em que estivemos juntos.
Em um ano, ele havia esquecido completamente. Ele me havia apagado de sua memória tão completamente quanto me havia apagado de sua vida.
Júlia deu uma mordida delicada em um macaron. "Obrigada, querido", ela arrulhou, inclinando-se para beijar sua bochecha, seus olhos fixos em mim com malícia triunfante.
Virei o rosto e soltei uma pequena risada amarga que estava mais perto de um soluço.
O carro finalmente parou em frente à casa. Nossa casa. A aconchegante casa de dois andares que compramos juntos, aquela que passei meses decorando com amor. Um lugar que um dia fora meu santuário.
Saí do carro com as pernas trêmulas. Caminhei até a porta da frente, meu coração batendo um ritmo nervoso contra minhas costelas. Levantei a mão para o leitor de digital, uma memória muscular de uma vida passada.
ACESSO NEGADO.
A voz fria e eletrônica foi outro tapa na cara.
Ricardo correu para o meu lado, atrapalhando-se com as chaves. "Ah, o sistema deve ter reiniciado enquanto você estava... fora", ele gaguejou, o rosto corado. "Não se preocupe, eu tenho uma chave."
Mas ele não foi rápido o suficiente.
Júlia passou por nós dois, seu polegar perfeitamente cuidado pressionando o leitor.
ACESSO PERMITIDO.
A fechadura se abriu. Ela se virou, a porta se abrindo para revelar a casa que um dia fora minha. Um sorriso vitorioso e piedoso brincava em seus lábios.
"Bem-vinda de volta, maninha", disse ela, a voz escorrendo uma doçura falsa. "Pode entrar."