Então, a voz de Heitor, afiada e impaciente.
"Cristina, isso não está nos levando a lugar nenhum. Se ele не tomar por bem, vamos forçá-lo."
"Heitor, você está o assustando!", a voz da mulher respondeu, um beicinho ensaiado em seu tom.
Artur pigarreou e abriu a porta.
"Senhor. A Sra. Bastos está aqui."
O quarto ficou em silêncio. Heitor estava ao lado da grande cama de dossel, seus ombros tensos. E sentada na beirada da cama, limpando a testa de Inácio com um pano, estava Cristina Fitzpatrick. Ela se virou, e seu rosto perfeitamente maquiado endureceu em uma máscara de puro desprezo.
"Ora, ora", ela disse, sua voz pingando veneno. "Olha só quem o vento trouxe. Pensei que seria preciso um milagre para te trazer aqui."
Heitor lançou-lhe um olhar de advertência.
"Cristina, talvez você devesse descansar um pouco. Você está acordada a noite toda."
"Estou perfeitamente bem, querido", ela arrulhou, colocando uma mão possessiva em seu braço. "Além disso, nosso casamento é em poucos meses. Preciso me acostumar a cuidar do nosso filho."
Ela enfatizou a palavra "nosso", uma adaga deliberada apontada diretamente para mim.
"Vá", disse Heitor. Sua voz era suave, mas continha um comando inconfundível, o tom de um homem que não estava acostumado a ser desobedecido.
O sorriso de Cristina se apertou. Ela se levantou, alisando seu robe de seda. Ao passar por mim, seus olhos, frios e afiados como cacos de vidro, me percorreram. Era um olhar que prometia retribuição.
A porta se fechou atrás dela, deixando apenas nós três no quarto cavernoso. Heitor, eu e o menino pequeno e febril enterrado sob uma montanha de edredons caros.
"Faça ele tomar o remédio", ordenou Heitor, sua voz neutra.
Aproximei-me da cama. Inácio estava pálido, suas bochechas coradas pela febre. Ele abriu um olho, viu que era eu e imediatamente se enterrou mais fundo nas cobertas, virando as costas para mim.
"Heitor, isso não vai funcionar", sussurrei.
"Você conseguiu encantar o substituto do meu filho com bastante facilidade", disse ele, sua voz tingida de uma estranha amargura. "Este é do seu próprio sangue. Dê um jeito."
As palavras doeram, mas ele estava certo. Eu tinha um dever. Uma atração biológica que eu não podia negar, não importa quanta dor estivesse ligada a ela. Sentei-me na beirada da cama, o colchão afundando sob meu peso.
Senti uma pontada de memória, tão aguda que me roubou o fôlego. Nas breves semanas após o nascimento de Inácio, antes de me expulsarem, fui mantida em uma ala isolada desta casa. Disseram-me que eu não deveria ver o bebê, que era para o melhor. Mas à noite, eu me esgueirava para o berçário. Ele nunca chorou por mim. Ele nem sabia meu nome. Mas eu ficava sobre seu berço por horas, observando-o dormir.
Peguei a tigela de remédio. A colher parecia estranha na minha mão.
"Inácio", eu disse, minha voz mal um sussurro. "Você precisa beber isso. Vai fazer você se sentir melhor."
Ele não se moveu.
"Por favor, Inácio."
Lentamente, ele se virou. Olhou para mim, seus olhos vidrados de febre e ressentimento.
"Você me dá", ele murmurou, a voz rouca.
Levei a colher aos seus lábios. Ele tomou um pequeno gole e imediatamente recuou.
"Está quente! Sopra."
Soprei a colherada do líquido escuro até esfriar. Ele tomou outro gole.
"É amargo", ele choramingou. "Quero mel."
Levou quase meia hora dessa dança frustrante - soprando, adicionando mel, persuadindo - até que o remédio finalmente acabasse. Senti uma onda de exaustão me invadir. Caio nunca foi assim. Quando Caio estava doente, ele era quieto e doce, me agradecendo após cada colherada.
Coloquei a tigela vazia na mesa de cabeceira, meus ombros caindo de alívio. Eu podia ir para casa agora. Podia voltar para o Caio.
"Canta pra mim", Inácio exigiu, sua voz fraca, mas imperiosa.
"O quê?"
"Canta a música. Aquela que você cantava pra me fazer dormir."
Meu sangue gelou.
"Eu... eu não sei nenhuma música."
"Sabe sim", ele insistiu, sua voz ficando mais forte com a agitação. "Aquela sobre a lua e a água. Você cantava pra mim."
Heitor, que observava silenciosamente do canto, endireitou-se, seu olhar afiado e questionador. Ele estava olhando para mim, realmente olhando para mim, como se pela primeira vez.
Meu coração martelava contra minhas costelas. Ele não podia saber. Ninguém podia saber sobre minhas visitas secretas e noturnas ao berçário. Eu cantei para meu filho no escuro, minha voz um sussurro quebrado, uma canção de ninar sobre um barquinho cruzando um vasto oceano para encontrar o caminho de casa. Uma canção de ninar para uma jornada que nunca faríamos juntos.
E ele se lembrava. Este menino zangado e mimado, ele se lembrava da minha voz no escuro.
"Você deve estar pensando em outra pessoa", menti, minha voz tremendo. "Não fui eu."
"Mentira!", ele gritou, seu rosto se contorcendo com uma raiva súbita e violenta. Ele se sentou ereto, suas pequenas mãos cerradas em punhos. "Foi você! Sempre foi você!"
Ele me empurrou, com força. A força foi inesperada. Perdi o equilíbrio, caindo para trás da cama. Estendi a mão para me apoiar, mas ela pousou diretamente na tigela de cerâmica de remédio que eu acabara de colocar.
Ela se estilhaçou sob meu peso.
Uma dor lancinante e branca subiu pelo meu braço. Olhei para baixo. Um grande caco de porcelana estava cravado na palma da minha mão. Sangue, escuro e chocantemente vermelho, brotou ao redor dele, pingando no tapete branco imaculado.