A crueldade era de tirar o fôlego. Ele queria que eu cavasse na terra do espaço sagrado da minha mãe, para plantar flores como um "tributo" orquestrado por sua assassina. Um tributo que seria filmado e usado para a campanha de relações públicas deles.
"Não", eu disse. A palavra foi quieta, mas firme.
Os olhos de Gustavo se estreitaram. "Não seja difícil, Janaína. É um pedido simples."
"Eu disse não."
Ele deu um passo ameaçador para dentro do porão. "Você quer ficar aqui embaixo? Porque eu posso facilmente te deixar aqui por mais um dia. Ou dois."
Eu não respondi. A ameaça pairava no ar, espessa e sufocante.
"Faça esta única coisa", disse ele, sua voz suavizando em um ronronar manipulador. "Apenas faça isso, e eu prometo, as coisas vão melhorar. Podemos superar tudo isso. Keila irá embora, e seremos apenas nós novamente."
Mentiras. Tudo mentira. Ele era uma cobra, e eu não seria mais encantada. Mas para o meu plano funcionar, eu precisava sair daquele porão.
Eu dei um aceno lento e derrotado.
Ele saiu, e alguns minutos depois, um de seus seguranças me escoltou para a luz ofuscante do sol. Ele me levou ao quintal, onde dezenas de bandejas de flores e sacos de terra estavam dispostos ao redor do canteiro do jardim da minha mãe. Keila estava lá, dirigindo uma pequena equipe de filmagem.
"Certifiquem-se de pegar meu lado bom", ela estava dizendo.
O guarda me empurrou para frente. "Mãos à obra."
Minhas mãos estavam em carne viva e meus músculos gritavam em protesto, mas eu me ajoelhei na terra. Enfiei meus dedos na terra fria, a terra que minha mãe amava. A cada flor que eu plantava, um pedaço da minha antiga vida se desfazia. A dor, o amor, as memórias - estavam queimando, deixando para trás apenas uma determinação fria e dura.
Trabalhei por horas sob o sol quente, a equipe de filmagem documentando meu trabalho "penitente". Keila observava de uma espreguiçadeira, bebendo chá gelado, ocasionalmente oferecendo instruções insinceras.
"Um pouco mais para a esquerda, querida. Queremos que pareça perfeito."
Quando finalmente terminei, meu corpo doía e eu estava coberta de terra e suor. Keila dispensou a equipe de filmagem e caminhou para inspecionar meu trabalho.
"Bem", disse ela, com um aceno displicente de mão. "Está adequado."
Gustavo saiu para se juntar a ela, envolvendo um braço em sua cintura. "Parece lindo, meu amor. Um tributo adequado."
Ele olhou para mim, encolhida no chão perto do jardim, com não mais emoção do que se eu fosse um pedaço de equipamento de jardinagem descartado.
Eu os observei voltarem para casa, suas risadas ecoando atrás deles. Fiquei ali, no chão, sentindo a terra fria sob minhas mãos. Lembrei-me de Gustavo me trazendo uma única e perfeita rosa deste jardim em nosso primeiro aniversário. Ele me disse que meu amor era a coisa mais linda que já havia crescido em sua vida.
Aquele homem estava morto. Ou talvez nunca tenha existido.
O amor que eu sentia por ele, o amor que havia definido toda a minha vida adulta, se foi. Foi sistematicamente torturado e faminto até simplesmente deixar de existir. Eu não sentia nada por ele agora. Nem amor, nem ódio. Apenas um vasto e vazio frio.
Naquela noite, vi nas redes sociais que Gustavo e Keila estavam em um baile no centro da cidade, sorrindo para as câmeras. Ele estava segurando a mão dela. A legenda dizia: "O bilionário Gustavo Guedes e a filantropa Keila Diniz, um retrato de devoção."
Eu não senti nada. A dor havia sumido.
Entrei no banheiro principal. As coisas dele ainda estavam do lado dele da penteadeira, as minhas do outro. Peguei minha aliança de casamento, uma simples faixa de platina, e meu anel de noivado, um diamante que ele disse ser tão claro quanto seu amor por mim, e os joguei no vaso sanitário. Dei descarga.
O som foi imensamente satisfatório.
Fui até a pequena estufa onde ele mantinha sua premiada coleção de orquídeas raras. Ele havia gastado uma fortuna nelas. Uma vez ele me disse que eram delicadas e bonitas, assim como eu.
Eu METODICAMENTE quebrei cada uma delas no caule. Rasguei as pétalas e esmaguei as folhas sob meu calcanhar até que o chão fosse uma ruína de verde e roxo.
Enquanto eu estava nos destroços, meu celular vibrou. Era uma notificação. Eu estava preparando uma declaração, uma "nota de suicídio" final a ser divulgada após meu desaparecimento.
A porta da frente se abriu. Gustavo estava em casa mais cedo.
Ele entrou na estufa, parando abruptamente quando viu a carnificina. Seu rosto, geralmente tão controlado, era uma máscara de incredulidade e fúria.
"Janaína... o que você fez?", ele sussurrou, sua voz tremendo.
Ele olhou das orquídeas destruídas para o meu rosto, um lampejo de medo em seus olhos. Pela primeira vez, ele parecia não saber o que eu faria a seguir.
"Elas estavam morrendo", eu disse, minha voz calma e uniforme. "Eu apenas as ajudei."
Ele me encarou, sua mente claramente acelerada. "Janaína, querida, me escute", disse ele, dando um passo em minha direção, as mãos para cima em um gesto apaziguador. "Eu sei que tenho sido... duro com você. Mas eu prometo, depois deste memorial para sua mãe, tudo será diferente. Nós vamos viajar, só nós dois. Para onde você quiser."
Eu quase ri. Ele achava que umas férias poderiam consertar isso. Ele não tinha ideia do que estava por vir. Ele não tinha ideia de que eu não estava quebrada. Eu estava sendo refeita.