Eu não entendia o que Heitor queria. Ele me avisou para ficar longe. Era essa a sua maneira de garantir que eu obedecesse? Um lembrete constante de seu poder? Comecei a levar e buscar Caio na escola, minha mão apertando a dele um pouco demais, meus olhos constantemente vasculhando a rua. A paz frágil de nossas vidas fora substituída por uma ansiedade baixa e zumbindo.
Então, as visitas começaram.
Um homem mais velho de uniforme de motorista, com um rosto gentil que não combinava com a frieza em seus olhos, apareceu à nossa porta. Ele se apresentou como Artur, o chefe de pessoal da família Guedes.
"Sra. Bastos", ele começou, seu tom educado, mas firme. "O jovem mestre Inácio não está bem. Ele está com febre alta e está perguntando pela senhora."
Eu o encarei, meu coração batendo um ritmo frenético contra minhas costelas. Um truque. Tinha que ser um truque.
"Tenho certeza de que a... a mãe dele, Cristina, é mais do que capaz de cuidar dele", eu disse, minha voz tensa.
"A Srta. Fitzpatrick está fazendo o seu melhor", disse Artur suavemente. "Mas o menino está chamando seu nome."
Pensei em Cristina Fitzpatrick, a mulher com quem Heitor estava noivo. Lembrei-me dela da minha época na mansão Guedes - uma mulher feita de gelo e ambição. Ela me olhava como se eu fosse algo que ela raspou da sola do sapato. Foi ela quem "encontrou" as cartas falsificadas que convenceram Heitor de que eu estava conspirando contra ele. O pensamento de estar na mesma sala que ela, de seu olhar venenoso, me dava arrepios.
"Não", eu disse, minha determinação se solidificando. "Eu não posso. Não é o meu lugar."
Artur saiu sem dizer mais uma palavra, mas voltou no dia seguinte. E no dia seguinte. Cada vez, sua história era a mesma. Inácio estava doente. Inácio estava perguntando por mim. Cada vez, eu recusava. Eu estava reconstruindo meu muro, um "não" de cada vez.
Na terceira noite, uma batida frenética na porta me tirou de um sono agitado. Passava da meia-noite. Abri e encontrei Artur, sua compostura habitual desaparecida, seu rosto marcado por um pânico genuíno.
"Sra. Bastos, por favor", ele implorou, sua voz baixa e urgente. "Ele está se recusando a tomar o remédio. Os médicos dizem que a febre dele está perigosamente alta. Ele não deixa ninguém chegar perto dele. Ele só fica perguntando pela senhora."
Ele deu um passo mais perto, sua voz caindo para um sussurro.
"Ele é seu filho, Júlia. Sua carne e seu sangue. Como pode ser tão cruel?"
As palavras foram um golpe calculado, mirado diretamente no meu coração.
"Os Guedes têm os melhores médicos do país", contrapus, minha voz tremendo. "Por que precisam de mim?"
Eu estava prestes a bater a porta na cara dele quando uma pequena figura apareceu no corredor atrás de mim. Caio, esfregando os olhos sonolentos, seu pijama amassado.
"Mãe? O que está acontecendo?"
Os olhos de Artur piscaram em direção a Caio, e sua expressão mudou. O desespero foi substituído por uma frieza afiada. A máscara do servo educado caiu, revelando a ferramenta de um mestre implacável.
"Um belo menino", disse Artur, sua voz enganosamente suave. "Seria uma pena se algo acontecesse com ele. Um acidente na escola, talvez. Meninos podem ser tão descuidados."
A ameaça pairou no ar, não dita, mas clara como cristal. Meu sangue gelou. Eles estavam ameaçando o Caio. Estavam usando meu amor pelo meu filho escolhido para me forçar a ver o meu biológico.
Minha escolha se foi. Eles a tiraram de mim.
"Eu vou", eu disse, as palavras com gosto de derrota.
Acordei minha vizinha, Dona Glória, uma senhora idosa e gentil, e pedi que ela cuidasse de Caio até Carlos chegar em casa. Ela deu uma olhada nos dois homens grandes e silenciosos de ternos pretos flanqueando Artur na calçada e seu rosto ficou pálido. Ela assentiu sem dizer uma palavra, puxando Caio para seu apartamento e trancando a porta rapidamente.
Ajoelhei-me na frente de Caio.
"Eu volto antes que você perceba, querido. Se comporte para a Dona Glória."
Ele não queria me deixar ir. Suas pequenas mãos agarraram o tecido do meu casaco.
"Não vai, mãe. É uma armadilha."
"Eu tenho que ir", sussurrei, beijando sua testa. "Eu volto logo. Eu prometo."
Enquanto o sedã preto se afastava da calçada, olhei para trás, para a janela do nosso apartamento. Caio estava lá, uma silhueta pequena e solitária contra a luz quente do nosso lar, me observando desaparecer na noite.