Meu sangue virou gelo. Ele havia prometido a ela. Ele estava planejando me deixar o tempo todo. O "acidente" da minha mãe não foi uma complicação para ele; foi uma oportunidade.
"Ele me adora", disse Keila, sua voz pingando satisfação presunçosa. "Ele faria qualquer coisa por mim."
Saí da cozinha, meu rosto uma máscara em branco. Ao passar pela mesa delas, a amiga de Keila, uma mulher chamada Tatiana, deliberadamente esticou o pé. Eu tropecei, me segurando na beirada da mesa antes que pudesse cair.
"Opa", Tatiana zombou. "Olha por onde anda, querida."
Keila riu. "Ela é sempre tão desajeitada. É um milagre que consiga andar reto."
Eu me endireitei, minhas mãos cerradas em punhos. Antes que eu pudesse dizer uma palavra, Gustavo entrou no pátio, seu rosto uma nuvem de tempestade.
"Que porra está acontecendo aqui?", ele bradou.
Por um segundo selvagem e fugaz, pensei que ele estava com raiva por minha causa. Ele olhou furioso para Tatiana, que se encolheu em sua cadeira.
"Tatiana, o que você fez?", ele exigiu.
Mas antes que ela pudesse responder, Keila soltou um gemido de dor.
"Gustavo, querido", ela chorou, agarrando o braço. "Foi horrível. Janaína simplesmente veio para cima de mim. Ela tentou me empurrar! Acho que meu braço está quebrado."
Aconteceu tão rápido, foi como assistir a uma peça. Seu rosto se contorceu, lágrimas brotando em seus olhos. Foi uma performance magistral.
E Gustavo comprou cada segundo.
Sua cabeça se virou, seu olhar furioso pousando em mim. O breve lampejo de preocupação se foi, substituído por pura fúria.
"O que você fez com ela?", ele sibilou.
"Eu não a toquei", eu disse, minha voz tremendo de raiva. "Ela está mentindo."
"Não se atreva a chamá-la de mentirosa!" Ele deu um passo em minha direção, todo o seu corpo irradiando ameaça. Ele olhou para Keila, que estava soluçando em sua cadeira.
"Oh, meu amor, você está bem?", ele murmurou, correndo para o lado dela. Ele gentilmente embalou seu braço. "Precisamos te levar a um médico."
Ele pegou um vaso próximo - um presente da minha mãe - e o espatifou no chão de pedra. Cacos de cerâmica voaram para todos os lados. "Você vê o que me faz fazer, Janaína? Você está fora de controle!"
Ele pegou uma Keila chorosa nos braços e começou a carregá-la para dentro de casa.
"Gustavo, eu não preciso de um médico", Keila fungou em seu peito. "Eu só quero você. Ela me assusta."
Isso só alimentou sua raiva. Ele parou e olhou para trás, para mim, seus olhos cheios de uma luz fria e aterrorizante.
"Você precisa aprender uma lição", disse ele, sua voz perigosamente quieta. "Você vai para o porão e vai ficar lá até pensar no que fez."
O porão. Não era apenas um porão. Era um quarto do pânico reforçado que ele havia construído, à prova de som e sem janelas. Uma caixa preta.
"Você não pode estar falando sério", sussurrei, horrorizada.
"Faça", ele ordenou. "Ou eu farei com que a segurança faça por você."
Ele se virou e levou Keila embora, o rosto dela enterrado em seu ombro, mas eu pude ver o brilho triunfante em seus olhos por cima.
Fiquei ali, cercada pelos destroços do vaso da minha mãe, meu corpo tremendo. Eu não tinha escolha. Desci as escadas para a escuridão opressiva do porão. A pesada porta de aço se fechou atrás de mim, o som final e absoluto.
A escuridão era total. O silêncio era um peso físico, pressionando-me de todos os lados. As horas se misturaram. Perdi toda a noção do tempo. Meu corpo doía por causa do chão de concreto frio. A desidratação fazia minha cabeça latejar e minha garganta parecer uma lixa.
Em algum momento, devo ter desmaiado.
Fui acordada por uma voz. "Janaína. Acorde."
A porta estava aberta, e uma fresta de luz cortava a escuridão. Gustavo estava lá, uma silhueta contra a luz.
Lutei para me sentar, meu corpo gritando em protesto. Senti-me fraca, tonta.
"Os pais de Keila estão organizando um evento beneficente em memória de sua mãe", disse ele, sua voz neutra, como se estivesse discutindo o tempo. "É amanhã à noite. Você precisa estar lá."
Eu o encarei, minha mente lutando para processar suas palavras. Ele me trancou em um quarto escuro pelo que pareceram dias, e agora estava falando de uma festa.
"Você quer que eu vá a uma festa?", grasnei.
"Não é uma festa, é um memorial", ele corrigiu, impaciente. "Os Diniz estão sendo muito generosos. É bom para as relações públicas. E além disso", acrescentou, sua voz ficando fria, "Keila ainda está muito chateada com o que você fez. Ela acha que você precisa se redimir."
Ele fez uma pausa, deixando a implicação pairar. "Ela escolheu uma tarefa para você. Algo para mostrar que você está arrependida."
Minha mente girou. O memorial era uma farsa, uma maneira dos Diniz parecerem compassivos enquanto cuspiam no túmulo da minha mãe. E ele estava me acordando desta câmara de tortura não por preocupação, mas porque sua namorada sociopata tinha outro jogo cruel para eu jogar.
Uma risada amarga e quebrada escapou dos meus lábios. "Claro que ela escolheu."
Percebi então, naquele porão frio e escuro, a verdadeira razão pela qual ele me acordou. Não era sobre o memorial. Era sobre o jogo doentio de Keila. Ele me trancou, me quebrou, tudo para servi-la.
Os últimos vestígios do homem que eu pensei conhecer se transformaram em pó.