Heitor estava ao meu lado em um instante. Seu rosto era uma máscara de fúria fria, seus olhos ardendo enquanto olhava para Inácio.
"O que você fez?", ele rosnou.
Inácio congelou, sua raiva se dissolvendo em medo. Ele olhou, de olhos arregalados e em silêncio, para o sangue se acumulando no chão, para o vermelho manchando minha mão.
"Deixe-me ver", disse Heitor, sua voz áspera enquanto me alcançava. Ele tentou me levantar, examinar o ferimento.
Recuei como se estivesse queimada, afastando-me de seu toque.
"Não", engasguei. "Não me toque."
Desajeitadamente, enrolei minha mão boa na barra da minha camisa e a pressionei contra o ferimento, tentando estancar o sangramento.
"Estou bem. Preciso ir para casa. Carlos cuidará disso."
O ar no quarto ficou denso e imóvel. Estávamos presos em um impasse, o silêncio quebrado apenas pela minha respiração irregular. A mandíbula de Heitor se contraiu. Um músculo tremeu em sua bochecha. Ele se endireitou, um vislumbre de algo - era mágoa? orgulho? - em seus olhos, e deixou a mão cair ao lado do corpo. Ele era um Guedes. Ele nunca imploraria.
Quando os primeiros raios pálidos do amanhecer se infiltraram pelas cortinas pesadas, finalmente saí daquela casa. Artur me levou, não para casa, mas para uma pequena clínica 24 horas em uma parte da cidade que Heitor nunca visitaria. O médico, um homem de aparência cansada e olhos gentis, arrancou o caco de porcelana da minha palma e suturou o ferimento. A agulha picava minha pele, cada ponto um lembrete agudo dos eventos da noite. Minha cabeça latejava de exaustão e dor.
Tudo o que eu conseguia pensar era que Caio estaria acordando em breve, se preparando para a escola. Uma onda de alívio me invadiu por ele não me ver assim, não ter que carregar o fardo da minha dor em seus ombros pequenos.
Quando finalmente voltei ao nosso prédio, eu o vi. Carlos. Encostado na nossa porta, suas roupas de trabalho empoeiradas, seu rosto marcado pela preocupação. Ele tinha voltado para casa mais cedo.
Ele não disse uma palavra. Apenas se desencostou da porta, caminhou em minha direção e me pegou nos braços como se eu não pesasse nada. Ele me carregou para dentro, sua presença forte e constante um bálsamo para meus nervos em frangalhos. Minha mão enfaixada repousava em seu ombro, a dor uma pulsação surda e rítmica. Enterrei meu rosto em seu pescoço, o cheiro familiar de serragem e sabão enchendo meus sentidos, e pela primeira vez em toda a noite, me senti segura. As lágrimas que eu segurei finalmente vieram, silenciosas e quentes contra seu colarinho.
A névoa do lado de fora da janela começou a se dissipar, revelando uma manhã aguada e incerta.
Mais tarde, depois que ele insistiu que eu comesse algo, Carlos se ajoelhou no chão na minha frente, lavando suavemente a sujeira da cidade dos meus pés em uma bacia de água morna. Seu toque era tão terno, tão reverente, que fez meu coração doer.
"Você não precisa fazer isso", sussurrei, lutando contra uma nova onda de lágrimas.
"Minhas mãos estão ficando ásperas", disse ele, sua voz baixa e grave, sem me olhar. "O trabalho... pode ser que a gente se mude. O proprietário está aumentando o aluguel do espaço do hotel. Talvez tenhamos que encontrar uma nova cidade."
"Por quê?", perguntei, um novo nó de ansiedade se apertando em meu peito. "O que está acontecendo?"
Ele ficou em silêncio por um longo momento, seu foco inteiramente em secar meus pés.
"As coisas estão... instáveis no centro", disse ele vagamente. "Política. O nome dos Guedes não para de aparecer."
Ele olhou para minha mão enfaixada, e sua testa se franziu em uma linha profunda e zangada.
"Eu não gosto disso, Júlia. Não gosto que eles te puxem de volta para qualquer mundo do qual você escapou."
Eu sabia o que ele estava deixando implícito. Os rivais políticos de Heitor estavam circulando, sentindo cheiro de sangue na água. Qualquer escândalo, qualquer fraqueza, seria explorado. Meu reaparecimento era um perigo para ele e, portanto, um perigo para nós.
"Não tenho medo de recomeçar", eu disse, minha voz mais forte do que eu me sentia. "Não tenho medo de ser pobre ou de trabalhar duro. Enquanto eu tiver você para me proteger, não tenho medo de nada."
Ele olhou para mim então, seu olhar profundo e perscrutador. Ele me envolveu com os braços, me segurando com força.
"Me desculpe, Júlia", ele murmurou em meu cabelo. "Eu prometi que te manteria segura. Sinto que estou falhando."
Balancei a cabeça, me afastando para olhá-lo nos olhos.
"Você não falhou. Você salvou minha vida, Carlos. Você me deu um lar. Você me deu uma família. Isso é mais do que suficiente. Isso é tudo."
Naquela noite, uma frágil sensação de normalidade retornou. Quando Caio ouviu que poderíamos nos mudar, seu rosto se iluminou. Ele ficou animado com a perspectiva de uma nova aventura, um novo começo. Imediatamente começou a vasculhar suas coisas, tagarelando sobre quais aeromodelos levaria e quais livros teria que deixar para trás. Ele correu para fora para se despedir alegremente de seus amigos, sua resiliência um ponto brilhante na penumbra opressiva.
Saí para a pequena varanda para chamá-lo para o jantar. O ar estava fresco e crispado.
De repente, uma pequena mão puxou a manga do meu casaco.
Virei-me, assustada. Era Inácio. Ele de alguma forma passou pelos guardas e motoristas e correu todo o caminho até aqui. Ele usava apenas uma camisa fina e calças, seu cabelo estava cheio de folhas e galhos, e ele havia perdido um de seus sapatos caros em algum lugar ao longo do caminho.
Ele ficou ali, tremendo, o rosto pálido e manchado de lágrimas. Ele olhou para mim, seus olhos arregalados com um pânico desesperado e infantil.
"Para onde vocês vão?", ele sussurrou, a voz trêmula.