Meu olhar vagou pelo corredor, até a porta fechada do que tinha sido nosso quarto principal. Um nó frio de pavor se apertou em meu estômago.
"Vou para o meu quarto", eu disse, minha voz soando distante para meus próprios ouvidos. Comecei a caminhar em direção a ele.
"Espera!", Júlia gritou, correndo na minha frente para bloquear a porta. "Você não pode entrar aí!"
"Por que não?", perguntei, meus olhos se encontrando com os dela.
"Está... está uma bagunça!", ela gaguejou, os olhos arregalados de pânico falso. "Não tivemos chance de limpar desde que você... bem, temos usado para guardar coisas."
Guardar coisas.
Com uma força que eu não sabia que possuía, eu a empurrei para o lado e abri a porta.
O quarto não estava sendo usado para guardar coisas. Era o quarto deles agora. Dele e dela. Uma camisola preta de renda estava jogada sobre a poltrona onde eu costumava ler. Um frasco de colônia masculina - de Ricardo - estava ao lado de um pote do creme facial caro de Júlia na cômoda. Mas foi a cama que me deu vontade de vomitar. Os lençóis estavam uma bagunça amarrotada, e jogada no chão ao lado dela havia uma embalagem de camisinha usada.
Júlia entrou correndo atrás de mim, fingindo constrangimento. "Meu Deus, me desculpe! Eu disse para a faxineira limpar aqui!"
Eu não olhei para ela. Virei a cabeça lentamente e olhei para Ricardo, que estava parado na porta, o rosto da cor de cinzas. Ele não conseguia encontrar meus olhos. Ele apenas olhava para o chão, uma estátua de culpa e vergonha.
"Então", eu disse, a palavra saindo como um caco de gelo quebradiço. "Onde eu devo dormir?"
"No quarto de hóspedes!", Ricardo finalmente engasgou, a voz falhando. "Nós... nós mantivemos o quarto de hóspedes só para você. Está tudo pronto."
Não disse mais uma palavra. Virei-me e passei por eles, pelo corredor até o pequeno quarto no final. O quarto de hóspedes. Um lugar para visitantes. Na minha própria casa.
Ricardo correu atrás de mim, um mordomo frenético e patético. "Viu? Lençóis limpos. Toalhas limpas. Precisa de alguma coisa? Água? Está cansada? Você deveria descansar." Ele afofou um travesseiro, seus movimentos bruscos e desesperados.
Ele me empurrou gentilmente em direção à cama. "Apenas descanse, Helena. Eu... eu vou pedir para a Júlia tirar as coisas do nosso... do outro quarto." Ele praticamente cuspiu as palavras, depois se virou e saiu, sua voz um silvo baixo enquanto passava por Júlia no corredor. "Tire suas coisas de lá. Agora."
Deitei-me na cama desconhecida, a porta ainda entreaberta. Eu podia ouvi-los no quarto principal ao lado. Os sons de gavetas abrindo e fechando, o farfalhar de roupas.
Então, ouvi a voz de Júlia, um sussurro sedutor. "Ricardo, onde eu devo colocar esta camisola? Aquela que você tanto gosta?"
Uma pausa. Então a voz de Ricardo, baixa e tensa. "Apenas... coloque em uma sacola por enquanto."
"Mas e se eu quiser usá-la esta noite?", ela ronronou.
Um som abafado, como um suspiro. Depois outro, um gemido baixo que era inconfundivelmente de Ricardo.
Meu sangue gelou. Eles estavam lá, a apenas uma parede fina de distância de mim, e eles estavam...
Apertei os olhos, pressionando as palmas das mãos contra os ouvidos, mas não consegui bloquear o rangido suave e rítmico da cama que começou. Os sons de sua traição eram uma tortura física, ecoando no quarto onde eu deveria estar descansando, me curando.
Agarrei a colcha com os punhos, meus nós dos dedos brancos. Minhas unhas cravaram em minhas palmas, a dor aguda uma distração bem-vinda da agonia em meu peito. Eu não podia ficar aqui. Não conseguia respirar este ar.
Joguei as cobertas para o lado e me levantei, meu corpo tremendo com uma nova onda de fúria. Fui até a porta deles e bati com o punho.
"Fiquem quietos!", gritei, minha voz rouca.
O rangido parou. Houve um som de correria frenética, e então algo bateu na parte de dentro da porta com um baque suave antes que ela fosse aberta. Uma pequena peça de roupa íntima de renda caiu aos meus pés.
Meus olhos se ergueram do pedaço de tecido ofensivo para Ricardo, parado na porta, sem camisa, o cabelo uma bagunça, o rosto uma mistura de pânico e excitação.
"Helena, não é o que você está pensando", ele gaguejou, o peito arfando.
Eu nem olhei para ele. Um pensamento súbito e urgente me dominou. Havia algo que eu precisava. Algo mais precioso do que esta casa, do que este casamento.
"Leve-me para a mansão", eu disse, minha voz perigosamente calma. "A propriedade do seu pai. Agora."
Ricardo piscou, confuso. "O quê? Helena, está tarde. Você precisa descansar."
"Agora, Ricardo", repeti, meu olhar inabalável.
Ele deve ter visto algo em meus olhos, porque finalmente assentiu, um olhar de profundo cansaço se instalando em suas feições. "Ok. Ok, Helena. O que você quiser."
Enquanto dirigíamos pelas estradas escuras e sinuosas que levavam à mansão da família Bastos, eu apertava as mãos no colo. Eu havia deixado uma coisa lá para guardar, uma coisa da qual não suportava me separar, mas tinha muito medo de manter em nossa casa.
O medalhão da minha mãe.
Quando chegamos, não esperei por ele. Fui direto para a grande biblioteca com painéis de mogno. "Onde está?"
"Onde está o quê?", ele perguntou, seguindo-me.
"O medalhão da minha mãe. Eu te dei para colocar no cofre antes da minha cirurgia."
O rosto de Ricardo ficou pálido. Um lampejo de puro terror cruzou seu rosto enquanto seus olhos percorriam a sala, como se procurassem uma resposta. Eu o observei, uma certeza fria surgindo. Ele não sabia onde estava.
Seus olhos pousaram em Júlia, que nos havia seguido, e vi uma comunicação silenciosa e em pânico passar entre eles.
Ele se lembrou de algo. Ela havia perguntado sobre isso. Ela disse que era bonito. Ele a deixou... segurá-lo.
Ele o havia dado a ela.