Quando terminou, ele não correu para brincar com seus aeromodelos. Apenas se encolheu no assento da janela, abraçando os joelhos contra o peito, e olhou para as luzes da rua que escureciam. O vidro refletia seu rosto perturbado.
Eu lhe trouxe um cobertor e o coloquei ao redor dele.
"Você vai pegar um resfriado, querido."
Ele olhou para mim, seus olhos brilhando com lágrimas não derramadas.
"Eles vão te levar embora de mim?", ele sussurrou, a pergunta tão cheia de medo que pareceu um golpe físico.
"Claro que não", eu disse, tentando forçar uma leveza em minha voz que eu не sentia. "Por que alguém iria querer me levar?"
"Porque você é... você." Ele olhou para as mãos. "Você é boa. E aquele homem... ele parecia o dono do mundo. Pessoas assim... elas pegam as coisas."
Uma risada amarga quase me escapou.
"Querido, eu não sou algo que pessoas assim queiram. Sou apenas uma pessoa comum."
"Você não é comum", disse Caio, sua voz feroz. Ele olhou para mim, seu olhar tão claro e honesto que doeu. "Antes de você chegar, papai e eu... éramos apenas duas pessoas quietas em uma casa quieta. Estava tudo bem. Mas então você veio, e você trouxe as cores. E você fez a casa cheirar a canela e pão fresco. Você a transformou num lar."
Ele engoliu em seco.
"Eu sei o que é bom e o que não é. Aquele menino, o Inácio... e o pai dele... eles não são gente boa. São valentões. Por favor, mãe. Não vá com eles. Não nos deixe."
Suas palavras me desmontaram. Por cinco anos, eu carreguei o peso do veredito de Heitor. Eu era um erro, uma desgraça, uma mancha em sua vida perfeita. Todos em seu mundo me olharam com desprezo.
Mas Carlos... Carlos olhou para mim e viu uma sobrevivente. "Você tem uma espinha de aço, Júlia", ele me disse uma vez, traçando a linha das minhas costas. "E um coração tão macio quanto argila fresca." Ele viu a arte em mim, a força que eu nem sabia que possuía.
E agora Caio, este menino doce e perceptivo, via isso também. Ele via através das roupas gastas e dos olhos cansados e via o bem. Ele via uma mãe.
Fiquei atordoada com sua clareza. Caio era geralmente tão quieto, um menino que vivia mais em sua cabeça do que no mundo. Eu sempre pensei que ele era apenas tímido, mas agora eu via o que era: uma mente brilhante, observando, ouvindo, entendendo tudo. O confronto com Inácio e Heitor tinha sido uma chave, girando a fechadura de uma porta que ele geralmente mantinha fechada.
Uma onda de calor e orgulho me invadiu.
"Você vai fazer grandes coisas um dia, Caio Bastos", eu disse, minha voz embargada de emoção.
Ele olhou para mim, sua expressão mortalmente séria.
"Eu vou", ele prometeu. "Vou arrumar um bom emprego, ganhar muito dinheiro e te comprar uma casa enorme, e ninguém nunca mais vai ser mau com você."
Eu ri, uma risada real e aguada.
"Oh, querido. Eu não preciso de uma casa enorme. Só preciso que você cresça seguro e feliz. É tudo o que eu quero."
Ele fungou e um pequeno sorriso finalmente tocou seus lábios. Ele limpou o nariz na manga.
"Ok. Mas você tem que prometer que vai ficar. Comigo e com o papai. Para sempre."
"Eu prometo", sussurrei, puxando-o para um abraço.
Ele levantou o dedo mindinho.
"Promessa de dedinho."
Eu enganchei meu dedo no dele.
"Promessa de dedinho."
As sombras na parede da única lâmpada balançavam suavemente, como se estivessem nos segurando em um abraço terno. Naquele momento, segurando meu filho - meu filho escolhido - senti uma verdade profunda se instalar em minha alma. Família não é sobre o sangue que corre em suas veias. É sobre o amor que enche seu coração.