Capítulo 4

Ponto de Vista: Elisa

Heitor chegou em casa tarde na noite seguinte e me encontrou no sofá, comendo comida tailandesa de uma embalagem para viagem e assistindo a um reality show idiota. Meu braço estava profissionalmente enfaixado, um cilindro branco e austero contra minha pele.

"Você não fez o jantar?", ele perguntou, largando a pasta perto da porta. Não era uma pergunta; era uma acusação.

Ele sabia que minha mão estava queimada. Ele havia mandado uma mensagem mais cedo, um "Como está o braço?" superficial, ao qual eu não respondi. Ele também havia mandado: "Chego em casa às 8. Morrendo de fome."

"Meu celular estava carregando", eu disse, sem desviar o olhar da TV.

Ele suspirou, um som de quem sofre muito, e então sua expressão mudou. Ele segurava uma pequena sacola de presente brilhante de uma marca francesa de cosméticos de luxo. Ele a estendeu para mim como uma oferenda.

"Seu creme para o rosto estava quase acabando", ele disse, a voz mais suave agora. Ele me observava, o olhar intenso, procurando por um sinal de gratidão, de perdão. Era um olhar que dizia: *Viu? Eu presto atenção. Sou um bom marido.*

Finalmente me virei para olhá-lo. Seus olhos continham aquela pena familiar e condescendente que ele reservava para mim quando se sentia generoso.

"Não, obrigada", eu disse, minha voz educada, mas distante.

Ele piscou. "O quê?"

"Eu não gosto dessa marca. É muito cara."

Era mentira. Eu amava aquela marca. Mas eu tinha visto o story de Kátia no Instagram naquela tarde: uma selfie dela e de Heitor na boutique da marca, ela segurando o mesmo pote de creme, com a legenda: "Ele me mima! ". Isso não era um presente para mim; era um duplicado, uma conveniência de última hora.

Meu braço enfaixado repousava sobre uma almofada. Meus olhos voltaram para a TV, onde uma mulher jogava um copo de vinho no rosto de outra.

Heitor se aproximou, tentando olhar para o meu braço. "Está doendo?"

Eu me afastei de seu toque, uma reação puramente instintiva. Meu braço enfaixado derrubou a sacola de presente da mesa de centro. O pesado pote de vidro dentro atingiu o piso de madeira com um estalo doentio. Creme branco e cacos de vidro se espalharam pela madeira polida.

Ele olhou para a bagunça, depois para mim, o maxilar cerrado. "Você está falando sério, Elisa? Vai fazer birra por causa de uma queimadurazinha?"

"Eu não estou com raiva", eu disse simplesmente. Era a verdade.

"Ah, entendi", ele zombou, a gentileza evaporando. "Você está me dando o tratamento de silêncio. Quantos anos você tem, doze? É patético. Sabe, para uma arquiteta, às vezes você é tão estupidamente burra."

A antiga Elisa estaria chorando agora. Seu peito estaria apertado, a garganta arranhando com soluços não derramados. A nova Elisa sentiu uma estranha sensação de distanciamento, como se estivesse assistindo a uma cena de um filme.

"Pense o que quiser, Heitor", eu disse, com a voz cansada.

Levantei-me, recolhi cuidadosamente minhas embalagens de comida e as joguei no lixo. Caminhei em direção à porta da frente, pegando minha bolsa.

Ele me seguiu, seus passos pesados de raiva. Isso não estava de acordo com o roteiro dele. "Onde você vai?"

"Sair."

"Sair para onde?", ele exigiu, bloqueando meu caminho.

"Ver uma amiga", menti, tirando as chaves da bolsa.

As portas do elevador se abriram. Entrei sem olhar para trás. As portas se fecharam em seu rosto, sua expressão uma mistura de fúria e total perplexidade. Ele não conseguia compreender um mundo onde eu não estivesse orbitando ao seu redor, desesperada por sua atenção, sua aprovação, seu perdão.

Ele estava prestes a aprender.

            
            

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